Capítulo 4

O conceito de Transição Agroecológica: contribuições para o redesenho de agroecossistemas em bases sustentáveis1

José Antônio Costabeber (in memoriam)
Francisco Roberto Caporal
José Geraldo Wizniewsky

A Agroecologia será o arado para o cultivo de um futuro sustentável e haverá de articular-se a processos de transformação social que permitam passar da resistência à globalização, à construção de um novo mundo (LEFF, 2002, p. 17).

Introdução

A partir da elaboração do conceito de desenvolvimento sustentável, consolidado no famoso Relatório Brundtland (CMMAD, 1992), as discussões sobre alternativas e estratégias para aumentar a sustentabilidade dos processos de produção de bens necessários à sobrevivência humana vêm ganhando cada vez mais importância nos meios científicos e acadêmicos. As contribuições da Ecologia, que, até os anos 1970, recebiam tímidos reconhecimentos, hoje são consideradas indispensáveis para a formulação de respostas concretas aos atuais problemas socioambientais que colocam em risco a humanidade e todas as espécies que vivem neste planeta. Na agricultura, esse debate tem sido muito intenso, dado o processo de artificialização crescente que vem ocorrendo nos últimos 100 anos, principalmente a partir da difusão e expansão da chamada agricultura moderna. Mais recentemente, a referência constante à necessidade de construção de uma agricultura de base ecológica ou mais sustentável, capaz de produzir alimentos em quantidade e qualidade para todos e por todo o tempo, vem se tornando parte inerente a esse debate e fazendo aflorarem, com mais nitidez, os problemas sociais, econômicos e ambientais relativos ao atual padrão de produção e de consumo, muito embora exista uma enorme falta de consenso sobre as formas e estratégias para alcançar essa meta e sobre o próprio conceito de sustentabilidade.

De todo modo, hoje existe um razoável entendimento de que muitos problemas socioambientais e até mesmo a fome e a segurança alimentar estão relacionados entre si e dificilmente poderão ser resolvidos se interpretados ou enfrentados individualmente. Como bem expressou Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), na sua conferência magistral na Universidade de Havana, em Cuba (DIOUF, 2008, tradução nossa):

Não resta dúvida de que nos encontramos ante um desafio sem precedentes: alimentar a mais pessoas e alimentá-las melhor, [em um cenário] com preços mais altos, insumos mais caros e recursos cada vez mais limitados, e, ao mesmo tempo, lutar contra a mudança climática.

Essa crise não apenas tem implicações ambientais e energéticas, mas também apresenta repercussões socioeconômicas e políticas, o que caracteriza, de modo convincente, a necessidade de enfrentar o grave problema da crescente insustentabilidade dos processos produtivos relacionados à agricultura e ao meio rural.

Sob essa ótica, o presente texto é guiado pela seguinte assertiva: o principal desafio da agricultura, além de ser produtiva e geradora de alimentos de elevada qualidade biológica, é ser também mais sustentável, independentemente das denominações assumidas ou dos qualificativos que vier a receber. A expressão “ser sustentável” tem o sentido de algo que tem sustentabilidade em concepção ampla: algo perene, que pode durar para sempre ou por muito tempo, que tenha longevidade temporal e que esteja em sintonia com princípios fundamentais necessários para o alcance de uma sociedade mais sustentável2. Isso é, o que define a agricultura que se pretende alcançar no futuro não é simplesmente a aplicação de um conjunto de novas técnicas, insumos ou métodos de produção ambientalmente mais corretos. Busca-se, isso sim, construir um conjunto de novos processos ecológicos, sociais e econômicos pautados por estratégias que reconheçam a importância fundamental das dimensões culturais e políticas de cada comunidade e que permitam tratar com ética, respeito e solidariedade as gerações atuais e futuras no que se refere à preservação e conservação dos recursos naturais e da biodiversidade ecológica e sociocultural.

Na sequência deste Capítulo, serão feitas aproximações da abordagem teórica do conceito de “transição” na sociedade de forma geral e do processo de “Transição Agroecológica” stricto senso (isto é, no âmbito das formas de produção agropecuária). Posteriormente, serão abordadas as dimensões da insustentabilidade da agricultura moderna ou convencional com os propósitos de mostrar a necessidade urgente do processo de transição e de destacar o distanciamento da chamada agricultura moderna de uma agricultura de base ecológica. Para isso, serão também resgatadas algumas ideias-chave que deram suporte científico para a disseminação de uma agricultura com baixos níveis de sustentabilidade, a perda de sua vinculação com a Ecologia e a sua aproximação com outros ramos da Ciência. A crise da agricultura convencional e a emergência do paradigma da sustentabilidade serão tratadas sob a perspectiva da Agroecologia enquanto campo de conhecimento científico capaz de orientar a construção de estilos de agriculturas de base ecológica e a promoção de processos de desenvolvimento rural mais sustentável. Na análise do conceito de “Transição Agroecológica”, será dada maior ênfase à sua perspectiva ecológico-produtiva, com destaque para a aproximação entre suas formas de manifestação e as dimensões da sustentabilidade, sem desmerecer que tanto a perspectiva sociocultural como a perspectiva de transformação social são indispensáveis ao se analisar a transição em contextos socioeconômicos mais amplos. Finalmente, sugere-se que a compreensão da emergência de experiências concretas passa pela assunção das premissas inerentes à Agroecologia enquanto campo de conhecimentos inspirado no conceito de sustentabilidade em perspectivas temporal e humana.

Da abstração à aplicação concreta da concepção de sustentabilidade

O termo “transição”, em sua acepção mais corriqueira, designa simplesmente a ação e o efeito de passar de um modo de ser ou estar a outro distinto. Isso implica, desde logo, a ideia mesma de processo, ou seja, um curso de ação mais ou menos rápido que se manifesta na realidade concreta a partir de uma intrincada e complexa configuração de causas e que sempre há de provocar consequências e efeitos, previsíveis ou não, na nova situação que se estabelece. Fenômenos físico-naturais podem representar processos de transição, tais como são os câmbios climáticos em distintos períodos de tempo e em um dado contexto espacial. Isso não depende necessariamente da ação, da intenção ou da interação humanas; a observação de sua repetição cronológica e espacial, assim como a identificação de suas causas, pode aumentar os graus de previsibilidade de sua ocorrência, evolução e estado futuro (COSTABEBER, 1998; COSTABEBER; MOYANO, 2000).

Godelier, autor identificado com a análise da transição na sociedade, assim caracteriza esse processo:

[…] uma fase muito peculiar na evolução de uma sociedade; aquela fase na qual tal sociedade enfrenta a dificuldade cada vez maior, de natureza externa ou interna, de reproduzir o sistema social e econômico no qual se fundamenta e, desta maneira, começa a reorganizar-se – de um modo mais ou menos rápido ou mais ou menos violento – sobre a base de outro sistema, que finalmente se converte, por sua vez, na forma geral de novas relações entre os indivíduos que compõem esta sociedade e de suas novas condições de existência. (GODELIER, 1981 citado por GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA GUZMÁN, 1993, p. 55, tradução nossa).

