Foto: Antônio Roberto Marchese de Medeiros
Loreta Brandão de Freitas
Aline Pedroso Lorenz-Lemke
João Renato Stehmann
O gênero Petunia s.l. é conhecido popularmente como petúnia-de-jardim, um híbrido artificial cultivado no mundo todo. Os maiores produtores mundiais de sementes são os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha. Essas plantas são muito utilizadas para plantio de primavera em países de clima temperado. O comércio de sementes rende milhões de dólares e as petúnias-de-jardim estão entre as plantas ornamentais anuais mais importantes mundialmente. Apesar de as duas espécies parentais desse híbrido serem nativas do Rio Grande do Sul, o Brasil importa as sementes que consome principalmente do Japão e dos Estados Unidos, e não existe, no País, um programa de melhoramento para a espécie cultivada, nem programas de preservação das espécies nativas.
Além de sua importância ornamental e econômica, a petúnia-de-jardim é muito utilizada em pesquisas científicas, principalmente na área da genética. Sua utilização nesses experimentos se deve a características como fácil cultivo em casa-de-vegetação ou in vitro, rápido crescimento e ciclo reprodutivo curto. As flores são relativamente grandes, e a produção de frutos e de sementes é abundante, não havendo problemas para a fertilização artificial. Os experimentos conduzidos que utilizam essa espécie como modelo têm permitido o entendimento de problemas bastante significativos para a área da genética vegetal, tais como os mecanismos de autoincompatibilidade, síntese de flavonoides, controle do desenvolvimento floral e dinâmica de elementos móveis no genoma (GERATS; VANDENBUSSCHE, 2005). Diversos experimentos têm sido realizados com essa planta para que se estabeleçam protocolos de transformação e cultura de tecidos, a fim de que sejam utilizados depois em outras espécies de Solanaceae, com importância medicinal ou agronômica.
O primeiro híbrido interespecífico que deu origem à petúnia-de-jardim foi obtido por um jardineiro inglês, de nome Atkins, em 1834. Foi relatado por Sweet como Nierembergia atkinsiana e redescrito e ilustrado por Hooker, em 1937, como Petunia violacea Hybrida. O cruzamento original foi realizado entre as espécies Petunia axillaris (Lam.) Britton, Sterns & Poggenb. e Petunia integrifolia (Hook.) Schinz & Thell. (muitas vezes citada sob o nome Petunia violacea Lindley, um sinônimo). O sucesso dos híbridos (comumente designados como P. hybrida Vilm.) se deveu à perda da autoincompatibilidade em algumas linhagens obtidas, que permitiu sua reprodução em casa-de-vegetação, ao contrário do que ocorre com P. integrifolia. Uma discussão sobre a história da obtenção do híbrido cultivado foi apresentada por Sink (1984).
O nome petúnia deriva da designação indígena para tabaco (petum ou betum), decorrente da semelhança entre a primeira espécie descrita (P. nyctaginiflora Juss. = P. axillaris) com espécies de Nicotiana L. A história do gênero Petunia começou em 1789, quando Lamarck descreveu uma espécie nova coletada na foz do Rio da Prata (Montevidéu, Uruguai), à qual deu o nome de Nicotiana axillaris, posteriormente reconhecida como pertencente ao gênero Petunia. Em 1803, Jussieu descreveu o gênero e duas espécies também provenientes da região da foz do Rio da Prata. Desde então, várias petúnias foram descritas e incluídas em outros gêneros relacionados, como Nierembergia Ruiz & Pav. e Fabiana Ruiz & Pav., até que, em 1846, foi publicada a revisão da família Solanaceae para Flora Brasiliensis por Sendtner, na qual os gêneros de Solanaceae foram mais bem caracterizados e delimitados. Em 1911, Fries publicou uma monografia para o gênero, em que reconheceu 27 espécies.