No entanto, há que se relativizar a análise em uma perspectiva teórica e geral sobre a transição, pois, nas situações em que interferem processos sociais e produtivos, costumam ocorrer externalidades, as quais são fruto de complexas redes de relações e interações entre os atores sociais e entre esses e o meio ambiente, o que implica novas e maiores dificuldades para a previsibilidade de seu desenvolvimento, evolução e estado final. Recorrendo, outra vez, a González de Molina e Sevilla Guzmán (1993, p. 59, tradução nossa), afirma-se que “não há regras predeterminadas que regem a evolução das sociedades em seu conjunto à margem das próprias sociedades”. O que se pode observar, não obstante, é que, regularmente, sociedades concretas têm evoluído como consequência de estratégias desenvolvidas com base em seus interesses específicos. Com efeito, a transição (como processo de mudança social) é resultante de estratégias mais ou menos conscientes dos diversos atores e grupos sociais, surgidas como consequência da confrontação de interesses distintos e, muitas vezes, contraditórios. Mais do que uma mudança unilinear, o conceito de transição tem mais coerência e afinidade com a noção de multilinearidade, como resultado das intrincadas relações sociais que, como se disse antes, são parte inerente do processo.

Ademais da multilinearidade de seu desenvolvimento e evolução, a transição supõe também a noção de coexistência. A passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna pode ser um exemplo útil: a modernização representou um processo de transição que, antes de generalizar-se de maneira homogênea, converteu-se, ao contrário, em fonte geradora de heterogeneidade e diferenciação social. A coexistência do tradicional e do moderno, inclusive no seio das atuais sociedades pós-industriais, mostra a pertinência de considerar-se a transição como processo social multilinear e dinâmico, em que a diferença e a coexistência estão presentes. “Seu êxito ou fracasso dependeria, em todo caso, do resultado de um conflito de interesses […] que dinamiza processos de resistência, confronto ou, finalmente, adaptação” (GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA GUZMÁN, 1993, p. 60, tradução nossa).

Dessas análises mais gerais sobre a transição na sociedade humana como um todo, há que se fazer uma aproximação da Transição Agroecológica para buscar compreendê-la no que tange às relações entre sociedade e natureza e, mais especificamente, à utilização dos recursos naturais renováveis, que, num recorte analítico mais reduzido, são os agroecossistemas. A Transição Agroecológica também se constitui em um processo multilinear e dinâmico, porque está profundamente vinculada e dependente das condições socioeconômicas, culturais e biofísicas locais. O próprio ritmo da transição, nesse caso, se dará em função da combinação de múltiplos elementos e circunstâncias existentes no local, assim como da própria coevolução social e biológica inerente ao contexto em questão. Desse modo, cabe adiantar, não há receitas ou pacotes para determinar o processo de transição, mas há, sim, princípios orientadores que devem ser considerados à luz dos conhecimentos válidos acumulados num dado momento histórico.

Nesse contexto, vale a pena resgatar as recomendações de Guzmán Casado, González de Molina e Sevilla Guzmán (2000) em relação ao conceito de sustentabilidade em agroecossistemas. Afirmam eles:

Em primeiro lugar, o conceito de sustentabilidade é, por natureza, dinâmico, deve mudar com o tempo, como dinâmico é o equilíbrio que existe na natureza; portanto, não se pode dizer que um agroecossistema é ou não sustentável, mas sim que é mais ou menos sustentável do que antes ou do que outro agroecossistema com o qual se compara3. Em segundo lugar, é um conceito que deve ser aplicado, operacional e, nesse processo, nem todos os objetivos da sustentabilidade podem ser alcançados ao mesmo tempo; nesse sentido processual ou tendencial, o conceito de sustentabilidade prima pelo alcance de objetivos concretos em cada momento, sejam determinados pela gravidade dos danos ambientais, pela urgência de sua resolução ou pela escala de tempo em que nos situemos. Em terceiro lugar, ainda tendo uma dimensão claramente planetária, a aplicação da sustentabilidade deve fazer-se sobre ecossistemas específicos, muito diferentes uns de outros, de maneira que o conteúdo concreto do conceito pode variar tanto no espaço como no tempo. […] A aplicação que a Agroecologia faz do conceito se refere a cada agroecossistema, sem perder de vista sua interconexão com os demais e, é claro, contemplando as variáveis socioeconômicas e culturais em pé de igualdade com as biofísicas. (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 100, tradução nossa).

Isso supõe a adoção inclusive de um enfoque sistêmico tanto para avaliação, análise e estudo da insustentabilidade como para o estabelecimento de caminhos para a Transição Agroecológica.

Em síntese, não há como separar o conceito de transição, assumido numa perspectiva de transformação social e ecológica, da noção de sustentabilidade em agroecossistemas, enquanto ponto de referência para compreender a evolução em direção a processos mais duradouros de desenvolvimento agrícola e rural. De fato, nas últimas décadas, a agricultura vem passando por transformações importantes, tanto no ritmo marcado pela incorporação de tecnologias que aumentam a produtividade do trabalho e da terra, como nas repercussões que essas transformações vêm causando à saúde agroecossistêmica. A insustentabilidade da agricultura moderna ou industrial se manifesta em perspectiva multidimensional.

As dimensões da insustentabilidade da agricultura moderna

Ao assumir a necessidade da Transição Agroecológica, implicitamente está-se admitindo que o atual modelo de desenvolvimento da sociedade se distancia das bases da sustentabilidade e se aproxima de cenários de crescente insustentabilidade. Para alguns autores, citados a seguir, ao manter-se esse distanciamento, as sociedades humanas estarão perigosamente rumando para um processo de degradação ambiental irreversível, que poderá culminar em colapsos sistêmicos no planeta.

Sob essa ótica, o biólogo e escritor estadunidense Jared Diamond, em sua fantástica obra Colapso: como as sociedades optam entre o fracasso e a sobrevivência (DIAMOND, 2005)4, faz um alerta importantíssimo ao destacar o que define como “processos através dos quais sociedades passadas se autodestruíram pela devastação dos seus ambientes naturais” e cita oito categorias de fenômenos cuja intensidade variou conforme cada caso: a) desflorestamento e destruição do habitat natural; b) problemas do solo; c) problemas de gestão dos recursos hídricos; d) caça excessiva; e) pesca excessiva; f) efeitos da introdução de novas espécies sobre as espécies autóctones; g) aumento demográfico; e h) aumento do impacto per capita dos seres humanos5. Esse autor destaca também outras quatro novas categorias de problemas ambientais gerados pelas sociedades do presente, as quais se somam aos oito fenômenos que minaram as sociedades do passado. São elas: i) alterações climáticas provocadas pelo homem; j) concentração de produtos químicos tóxicos no ambiente; k) escassez de recursos energéticos; e l) uso, por parte do homem, da capacidade fotossintética total do planeta. Embora tenha identificado situações catastróficas e de desastres ambientais de grandes repercussões, o autor mantém certo otimismo em relação ao futuro, desde que a humanidade faça escolhas corretas com base no manejo de seus recursos naturais de maneira mais sustentável.

As escolhas citadas por Jared Diamond estão atreladas e dependentes do que Richard Heinberg denomina de os cinco axiomas da sustentabilidade. Seu primeiro axioma é que “qualquer sociedade que use continuamente recursos críticos de modo insustentável entrará em colapso”. Como exceção, ele cita que “uma sociedade pode evitar o colapso encontrando recursos de substituição”. Porém, há também um limite à exceção: “num mundo finito, o número de possíveis substituições é também finito”. O segundo axioma presume que “o crescimento populacional e/ou o crescimento das taxas de consumo dos recursos não é sustentável”. Nesse caso, mesmo a pequenas taxas de crescimento continuado, a população e/ou o consumo podem se tornar insustentáveis pela finitude dos recursos. O terceiro axioma de Heinberg estabelece que, “para ser sustentável, o uso dos recursos renováveis deve seguir uma taxa que deverá ser inferior ou igual à taxa de reposição”. Já o quarto axioma é que, “para ser sustentável, o uso de recursos não renováveis tem de evoluir a uma taxa em declínio, que deve ser maior ou igual à taxa de esgotamento”. Por fim, o quinto axioma postula que a sustentabilidade só poderá ser alcançada se “as substâncias introduzidas no ambiente pela atividade humana [forem] minimizadas e tornadas inofensivas para as funções da biosfera” (HEINBERG, 2007).

Os axiomas apresentados por Heinberg (2007) se aproximam da tese do mundo finito proposta por Goodland (1997), a qual sustenta que duas importantes funções do planeta (entendido como um grande sistema), que são a de fornecer recursos naturais e a de absorver dejetos da sociedade humana, estão colapsadas, considerando a finitude da Terra. Tanto o uso dos recursos naturais como a produção de lixo ou resíduos se processam em um ritmo muito acima das capacidades de regeneração e absorção, respectivamente. Nessa perspectiva, o uso crescente de agrotóxicos na agricultura, verificado especialmente no Brasil nos últimos anos, entra em choque grave e frontal com o quinto axioma de Heinberg (2007). Não será possível manter as funções da biosfera e muito menos garantir saúde para os seres vivos (incluindo aí os humanos) se a carga tóxica empregada na produção agropecuária não for revertida rapidamente mediante a aplicação de novos métodos, tecnologias e insumos de produção que estejam em mais harmonia com os processos ecológicos e sociais.

As teses dos autores citados acima mantêm relação direta com a situação expressa no Relatório Planeta Vivo (WWF, 2010), o qual dá conta de que a pegada ecológica6 superou a biocapacidade7 do planeta em 1,23 vez em 2003 e em 1,50 vez em 20078. Em outras palavras, a humanidade já está ultrapassando em 50% o uso potencial da Terra, o que, por si só, denota a insustentabilidade, além de suscitar um sério questionamento: como é possível usar 1,5 vez a Terra se ela é única? O Relatório assim responde a essa indagação:

Durante a década de 1980, a humanidade como um todo ultrapassou o ponto em que a pegada ecológica anual correspondia à biocapacidade anual da Terra. Em outras palavras: a população humana do planeta começou a consumir recursos renováveis com maior rapidez do que os ecossistemas são capazes de regenerá-los e liberar mais CO2 do que os ecossistemas conseguem absorver. Essa situação é chamada de sobrecarga ecológica e continua desde então. (WWF, 2010).

As emissões de carbono têm relevância porque representam mais de 50% da pegada ecológica. Não obstante a relevância desse indicador, sob a perspectiva da finitude dos recursos naturais, é preciso assinalar que a definição de pegada ecológica é insensível às externalidades, ou seja, não contabiliza, por exemplo, a perda de qualidade de vida a longo prazo pelo consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos ou a perda de resiliência9 dos agroecossistemas pela redução gradual da biodiversidade, pelo empobrecimento dos solos ou pela contaminação química10. Além disso, é altamente dependente de insumos externos e de rotas tecnológicas sobre as quais não se tem controle.

Quando se analisam alternativas para reduzir as atuais taxas de emissão de CO2 derivadas do elevado consumo de recursos energéticos fósseis, a produção de biocombustíveis tem se apresentado como uma das mais promissoras. Não obstante, estudos têm mostrado que a sua escolha pode agravar ainda mais os níveis de sustentabilidade dos agroecossistemas, como é o caso da pesquisa conduzida por Pimentel et al. (2007), a qual mostra que a produção de 1 kcal de etanol a partir do milho requer 1,43 kcal de energia fóssil. Ademais, no caso brasileiro, a agricultura para a produção de agrocombustíveis segue baseada no modelo da Revolução Verde, com alta concentração da terra e elevadas taxas de uso de insumos agroquímicos e mecanização, o que coloca sob suspeita a sustentabilidade dos processos, seja na produção de etanol de cana-de-açúcar, seja na de matérias-primas para o biodiesel.

Na realidade, a história das agriculturas mundiais sofreu uma enorme mudança a partir do século 19, com a internalização crescente de uma nova base tecnológica e da organização da produção que, por um lado, permite ganhos de produtividade a curto prazo e, por outro lado, desconsidera elementos essenciais que hoje formam parte da plataforma de compreensão mais ampla do conceito de sustentabilidade. Por mais paradoxal que possa parecer, esse processo sofreu enorme influência da Ciência, que vem gerando conhecimento “novo” e alheio às práticas e saberes produzidos pelos próprios agricultores. Conforme Hecht (1989), a Ciência Agronômica contemporânea não incorporou o saber agroecológico historicamente construído e acumulado pelas sucessivas gerações de agricultores, porque ocorreram, em maior ou menor grau, os seguintes processos sociais: a destruição de meios de codificação, regulação e transmissão de práticas agrícolas; a dramática transformação de muitas sociedades indígenas não ocidentais; a escravidão, o colonialismo e a economia mercantil; e o surgimento da Ciência baseada em correntes filosóficas como o Empirismo, o Racionalismo e o Positivismo11. Todos esses processos levaram a agricultura moderna ou convencional a se afastar, gradual e continuamente, dos ideais da sustentabilidade por incorporar uma visão e orientação científicas baseadas na artificialização dos agroecossistemas. Fartamente registrada na literatura, a artificialização agroecossistêmica foi intensificada com a aplicação das premissas elaboradas por Justus Von Liebig (precursor da química agrícola), especialmente através de sua famosa lei dos mínimos, a qual passou a ser um paradigma, na acepção de Kuhn (1987), para a Ciência Agronômica contemporânea.

Com a hegemonia do paradigma químico na agricultura, as propostas que antes disputavam esse campo de conhecimento (baseadas no que hoje poder-se-ia apontar como precursoras do ideário da sustentabilidade) foram desconsideradas a partir da influência do Positivismo e, particularmente como destaca Hecht (1989), do privilégio dado ao conhecimento científico. Como consequência dessa concepção de Ciência, os saberes acumulados pelos agricultores ao longo da evolução social e biológica em seus respectivos agroecossistemas, por não alcançarem o status de conhecimento científico, não poderiam servir de orientação para o desenvolvimento da agricultura moderna, cuja lógica principal é dada pela busca permanente de aumento da produtividade a curto prazo. Associada ao paradigma da química agrícola na prática da agricultura, essa mesma lógica também passou a orientar o modelo básico para a pesquisa e o ensino na área das Ciências Agrárias.