De lá para cá, muitas espécies novas foram descritas, a maioria para o Sul do Brasil. Na Flora ilustrada catarinense, publicada em 1966 por Smith e Downs, foram descritas nove espécies. Além do aumento do número de espécies, profundas modificações na circunscrição do gênero ocorreram nas últimas décadas. Wijsman (1982) e Wijsman et al. (1983) realizaram diversos cruzamentos interespecíficos com interesse no melhoramento e no entendimento da origem da petúnia-de-jardim. Os resultados de seus trabalhos indicaram a existência de dois grupos, os quais apresentavam, dentro de cada um, compatibilidade nos cruzamentos e características morfológicas únicas. Com base no número cromossômico distinto, na ausência de homologia cariotípica e no padrão diferente obtido na análise de isoenzimas, Wijsman e Jong (1985) separaram Petunia em dois gêneros distintos, inicialmente designados Petunia Juss. e Stimoryne Rafin. Mais tarde, para evitar que a petúnia-de-jardim fosse transferida para o gênero Stimoryne, foi sugerida e aceita a manutenção das espécies relacionadas à petúnia-de-jardim no gênero Petunia (sensu stricto), e as demais foram transferidas para o gênero Calibrachoa La Llave & Lex., que foi revalidado.
Os primeiros estudos desenvolvidos para avaliar o número cromossômico, bem como algumas características de sua morfologia, foram os publicados por Wijsman e Jong (1985). Neles os autores analisaram pouco mais de 10% das espécies do gênero, mas foram hábeis em determinar as principais diferenças entre os dois grupos de espécies: enquanto um apresentava n=7, o outro tinha n=9. Além disso, a média do comprimento dos cromossomos de Petunia s.s. era de 4 µm a 7 µm, enquanto, para as espécies de Calibrachoa, era de 2 µm a 3,5 µm. Posteriormente, as contagens realizadas no restante das espécies dos gêneros confirmaram que o número cromossômico para cada um deles era constante.
Em 1999, Stehmann revisou o gênero e aceitou a proposição de Wijsman e Jong (1985), que reconhecia a existência de 11 espécies, 10 das quais no Brasil. As características morfológicas que permitiram distinguir as espécies de Petunia daquelas de Calibrachoa foram as seguintes: a prefloração imbricada, as células da superfície da semente com paredes onduladas, o cálice geralmente profundamente fendido e o hábito herbáceo das plantas.
As espécies nativas do gênero apresentam distribuição exclusivamente sul-americana, predominantemente subtropical atlântica, e são restritas à região que fica entre os paralelos 22° e 39°S. Essas espécies habitam as províncias biogeográficas paranaense, pampiana e chaquenha, algumas ocorrem em campos associados à Floresta Ombrófila Mista (com araucária) e outras como elementos pampianos do Sul do Brasil, Uruguai e Argentina. Apenas duas espécies, P. axillaris e P. occidentalis R. E. Fr., podem ser encontradas nas serras subandinas da região ocidental chaquenha na Argentina e no sul da Bolívia, e dessas apenas a última não ocorre no Brasil.
As espécies de Petunia são geralmente herbáceas, anuais e, predominantemente, heliófilas. Habitam campos, afloramentos rochosos e capoeiras da zona de transição entre o campo e a mata. Esses indivíduos podem ser encontrados sobre os mais diferentes tipos de solo, mesmo em ambientes alterados pelo homem, como lavouras abandonadas, da mesma forma que acontece com P. integrifolia, considerada invasora por alguns autores. Muitas podem ocorrer em beiras de estrada e outras crescem até mesmo em locais sombreados (STEHMANN, 1999). Existem relatos de que a espécie cultivada, Petunia hybrida, pode tornar-se subespontânea.
O Brasil é o centro de diversidade do gênero, e a maior riqueza em espécies concentra-se na Região Sul. Apenas duas espécies possuem distribuição que pode ser considerada ampla, P. axillaris e P. integrifolia. Já a maioria das espécies é endêmica de áreas bastante restritas e algumas são consideradas ameaçadas de extinção.
Petunia axillaris é a espécie que apresenta a maior área de distribuição geográfica, e ocorre no Uruguai, na Argentina, na Bolívia e no extremo Sul do Brasil. Está presente tanto na província pampiana quanto nas serras da região subandina. Para essa espécie são propostas três subespécies, com zonas de contato e hibridação entre elas.
Petunia integrifolia também apresenta uma ampla área de distribuição, e pode ser encontrada na Argentina, no Uruguai e no Brasil, nas províncias pampiana, chaquenha e paranaense. Diferentes autores sugerem a ocorrência de diversas subespécies, relacionadas às regiões fitogeográficas específicas, as quais podem ser consideradas como espécies por outros autores.