Majoritariamente, a formação técnica na área das Ciências Agrárias vem seguindo o paradigma convencional, em que se nota um flagrante privilégio dos conhecimentos técnicos baseados na perspectiva da maximização das produtividades físicas, porém sem as devidas considerações sobre seus impactos nos sistemas ecológicos. A constatação desses impactos sobre o ambiente e a sociedade tem contribuído para o surgimento de enfoques “alternativos”, que contestam a orientação hegemônica e oferecem propostas que pretendem harmonizar as relações entre a sociedade e a natureza. Nas últimas décadas, está-se assistindo à emergência da Agroecologia como um dos campos de estudo preocupados com a longevidade dos agroecossistemas. Na síntese histórica realizada por Stephen R. Gliessman, o enfoque agroecológico é resultante da aproximação da Ecologia e da Agronomia, duas ciências que tiveram uma relação tensa no transcorrer do século 20. A Ecologia se ocupou principalmente do estudo dos sistemas naturais, ao passo que a Agronomia tratou da aplicação de métodos de investigação científica na prática da agricultura. Conforme o mesmo autor, nos anos 1930, embora os ecologistas de plantas cultivadas tenham proposto o termo “Agroecologia”, referindo-se à ecologia aplicada à agricultura, o termo acabou esquecido. Após a Segunda Guerra Mundial, a Ecologia predominantemente se inclinou para a aplicação de resultados, e, com isso, a distância entre as duas ciências ampliou-se (GLIESSMAN, 2000).

Disso se depreende que, a partir do momento em que a Ciência Agronômica se inclinou para a aplicação de métodos científicos amparados no Empirismo, Racionalismo e Positivismo (GOMES; BORBA, 2004) com foco na experimentação, houve o seu gradual distanciamento das bases ecológicas, com o afastamento da incorporação dos ensinamentos da Ecologia e a indução à disseminação da chamada agricultura moderna em várias regiões do mundo. Os agroquímicos passaram a ser os insumos preferenciais (considerados indispensáveis sob a perspectiva teórica adotada) para a orientação prática do tipo de agricultura desejada a partir de então.

Funtowicz e De Marchi (2000), ao contextualizarem a Ciência na perspectiva da complexidade, associam a Ciência baseada no paradigma hegemônico à dimensão econômica (de crescimento econômico) e destacam que a orientação científica vigente é causadora de sérios problemas, tal como a degradação ambiental:

[…] De maneira mais geral, se difunde o sentimento de que o sistema científico (incluída a tecnologia baseada na ciência) é responsável por muitos dos problemas que percebemos no ambiente natural e em nossa saúde. A sociedade percebe também a conexão entre esse sistema científico e uma ciência econômica que privilegia o crescimento econômico como a única forma de desenvolvimento, esquecendo-se das questões de equidade e justiça, e que adota um despreocupado ‘otimismo tecnológico’. Assim, pois, o bem que deriva da ciência também está em entredito. (FUNTOWICZ; DE MARCHI, 2000, p. 58-59 tradução nossa).

Com o acúmulo de conhecimentos, o paradigma que orienta a agricultura moderna foi se consolidando e estabelecendo os contornos da Ciência Normal que orienta a Agronomia, cuja base era a intervenção nos sistemas naturais com o intuito de torná-los mais produtivos mediante sua crescente artificialização. A premissa para a intervenção em agroecossistemas supunha, como fontes dos conhecimentos e tecnologias aplicáveis, o estudo e a pesquisa em ambientes controlados e reduzidos, a exemplo do que se fazia em laboratórios e campos experimentais. Havia, e ainda há, uma crença ilimitada, quase um dogma de fé, em torno dos avanços estabelecidos nos centros experimentais geradores desses conhecimentos. Esse paradigma, que orienta a Ciência Normal na aplicação de tecnologias para a exploração dos recursos naturais, considera os agroecossistemas como uma base física para a produção agropecuária, dependente de insumos externos sintéticos (ou não). O elemento perturbador desse paradigma – ou, na acepção de Kuhn (1987), o introdutor de anomalias – foi o rompimento da elasticidade dos agroecossistemas, ou seja, a drástica diminuição de sua resiliência, o que provocou processos de exaustão e até transformou alguns desses agroecossistemas em áreas estéreis, o que pode ser observado pelo aumento constante das áreas em desertificação em diversos lugares do planeta.

Em que pesem os avanços e os êxitos relativos em termos de aumento de área, produção e produtividade física de alguns cultivos e criações a partir da aplicação dessa nova base de conhecimentos e tecnologias, a sobrevivência da espécie humana depende de medidas que considerem os impactos positivos e negativos a longo prazo. O aumento da pegada ecológica e das externalidades negativas determina maiores riscos de colapso e favorece a compreensão da importância das mudanças sociais, econômicas e ambientais representadas, no final do século 20, pela emergência do paradigma da sustentabilidade.

A emergência do paradigma da sustentabilidade e da Agroecologia como campo de conhecimento científico

No debate contemporâneo sobre longevidade dos processos produtivos agropecuários, a questão da crescente artificialização dos agroecossistemas aparece como central, pois a agricultura está cada vez mais ancorada no uso de insumos não renováveis, intensivos em capital (muitas vezes tóxicos e redutores da biodiversidade) e socialmente excludentes. Assim sendo, uma agricultura sustentável supõe a consideração não apenas de elementos econômicos e de mercado, mas também de elementos de caráter ambiental e de justiça social12. De fato, as primeiras propostas de uma agricultura alternativa, ainda no início do século 20, tinham como principal meta não a constituição de um mercado diferenciado, com produtos mais caros e consumo elitizado, mas, principalmente, a conformação de estilos de agriculturas mais duradouras através do tempo e que permitissem a produção de alimentos com qualidade biológica superior, o que hoje se conhece sob o título de agricultura mais sustentável. Foi na esteira de diversas concepções de agricultura distanciadas do modelo hegemônico que teve início o processo de gestação da Agroecologia como área de estudos de caráter multidisciplinar, em suas diversas definições e enunciados, seja em sentido mais agronômico (ALTIERI, 1989, 2001, 2002), ecológico (GLIESSMAN, 1990, 2000) ou sociopolítico (GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA GUZMÁN, 1993; GUZMÁN CASADO et al., 2000).

Por isso, embora revisões recentes (WEZEL et al., 2009; WEZEL; SOLDAT, 2009) mostrem que a Agroecologia vem sendo tratada ora como disciplina científica, ora como movimento social ou prática agrícola, na perspectiva adotada neste Capítulo, defende-se que é preciso continuar dando ênfase à questão conceitual. Em outras palavras, entende-se que é necessário realçar que a Agroecologia não é sinônimo de prática ou técnica agrícola, de agricultura ecológica, de agricultura tradicional ou indígena, de agricultura sem veneno, de agricultura sem adubo, de agricultura de fundo de quintal, de agricultura pobre, de agricultura sem insumos, de agricultura que produz verduras e frutas para a feira. Igualmente, não se trata apenas de uma agricultura que produz alimentos limpos e sem resíduos químicos para consumidores brasileiros ricos e bem informados ou consumidores de países que exigem produtos de qualidade. Tampouco se deve tomar a Agroecologia como sinônimo de movimento social, embora se possa admitir que já exista ou que venha a surgir um movimento social agroecológico. Dito em poucas palavras, a Agroecologia constitui um campo de conhecimentos, uma ciência ou um enfoque científico que oferece princípios, conceitos e metodologias para apoiar a transição em direção a uma agricultura mais sustentável (mais barata, econômica ou cuidada), que protege a base dos recursos naturais, que gera oportunidades de emprego, que amplia e diversifica as rendas, que reduz as externalidades, que melhora a autoestima e aumenta a autonomia dos agricultores e que proporciona alimentos em quantidade e qualidade para todos os cidadãos em perspectiva de longo prazo13. Em sentido mais abrangente, o enfoque agroecológico corresponde a uma matriz disciplinar ou paradigma para o desenvolvimento rural sustentável construída com participação social (CAPORAL et al., 2006) pois inclui uma preocupação de natureza ética ao assumir a importância da solidariedade intra e intergeracional, isto é, uma ética da sustentabilidade14.

A partir desses significados, observa-se que a Agroecologia é parte constitutiva do conceito de Transição Agroecológica, entendida como um processo gradual de mudança através do tempo que visa ao desenho e à construção de agroecossistemas complexos, com maior sustentabilidade e, portanto, com mais probabilidade de reprodução através do tempo. Esse processo implica não somente a busca de maior racionalização produtiva com base nas especificidades biofísicas e socioeconômicas de cada agroecossistema, mas também uma mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos (CAPORAL; COSTABEBER, 2001; COSTABEBER, 1998). Ou, como sugere Leff (2002), a Agroecologia surge como uma reação ao modelo agrícola que esgota os recursos, configurando um novo campo de saberes práticos com foco em uma agricultura mais sustentável, orientada para bem comum, autossubsistência e segurança alimentar das comunidades rurais.

Embora vários estudos e estatísticas mostrem, nos últimos anos, que inúmeros segmentos da agricultura vêm atingindo variados níveis no processo de transição, o que pode ser comprovado pelo grande incremento da produção ecológica e/ou orgânica em diversas regiões do mundo e pelos preços diferenciados na sua comercialização ao consumidor final, essa não deveria ser a real fonte de inspiração e motivação para que os agricultores adotem novos desenhos tecnológicos e de organização da produção. Aliás, também não é por causa dessas vantagens aparentes que se defende a aplicação do enfoque agroecológico. Na perspectiva da Transição Agroecológica, então, não se deveria, em hipótese alguma, confundir razão com estratégia. Isto é, produzir ecologicamente e, assim, conquistar um mercado diferenciado, que melhor remunere a produção, o que aumenta a autoestima do agricultor, pode ser um objetivo nobre, um direito legítimo dos agricultores, especialmente numa sociedade de mercado. Porém, da perspectiva da Agroecologia, é desejável que esse objetivo sempre faça parte de uma estratégia ou que seja compreendido como o resultado de um processo mais amplo que considera o conceito de sustentabilidade como uma referência positiva de futuro. Já a razão, que deveria vir sempre antes da estratégia, constitui a verdadeira base lógica e coerente que justifica o processo de mudança. Dito de forma breve, a Transição Agroecológica se justifica pelo reconhecimento das causas últimas da insustentabilidade dos agroecossistemas, causas essas que não se resumem a um diferencial de preços dos produtos ou às preferências de um determinado segmento de consumidores e que não se resolvem pela pura substituição de insumos químicos por biológicos. O contexto da sustentabilidade a ser buscada tem raízes econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, 2004) e não deve ser reduzido a uma questão de nichos de mercado ou de lucro imediato.

Como outra vez ensina Leff (2002), a Agroecologia não contribui apenas para uma produção mais sustentável ou para atender demandas de mercado. O saber agroecológico visa contribuir para a construção de um novo paradigma produtivo, com ênfase na produção com a natureza, fundamentado no potencial ecológico e tecnológico do meio ambiente e da cultura. Dessa forma, esse saber agroecológico se inscreverá nas estratégias de poder, no saber pela sustentabilidade, tornando-se necessária uma política científico-tecnológica que favoreça esse processo de inovação de saberes e de reapropriação cultural da natureza.

Então, quando se postula a aplicação do enfoque agroecológico e a promoção do processo de Transição Agroecológica, o real objetivo é trabalhar pela construção social e pela aplicação prática de uma base sólida de conhecimentos, saberes, princípios, conceitos e metodologias que permitam almejar uma agricultura mais sustentável em caráter universal. Por essa razão, não tem o menor sentido pensar ou defender uma agricultura orgânica, ecológica, biológica, biodinâmica, natural, etc. apenas para alguns grupos ou contextos socioeconômicos e ambientais ou para alguns consumidores que podem pagar preços diferenciados. Se o modelo dominante for realmente insustentável (o que fica evidente se se levam em conta a pegada ecológica e as externalidades negativas do modelo de desenvolvimento dominante), então, será preciso buscar respostas que contemplem o conjunto da agricultura e do contexto rural, independentemente do tempo que isso possa exigir.

No Brasil, a Agroecologia, como campo de conhecimento que orienta uma agricultura em bases mais sustentáveis, vem permeando as instituições de ensino, pesquisa e extensão rural, inclusive com a incorporação de seu acervo de conhecimentos científicos à formação de extensionistas rurais para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Também se verifica atualmente uma consolidação e reafirmação conceitual, cuja aplicação vem se manifestando na realização de vários eventos técnico-científicos (particularmente dos Congressos Brasileiros de Agroecologia), em que se geram conhecimentos pela investigação ou experimentação feita por agricultores ou mesmo pesquisadores independentes, ou seja, aqueles que não têm relação formal com as tradicionais entidades públicas ou empresas privadas de pesquisa.

A agricultura de base ecológica (ou mais sustentável) não pode ser confundida com sistemas ou modelos que lançam mão de conceitos da Ecologia apenas como estratégia de marketing para a obtenção de vantagens no mercado e que se mantêm, assim mesmo, distanciadas da sustentabilidade em perspectiva multidimensional. O emprego da expressão “agricultura de base ecológica” tem o propósito de distinguir os estilos de agricultura derivados da aplicação dos princípios da Agroecologia tanto do modelo de agricultura convencional como dos estilos de agricultura que vêm se conformando a partir das orientações emanadas das correntes da Intensificação Verde ou da Revolução Duplamente Verde, cuja característica é a incorporação parcial de tecnologias e insumos ambientalmente mais benignos nas práticas agrícolas convencionais (greening process, segundo Buttel (1994)). Essa distinção é necessária para assinalar que nem todos os estilos de agricultura alternativa existentes, ou que venham a existir, lançarão mão dos princípios assumidos pelo enfoque agroecológico. Na realidade, conceitualmente, uma agricultura de base ecológica não é aquela que simplesmente deixa de usar determinadas tecnologias ou insumos (especialmente agrotóxicos e fertilizantes químicos de síntese) em seu processo produtivo. Em teoria, uma agricultura de baixos inputs pode corresponder a uma agricultura desprotegida, cujos praticantes não tiveram acesso aos insumos modernos por limitações econômicas, falta de assistência técnica ou ausência de políticas públicas adequadas para a promoção de mudanças. Além disso, hoje se constata que certas agriculturas alternativas são justificadas exclusivamente por uma visão estratégica de seus proponentes, no sentido de conquistar nichos de mercado (dado o crescente prestígio dos chamados produtos ecológicos, orgânicos ou limpos), o que pode não ser suficiente para assegurar a sustentabilidade dos agroecossistemas (CAPORAL; COSTABEBER, 2004).