Nas regiões mais altas do planalto sul-brasileiro são encontradas cinco espécies: P. altiplana T. Ando & Hashim., P. bonjardinensis T. Ando & Hashim., P. reitzii L. B. Sm. & Downs, P. saxicola L. B. Sm. & Downs e P. scheideana L. B. Sm. & Downs. Petunia altiplana é uma espécie característica de campos úmidos associados às matas com araucárias, e ocorre na borda oriental do planalto catarinense e no nordeste gaúcho. É a única espécie desse gênero que possui o hábito repentante (produz raízes adventícias junto aos nós). Petunia bonjardinensis é endêmica dos campos de altitude no planalto catarinense, e ocorre entre 1.200 m e 1.400 m de altitude. Essa espécie habita principalmente os campos nativos, mas pode ser encontrada em beira de estradas ou em ambientes igualmente perturbados. Petunia reitzii é endêmica de uma pequena região da borda oriental do planalto sul-brasileiro, em Santa Catarina. Ocorre nos campos associados à Floresta Ombrófila Mista, em altitudes superiores a 1.000 m. Petunia saxicola é conhecida como existente em uma única localidade, entre os municípios de Otacílio Costa e Petrolândia, no Estado de Santa Catarina. Ocorre em rochas úmidas, em locais sombreados e de solo humoso. Petunia scheideana ocorre nos estados de Santa Catarina e do Paraná, numa região denominada de segundo planalto paranaense, e ocupa uma zona de transição entre a mata e o campo.
Na Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul, além de P. integrifolia e de P. axillaris duas espécies endêmicas são encontradas: P. exserta Stehmann e P. secreta Stehmann & Semir. Petunia exserta é restrita aos afloramentos rochosos de origem sedimentar da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul, onde habita as reentrâncias rochosas sombreadas das guaritas. De flores naturalmente vermelhas, tem grande potencial para ser usada em programas de melhoramento da espécie cultivada, com a finalidade de estabilizar os híbridos dessa coloração. Petunia secreta é a espécie mais recentemente descrita do grupo, a qual é encontrada numa área muito restrita, a Pedra do Segredo, na região das Guaritas, Serra do Sudeste. Nesse local, as plantas crescem expostas ao sol e em solos pobres.
Petunia mantiqueirensis T. Ando & Hashim. é uma espécie que apresenta populações pequenas, restrita à Serra da Mantiqueira (Minas Gerais). Representa o limite setentrional do gênero no Brasil. As poucas populações conhecidas ocorrem a uma altitude superior a 1.000 m, em locais sombreados, entre o campo e a borda da floresta.
Petunia occidentalis é a única espécie do gênero que não ocorre no Brasil. Com distribuição geográfica disjunta das demais espécies melitófilas do grupo, ocorre nas serras de baixa altitude do norte da Argentina e do sul da Bolívia. É bastante relacionada ao complexo integrifolia.
Segundo compilado por Stehmann (1999), é possível reconhecer dois centros de diversidade para o gênero Petunia s.s. O primeiro deles corresponde aos campos altitudinais da borda oriental do planalto catarinense, compreendendo os campos associados à Floresta Ombrófila Mista, em altitudes que variam de 1.000 m a 1.820 m. O outro corresponde aos afloramentos rochosos areníticos da Serra do Sudeste gaúcha.
Os táxons específicos e infraespecíficos de Petunia s.s. apresentam sempre uma distribuição geográfica relacionada a uma formação fisionômica característica, porém grandes disjunções não aparecem numa mesma espécie. Três padrões de distribuição podem ser observados: a) espécies com distribuição ampla; b) espécies com distribuição restrita a uma região fisionômica, com poucas ou diversas populações conhecidas; c) espécies com distribuição restrita a uma localidade específica, com uma ou poucas populações conhecidas.
Olmstead e Palmer (1992) fizeram uma das primeiras tentativas de entender a filogenia de Solanaceae, constatando, em suas análises, que o gênero Petunia é basal em relação aos demais. Combinando essa informação com o fato de a distribuição do grupo ser exclusivamente sul-americana, Stehmann (1999) sugeriu que esse grupo deve ter surgido após o Cretáceo. Análises moleculares desenvolvidas para o gênero, com um enfoque filogenético, realizadas por Kulcheski et al. (2006), encontraram resultados compatíveis com esse período. Lamentavelmente, não existem registros fósseis para o grupo para que tais inferências possam ser avaliadas corretamente.