A Transição Agroecológica como conceito operativo

O processo de Transição Agroecológica, também referido por alguns autores como transição agroambiental15, diferentemente do que muitos otimistas supõem, é demasiadamente complexo e não ocorrerá na velocidade necessária e nos níveis requeridos sem um substancial avanço na base de conhecimentos científicos e tecnológicos. Isso é, se o problema que dá origem ao enfoque agroecológico é econômico, social e ambiental, então, não se trata simplesmente de uma questão de ambiente, de manejo correto de recursos naturais e de gestão biofísica, mas um desafio socioambiental derivado de uma intrincada e conflituosa relação entre sociedade e natureza, da qual o homem representa apenas uma parte. Resolver uma questão socioambiental exige, portanto, a produção e socialização de conhecimentos complexos, a composição de redes de especialistas com formação para além das disciplinas científicas e a constituição de estruturas de pesquisa bem equipadas. Embora detalhar esses desafios não seja objeto deste Capítulo, é preciso trabalhar para a democratização das técnicas e métodos complexos, para que se tornem simples pela sua socialização16.

Para os fins que mais interessam ao presente Capítulo e partindo-se das proposições de Gliessman (2000, p. 571-578), amplamente divulgadas na literatura brasileira, no processo de transição para agroecossistemas sustentáveis, devem ser considerados pelo menos três níveis essenciais: a) a racionalização; b) a substituição; e c) o redesenho de agroecossistemas17. No entanto, a palavra “nível” não necessariamente corresponde à palavra “fase”. Isso é, quando se mencionam os três níveis básicos do processo de conversão para a agricultura sustentável, não se está propondo o seu ordenamento hierárquico ou suas fases sequenciais, a serem executadas exatamente nessa ordem (primeiro nível, segundo nível e terceiro nível). Em certas condições ecológico-produtivas, por exemplo, pode ser mais viável ingressar no segundo nível (substituição) sem ter passado pelo primeiro (racionalização) ou iniciar a transição diretamente no terceiro nível (redesenho) sem ter passado antes pelo primeiro e segundo níveis.

Em caráter macrossocial, parece não haver dúvidas de que a agricultura terá que passar (ou já está passando em determinados ambientes) por um processo de transição, cuja essência está definida pela redução gradual do uso de alguns insumos ou fontes energéticas a fim de chegar ao uso mínimo ou até mesmo à eliminação por completo de certos insumos críticos, seja por razões de natureza econômica, seja por inspiração de ordem ambiental ou até mesmo por problemas de saúde pública. Esse processo de conversão parece estar muito mais próximo ao que Gliessman (2000) denomina como nível da racionalização, ou seja, uma etapa da conversão cuja tendência parece estar traçada a médio prazo, dado o atual reconhecimento, por parte da sociedade científica, dos impactos sociais e ambientais de natureza antrópica. Basta recordar que os cálculos da pegada ecológica não dão outras opções senão iniciar imediatamente a redução do consumo de insumos não renováveis e diminuir drasticamente as emissões de CO2, fato que inclui a agricultura como atividade econômica e social que precisa alterar suas formas de produção e de relação com a natureza. Contudo, o nível da racionalização também pode ser contemplado pelo modelo hegemônico como mero ajuste aos princípios da Revolução Verde, inclusive numa perspectiva capitalista de aumento de lucros, independentemente das proposições advindas do enfoque agroecológico.

No nível da Transição Agroecológica nomeado por Gliessman (2000) de substituição, a ênfase tem sido dada à substituição de insumos industriais, caros e agressivos ao ambiente, por insumos alternativos, às vezes mais baratos, de menor impacto ambiental e poupadores de energia não renovável. Não obstante, dado que os produtos limpos entraram na moda e começaram a ocupar um volume crescente de áreas de produção, a própria indústria agroquímica e outras já passaram a ofertar no mercado os insumos industriais biológicos ou orgânicos, ou seja, estão reciclando seus negócios de acordo com a ideia de uma economia verde. Nesse ponto, surge outro tipo de problema social e político, que não corresponde aos princípios da Agroecologia: a continuidade da subordinação dos agricultores aos fornecedores industriais e financeiros relacionados ao setor agropecuário.

Mesmo sem aprofundar o debate antes suscitado, cabe lembrar que, embora não seja necessário passar primeiro pelo nível da substituição de insumos para depois adentrar no nível de redesenho do agroecossistema (nível mais complexo, que se discutirá em seguida), muitas experiências práticas em curso mostram que é de extrema relevância a recuperação dos agroecossistemas a partir da incorporação de insumos e tecnologias poupadores de energia que gradualmente contribuam para o restabelecimento de processos ecológicos capazes de reduzir a dependência externa e estimular os sinergismos entre os elementos biofísicos que compõem o sistema. Na realidade, o nível da substituição de insumos (desde que seja por insumos não industriais) pode trazer resultados econômicos importantes, porquanto a) leva à redução do uso de inputs externos e valoriza recursos locais menos intensivos em capital e energia; b) contribui para o alcance de resultados ambientais notórios, na medida em que desconcentra o emprego de produtos poluentes e com maior impacto energético; e c) produz resultados sociais, uma vez que certas práticas e arranjos produtivos aumentam as oportunidades de trabalho. Nesse nível, o solo constitui uma das preocupações centrais, pois de sua adequada recuperação biológica e físico-química depende a obtenção de índices de produtividade física continuados através do tempo, sem que se tenha que seguir incorporando doses elevadas de fertilizantes químicos, como se faz hoje na agricultura convencional (o que remete a outro tipo de dependência, haja vista que mais de 90% do potássio usado na agricultura brasileira são importados). Igualmente, a incorporação de biodiversidade agrícola funcional e o uso de biofertilizantes enriquecidos, pós de rocha, compostos e matérias orgânicas, bioinseticidas e técnicas de controle biológico, entre outras práticas alternativas, representam formas tecnologicamente avançadas de substituir insumos, já que apresentam a potencialidade de melhorar a resiliência18 dos agroecossistemas.

É preciso salientar que, com frequência, a literatura agroecológica vem registrando uma crítica ao processo de substituição de insumos. Apesar da sua importância nas estratégias de transição para estilos de agricultura mais sustentáveis, sob a perspectiva agroecológica, a simples substituição de insumos é insuficiente para gerar processos mais duradouros em direção ao redesenho de agroecossistemas em bases sustentáveis, pois se permanece num estágio limitado a buscar redução de custos ou benefícios de mercado, ambos de curto prazo, o que compromete a sustentabilidade em seu sentido mais geral. Ademais, há um relativo consenso de que, no processo de Transição Agroecológica em agroecossistemas modernizados, necessariamente verifica-se uma redução imediata dos índices de produtividade física a partir da supressão dos insumos químicos industriais. Todavia, há que se salientar que não se pode estimular uma transição sem o adequado planejamento que, a partir dos conhecimentos e interesses das famílias, envolva estratégias, métodos e técnicas compensatórias (por exemplo, a valoração e valorização de serviços ecossistêmicos). A conversão para agroecossistemas mais sustentáveis exige que a retirada de insumos químicos promotores da produtividade física seja compensada pela incorporação de outras técnicas, insumos ou mecanismos igualmente promotores da produção e produtividade e menos agressivos ao ambiente, menos intensivos em energias não renováveis e/ou causadores de dependência econômica.