A história evolutiva do gênero, particularmente a das espécies com corola purpúrea, está provavelmente relacionada à história evolutiva dos grupos polinizadores, especialmente a grupos de abelhas solitárias. A especialização, ou coevolução, ocorrida entre esses grupos pode ter consistido num fator limitante à dispersão das espécies melitófilas. As disjunções geográficas observadas em algumas espécies parecem estar associadas a alterações florísticas ocorridas nos períodos glaciais e interglaciais, intensificadas durante o Pleistoceno. Uma rota migratória secundária mais recente, através do litoral dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, também pode ser sugerida, por causa do corredor criado pela restinga litorânea.
Mundialmente, dois grupos de pesquisadores estão trabalhando com o objetivo de elucidar as relações evolutivas dentro do gênero, baseados em marcadores moleculares. Um deles é o grupo japonês, que reconhece como válida uma grande quantidade de espécies (ANDO et al., 2005). O outro é o grupo brasileiro, que é mais conservador e aceita algumas sinonimizações (KULCHESKI et al., 2006). Ambos os grupos obtiveram resultados semelhantes quanto à variabilidade genética encontrada dentro dessas espécies e entre elas, a qual é bastante limitada. Dois clados podem ser identificados nas filogenias, um deles corresponde às espécies que crescem em altitudes superiores, a 1.000 m, e, o outro, àquelas que se desenvolvem em altitudes mais baixas. Os clados estão, portanto, relacionadas aos dois centros de diversidade já propostos. As relações internas a esses clados variam, entre os dois trabalhos, de acordo com os marcadores utilizados. Em ambos, porém, a baixa variabilidade genética não permite qualquer conclusão sobre as relações filogenéticas par a par. De qualquer forma, os resultados obtidos também corroboram a ideia de radiação adaptativa para esse gênero. Nos dois trabalhos, fica clara a relação evolutiva entre as espécies de Petunia s.s. e de Calibrachoa, o que indica que esses dois gêneros são grupos irmãos dentro da família.
Trabalhos visando ao esclarecimento dos processos de especiação dentro do gênero Petunia estão sendo desenvolvidos no Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em colaboração com o Departamento de Botânica da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesses casos, as comparações são feitas entre grupos de espécies, e uma abordagem filogeográfica (AVISE, 2000) tem sido empregada na análise dos resultados obtidos a partir de marcadores moleculares.
De modo geral, as espécies de Petunia apresentam baixa variabilidade genética tanto entre indivíduos de uma mesma espécie quanto entre espécies. Essa baixa variabilidade está presente em marcadores nucleares e plastidiais, e é levemente maior nestes que naqueles. Os marcadores mitocondriais, que usualmente são capazes de discriminar espécies de um mesmo gênero, não apresentam qualquer variação entre as espécies de Petunia (KULCHESKI et al., 2006).
Entre os marcadores mais utilizados em estudos populacionais de plantas, destacam-se as regiões não codificadoras do DNA plastidial, especialmente as regiões intergênicas, que toleram mutações e evoluem rapidamente sem afetar as funções dos genes adjacentes. A herança uniparental é a forma mais frequente e uma das vantagens desses marcadores para a avaliação diferencial do fluxo gênico. A análise de marcadores do cpDNA permite identificar híbridos interespecíficos não distinguíveis morfologicamente.
O complexo morfológico Petunia integrifolia compreende de uma a oito espécies, com igual confusão para as subespécies, dependendo do taxonomista consultado. As plantas variam bastante quanto a seus caracteres morfológicos, e essa variação pode ser considerada em diferentes níveis taxonômicos, em conformidade com o grau de conservadorismo do autor. Um estudo, envolvendo cinco das seis formas morfológicas encontradas nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, foi realizado a partir das sequências de dois espaçadores intergênicos plastidiais. Foram analisados, no total, 70 indivíduos coletados ao longo da distribuição desses grupos morfológicos, e três linhagens evolutivas puderam ser identificadas: uma delas apresentou perfeita correlação com marcadores morfológicos, justificando o status de espécie, enquanto as outras duas foram relacionadas a ambientes específicos, de condições aparentemente limitantes para seu desenvolvimento, não havendo variação morfológica suficiente para justificar mais que subespécies. Assim, um novo tratamento taxonômico está sendo proposto para esse grupo, de forma que as morfologias ocorrentes na região noroeste do Rio Grande do Sul sejam agrupadas sob a nomenclatura de P. inflata, e sejam reconhecidas duas subespécies para P. integrifolia: P. integrifolia subsp. integrifolia, associada a ambientes de baixa salinidade localizados na porção central e no oeste do Rio Grande do Sul; e P. integrifolia subsp. depauperata, associada a ambientes mais salinos, a dunas fósseis ou à segunda linha de dunas do litoral sul-rio-grandense ou de Santa Catarina.