Então, a simples substituição de insumos pode não ser a solução se for aplicada com o intuito de manter monoculturas excessivamente artificializadas, pobres em biodiversidade e, portanto, muito dependentes de insumos biológicos ou ecológicos fornecidos em grande escala pelas tradicionais corporações transnacionais vinculadas ao setor agropecuário. Além disso, a substituição de insumos, enquanto nível do processo de Transição Agroecológica, não deveria ter como limite prático apenas a eliminação de alguns insumos simplesmente para uma adaptação à Lei dos Produtos Orgânicos, o que permitiria reivindicar preços mais elevados via processos de certificação. Ao contrário, a Transição Agroecológica, mesmo no nível da substituição de insumos, se justifica pelo desafio que enfrenta a sociedade contemporânea de avançar rapidamente em processos de produção que possam se perpetuar no tempo, com saúde humana e ambiental, diversidade biológica e cultural, prosperidade econômica e social e redução das emissões de gases de efeito estufa. Ou, como afirma Uphoff (2007) tomando por base suas pesquisas sobre a conversão para sistemas agroecológicos com elevada produtividade física, o nosso pensamento deve ser expandido além dos limites da química e da física do solo; ele deve abranger as relações e os fatores biológicos que estão atuando tanto no solo como acima dele.

Cabe ainda registrar, portanto, que esse nível da substituição também contempla a mudança técnica com base em manejos que conduzam a uma maior economia de recursos naturais ou à manutenção de uma maior integridade do agroecossistema. Por exemplo, antes de substituir insumos em áreas onde a sustentabilidade está comprometida pelo uso equivocado do fogo nas práticas de manejo de agroecossistemas, talvez fosse melhor começar pela eliminação das queimadas. Isso não supõe substituir insumos, mas abdicar de uma prática que compromete a sustentabilidade e adotar outra que se reconheça como promotora da agricultura sustentável. Situação similar poderia ocorrer em agroecossistemas tropicais de alta densidade de biodiversidade, em que o maior problema não está no impacto causado pelo uso de insumos, mas no próprio manejo dos recursos naturais. No caso de agroecossistemas com predominância de pecuária, a causa da insustentabilidade poderia estar no sobrepastoreio ou no mau manejo das pastagens, situações em que a solução passaria, mais uma vez, pela reconfiguração de algumas práticas agrícolas e não pela mera substituição de insumos. Esses são apenas alguns exemplos das possibilidades que poderiam integrar as opções estratégicas no nível da transição definido como substituição, o que reforça o ponto de partida de qualquer processo de transição: a observação cuidadosa das condições locais e da intensidade dos impactos socioambientais presentes em cada realidade.

A necessidade de alcançar o terceiro nível da Transição Agroecológica (redesenho de agroecossistemas) aparece como óbvia, pois hoje se reconhece que o modelo de agricultura convencional, em seu curto tempo histórico de existência, mostrou-se altamente agressivo ao ambiente, seja pela crescente diminuição da biodiversidade, em razão da implantação de grandes monoculturas, seja pela sua grande dependência a insumos químicos (sintéticos ou não), que aumentam os custos, contaminam os agroecossistemas e geram externalidades que podem afetar tanto as presentes como as futuras gerações. Portanto, se a meta é melhorar os graus de sustentabilidade, o redesenho de agroecossistemas se torna a condição fundamental. Mais uma vez, é preciso resgatar o conceito de Agroecologia como área de estudos, cujos princípios pretendem subsidiar o redesenho em função da situação concreta em que se encontra cada agroecossistema em particular, dadas as circunstâncias socioeconômicas e características biofísicas próprias.

Gliessman (2000) define o redesenho como o nível mais complexo19 da Transição Agroecológica, pois a sustentabilidade, em sentido geral, depende de que os agroecossistemas passem a funcionar como “base a um novo conjunto de processos ecológicos”. Nesse nível, se buscaria eliminar as causas dos problemas que não puderam ser resolvidos nos níveis anteriores, isso é, nos níveis da racionalização e da substituição de insumos. Talvez aqui resida o maior mal-entendido em relação à proposta de transição sugerida pelo ecólogo Gliessman: poderia parecer que ele condiciona o redesenho à passagem sequencial pelas duas fases anteriores, o que não é verdade. Poderia parecer ainda que o conceito de Transição Agroecológica, nessa perspectiva, somente tem aplicação no caso de se tratar de uma agricultura convencional consolidada, pois o citado autor elaborou seu enfoque da transição tomando como ponto de partida a agricultura industrializada norte-americana. Não obstante, deve-se enfatizar que tampouco isso confere com o conceito que está sendo defendido desde o início deste Capítulo.

Na verdade, os três níveis de transição aqui sugeridos devem ser tomados apenas como referência para guiar o processo de conversão para agroecossistemas mais sustentáveis. Contudo, como já se disse, não necessariamente é preciso seguir os três níveis como fases sequenciais. Por exemplo, a conversão de uma agricultura industrializada pode começar diretamente no nível de redesenho, sem passar pela racionalização e pela substituição de insumos. Isso dependeria da decisão do próprio agricultor, em função de sua tomada de consciência ou de suas condições objetivas em termos de domínio tecnológico para implementar as mudanças desejadas. O redesenho poderia ser inclusive o único caminho possível, no caso de o agroecossistema haver atingido um elevado grau de degradação ecológica, social e econômica, o que tornaria inviável qualquer estratégia ecológico-produtiva que considerasse a racionalização seguida da substituição para, então, alcançar o redesenho.

É importante salientar que esse esquema de transição pode ser aplicado também a uma agricultura tradicional ou camponesa que apresente problemas de insustentabilidade distintos dos de uma agricultura industrializada, mas que igualmente requeira o redesenho. Isso é, também nesse caso, o objetivo a ser alcançado é o redesenho, independentemente da passagem pelos demais níveis da transição antes mencionados. Outra possibilidade de redesenho, que não inclui a racionalização e/ou a substituição como níveis anteriores, seria a aplicação dos princípios da Agroecologia num agroecossistema que tenha sido pouco artificializado pelo homem, porém que apresente vulnerabilidade de algum tipo, seja econômica e/ou social e/ou ecológica, o que requer o redesenho para otimizar a produção e a produtividade com melhoria nos níveis de sustentabilidade.

Nesse caso de transição, o exemplo seria realizar o redesenho numa área constituída predominantemente de florestas com o propósito de melhor aproveitar a biodiversidade local e associá-la a culturas anuais e criações de animais (se for essa uma necessidade ou um desejo da comunidade participante no processo), o que resultaria em sistemas agroflorestais complexos. Em outras palavras, o conceito de Transição Agroecológica aqui defendido, baseado no esquema proposto por Gliessman (2000), é válido para diferentes situações, incluindo áreas que ainda não tenham alcançado o status de agricultura moderna ou mesmo áreas que tenham sofrido pouca ou nenhuma ação antrópica. De todo modo, se a meta é melhorar os níveis de sustentabilidade em perspectiva multidimensional e a longo prazo, o processo de Transição Agroecológica só demonstrará potência quando o redesenho permitir a constituição de um agroecossistema mais complexo, rico em biodiversidade e informação, que reconecte os sistemas culturais e biológicos e que permita uma melhor repartição dos custos e das oportunidades entre os membros da população envolvida.

Nesse sentido, como processo de mudança social, a Transição Agroecológica não se resume à perspectiva ecológico-produtiva, enfatizada até aqui, isso é, não se limita à propriedade rural onde se realiza diretamente o manejo dos recursos naturais com fins de produção agropecuária. Tomando-se por base as recentes contribuições de Sevilla Guzmán (2011), podem-se agregar outras duas perspectivas para a análise da Transição Agroecológica. A perspectiva socioeconômica e cultural diz respeito às comunidades locais e supõe a transição como um processo de construção de estratégias e formas de desenvolvimento rural mais sustentável, das quais o manejo ecológico-produtivo constitui apenas um dos aspectos observados. Não obstante, considerando que o conceito de sustentabilidade tem um caráter marcadamente multidimensional, a perspectiva socioeconômica e cultural não seria suficiente para dar conta da amplitude do processo de Transição Agroecológica. Isso nos remete à perspectiva da transformação social, que se conecta com esferas mais ampliadas das sociedades humanas e agrega às duas primeiras perspectivas um conteúdo sociopolítico com potencial para promover mudanças significativas na sociedade.

Embora reconheçamos a relevância da perspectiva socioeconômica e cultural e da perspectiva sociopolítica nas análises dos processos de Transição Agroecológica, a sua consideração mais detalhada extrapola os limites deste Capítulo, cujo objetivo está centrado na Transição Agroecológica sob a perspectiva ecológico-produtiva. Porém, há que se assinalar que o conceito de sustentabilidade, ademais da sua interpretação científica, tem também sua significação ética, representada por uma “ética da solidariedade” (RIECHMANN, 1997), que restabelece o sentido de fraternidade nas relações entre os homens e entre esses e o seu ambiente. Essa dimensão ética se faz necessária para orientar processos de desenvolvimento que se pautem pela construção de uma sociedade sustentável. Aliás, como foi bem assinalado por Heinberg (2007), o essencial da noção de sustentabilidade já estava incorporado nas tradições de povos indígenas e foi um preceito da Grande Lei da Paz que levava os chefes das Seis Nações da Confederação dos Iroquois a avaliar os possíveis impactos que teriam suas deliberações até a sétima geração futura.

Sob essa ótica, a busca da segurança e soberania alimentar em um dado país ou região poderia ser fruto de uma decisão consciente, de natureza ética, que, por sua vez, implicaria outras decisões sobre princípios, tecnologias e estratégias inerentes ao redesenho de agroecossistemas, que levassem em conta a longevidade através do tempo. Então, a dimensão ética da sustentabilidade perpassaria e, ao mesmo tempo, integraria as três perspectivas da Transição Agroecológica já referidas e desempenharia um papel de articulação entre os processos sociais e os ecológicos, seja na sociedade local ou na sociedade em geral. Ao resgatar-se o conceito de transição como processo de mudança social, também parece ficar claro que, sob o ponto de vista agroecológico, o alcance da agricultura e do desenvolvimento rural em bases sustentáveis requer avanços graduais e concomitantes nos distintos âmbitos e perspectivas, o que pressupõe uma sociedade livre, plural e democrática para a tomada de decisões inspiradas nos preceitos da dimensão ética.

Considerações finais

Neste Capítulo, abordou-se a Agroecologia como campo de conhecimento científico capaz de orientar o processo de transição de um modelo de agricultura que, de modo geral, se mostra insustentável para estilos de agricultura ambiental, econômica e socioculturalmente mais sustentáveis. Em sentido amplo, reafirmou-se o enfoque agroecológico como um contraponto ao forte impacto antrópico que vem se manifestando nos agroecossistemas nas últimas décadas. Mencionou-se ainda a importância do processo de Transição Agroecológica e enfatizou-se que o referencial científico da Agroecologia é aplicável a distintos agroecossistemas que requeiram algum grau de intervenção em busca de maiores níveis de sustentabilidade. O mais significativo dessa estratégia é dar partida ao processo de transição, independentemente do nível ou fase em que se encontrem os agroecossistemas, porém, sem perder de vista que a transição vai além da mudança técnica relacionada ao uso de insumos, práticas ou tecnologias. O redesenho implica um conjunto de mudanças que envolvem desde aspectos técnicos até as formas de organização, de produção e de consumo da sociedade.

Destacou-se também o aspecto paradigmático que dá suporte e embasa a Agroecologia para assumir um protagonismo na Transição Agroecológica e assinalou-se que, sob o ponto de vista epistemológico, ele se sustenta numa concepção distinta da dos referenciais predominantes na Ciência convencional. No arcabouço da Agroecologia, são incorporados o saber científico e o saber dos agricultores, que são frutos da coevolução social e biológica das sociedades em seus agroecossistemas em distintos contextos sócio-históricos. Procurou-se ainda situar a importância da Agroecologia como campo de conhecimentos para guiar processos de mudança pautados não apenas pela perspectiva ecológico-produtiva, mas também inspirados na perspectiva socioeconômica e cultural e na perspectiva de transformação social. Em qualquer caso, parece difícil avançar na Transição Agroecológica em sentido amplo sem que haja avanços nas atitudes e nos valores dos indivíduos e da sociedade, ancorados na dimensão ética, como reconhecimento da importância da solidariedade intra e intergerações.

Demarcou-se a Agroecologia como ciência, disciplina científica, paradigma emergente ou campo de conhecimentos orientados pelos ideais da sustentabilidade nos processos de desenvolvimento agrícola e rural. Ela se manifesta, na realidade concreta, mediante a aplicação de seus princípios e conceitos no manejo e desenho de agroecossistemas e parte do reconhecimento da diversidade e heterogeneidade social e ecológica. Assim, no atual estágio teórico, a compreensão da emergência de experiências distintas e singulares – adaptadas a cada ambiente – depende da assunção das premissas implícitas no conceito de Agroecologia enquanto campo de conhecimentos de caráter multi, pluri e transdisciplinar e multidimensional. Dito em outras palavras, essa compreensão depende de que os estilos de agricultura e as estratégias de desenvolvimento rural em bases sustentáveis, resultantes do redesenho de agroecossistemas, estejam em consonância e em perfeita sintonia com as especificidades biofísicas, circunstâncias socioeconômicas e contextos culturais e políticos de cada lugar. Evidentemente, isso se converte num processo social que requer a real participação de distintos atores sociais (agricultores, extensionistas, pesquisadores) na construção de saberes, conhecimentos, métodos, tecnologias e estratégias coerentes com o conceito de sustentabilidade.

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