A fitofisionomia da região da Serra do Sudeste, RS, é bastante heterogênea. A maior parte de sua vegetação é classificada como savana parque. A savana parque se caracteriza por apresentar um extrato herbáceo contínuo, com árvores espalhadas ou agrupadas, e por matas de galeria. Essa formação recobre relevos que variam de fortemente ondulados a montanhosos, solos pouco profundos e com afloramentos rochosos. A savana ocupa vasta distribuição geográfica no Planalto Sul-Rio-Grandense, razão pela qual faz limite com quase todos os tipos de vegetação existentes no estado. Quanto à origem dos campos encontrados nessa área, existem várias teorias discordantes, as quais podem ter como fator determinante o controle exercido pelo solo e a ocorrência de clima geral propício ao desenvolvimento de florestas subtropicais.
Com a colonização humana, a partir de 1800 houve uma intensa alteração da composição vegetal da região, em virtude do pastoreio e da implantação de cultivos agrícolas, e não há registro de áreas com vegetação original. Essa região abriga um número considerável de plantas endêmicas, muitas das quais são de distribuição bastante restrita. Das 104 espécies endêmicas do Rio Grande do Sul, aproximadamente 30 ocorrem na Serra do Sudeste, e, dessas, 10 são exclusivas da região.
Pode-se destacar, nessa região, a ocorrência de duas espécies do gênero Petunia, P. exserta e P. secreta. Juntamente com P. axillaris, essas espécies compartilham uma série de características morfológicas, tais como: o tubo da corola longo e hipocrateriforme, hábito ereto ou ascendente, pólen amarelo, folhas basais e apicais com tamanhos e formas diferentes (heterofilia), pedúnculos frutíferos eretos com cápsulas grandes (mais de 9 mm de comprimento) e sementes pequenas (com menos de 0,5 mm de comprimento). Populações de P. exserta são encontradas somente em locais onde o gado não consegue alcançar, o que representa uma superfície muito pequena e onde poucos indivíduos podem habitar. Entre as espécies ocorrentes na formação Guaritas, P. exserta requer uma atenção especial, uma vez que apresenta as maiores exigências de hábitat, em virtude da necessidade de sombreamento e também pelo fato de já ter sido observada a redução do número de indivíduos, e até mesmo a extinção local de populações por causa do pisoteio e/ou da predação.
Foi desenvolvido um estudo que inclui essas três espécies, cuja finalidade era contribuir para o estabelecimento de programas de proteção à região e às espécies que se encontram em perigo de extinção. Nesse estudo, três marcadores plastidiais foram analisados, e extensivas buscas às plantas foram empenhadas. Petunia secreta foi encontrada em uma única localidade, a Pedra do Segredo, em uma população com pequeno número de indivíduos. A análise dos marcadores plastidiais revelou a existência de um único padrão genético nessas sequências. Já na comparação das quatro populações encontradas de P. exserta foi verificado um padrão de introgressão gênica decorrente da hibridação com indivíduos de P. axillaris, que está homogeneizando as características genéticas das duas espécies nessa região. Quanto à morfologia, foram encontrados indivíduos claramente híbridos e outros com a morfologia típica de cada espécie. Entre os indivíduos caracteristicamente pertencentes a P. exserta, as sequências do DNA plastidial foram compartilhadas com os indivíduos de P. axillaris. Esse estudo sugere o estabelecimento de um programa de preservação dessas espécies, uma vez que as populações apresentam baixa densidade, e a variabilidade genética é muito limitada. As alterações ambientais ocorridas na região propiciaram o contato entre P. axillaris e P. exserta, o que representa uma ameaça para esta última pela possibilidade de perda de sua identidade genética por meio dos cruzamentos recorrentes. Como mencionado anteriormente, P. exserta tem grande potencial para ser incluída em programas de melhoramento, uma vez que possui flores naturalmente vermelhas.
Entre as espécies melitófilas do gênero Petunia, seis possuem distribuição geográfica restrita aos campos altitudinais associados à floresta com araucária das regiões Sul e Sudeste do Brasil.
As flores das petúnias melitófilas são zigomorfas, possuem tubo da corola infundibuliforme ou campanulado, anteras inclusas próximas à fauce, estigma próximo das anteras, pólen violáceo e antese diurna. Não exalam odores perceptíveis ao olfato humano e produzem pequenas quantidades de néctar. Além disso, apresentam alguns padrões visuais que ajudam as abelhas visitantes na localização dos recursos florais, como nervuras longitudinais ou venação fortemente reticulada na fauce e coloração mais escura nessa região em comparação àquela do interior do tubo.
Petunia altiplana e P. bonjardinensis ocorrem em áreas abertas e expostas diretamente ao sol, ocupam locais alterados com solo desnudo, como barrancos de beira de estradas, e podem ser consideradas espécies pioneiras e colonizadoras. Apesar de ocuparem o mesmo hábitat, essas espécies apresentam distribuições geográficas distintas. P. altiplana pode ser encontrada no planalto nordeste do Rio Grande do Sul e no leste do Estado de Santa Catarina; enquanto P. bonjardinensis é endêmica de uma pequena região do planalto catarinense, nos arredores do Município de Bom Jardim da Serra.
Ainda no planalto catarinense, P. reitzii pode ser encontrada em uma pequena região de campos associados à floresta com araucária, no Município de Bom Retiro. Próximo a essa região, encontra-se a única população de P. saxicola conhecida até o momento (entre os municípios de Otacílio Costa e Petrolina), a qual, com certeza, é a mais rara entre as seis espécies. Essa espécie possui um hábitat bem diferente daquele das demais, e os seus indivíduos podem ser encontrados sobre rochas úmidas, em locais parcialmente sombreados.
As populações de P. scheideana são encontradas na zona ecotonal, entre campo e floresta, no planalto norte de Santa Catarina e no sul do Paraná. A descrição original de P. scheideana é bastante incompleta e foi baseada apenas na análise de uma amostra coletada no nordeste de Santa Catarina. Nesse trabalho, a grande variabilidade no indumento e no comprimento dos ramos e do pedúnculo floral não foi descrita. Diferenças nessas características provavelmente estão relacionadas à plasticidade fenotípica, determinada pelo nível de sombreamento do local. As populações encontradas próximo do Município de Guarapuava, PR, foram descritas como P. guarapuavensis T. Ando & Hashim. Como as características morfológicas que diferenciam P. scheideana de P. guarapuavensis são vegetativas e altamente sujeitas às condições ambientais, esses nomes são considerados sinônimos dada a falta de caracteres florais para distingui-las.
Petunia mantiqueirensis tem sua ocorrência restrita ao sul de Minas Gerais, na região da Serra da Mantiqueira, onde habita locais parcialmente sombreados entre o campo e a borda da floresta com araucária. Sua morfologia floral é única no gênero e se caracteriza por um tubo da corola longo e estreito, com coloração magenta. É a espécie que apresenta as plantas mais altas, com até 4 m, desde as raízes.
As seis espécies citadas anteriormente são alopátricas, possivelmente resultantes de um processo de diferenciação morfológica ocorrido após o isolamento geográfico. A dinâmica das formações vegetais em que essas espécies ocorrem foi altamente modificada pelas alterações paleoclimáticas ocorridas no Quaternário. É possível que o processo de diversificação do grupo esteja relacionado com esses acontecimentos, os quais provavelmente influenciaram os padrões de fluxo gênico e possibilitaram o surgimento de novidades evolutivas.
Para avaliar a dinâmica evolutiva da diversificação desse grupo, foi desenvolvido um estudo que analisa as sequências de dois espaçadores intergênicos plastidiais de cerca de 300 indivíduos, coletados em 50 localidades ao longo da distribuição das seis espécies. A maioria das sequências foi exclusiva de uma espécie, e quatro foram compartilhadas por mais de uma espécie. P. mantiqueirensis, P. reitzii e P. saxicola, com distribuição mais restrita, apresentaram os menores índices de diversidade genética. Nas espécies P. altiplana e P. scheideana, a diversidade genética está estruturada geograficamente. Nas seis espécies, a variabilidade interpopulacional é maior que a diversidade entre elas. A análise de diversos parâmetros demográficos e a estruturação da variabilidade das seis espécies são concordantes com a hipótese de diversificação e de expansão populacional recente. Possivelmente, esse padrão está relacionado com as mudanças climáticas ocorridas no Quaternário, já que o hábitat dessas espécies (ilhas de campos cercadas por floresta de araucária) foi fortemente afetado por essas alterações. Durante o último estágio glacial pleistocênico, as áreas de campo tiveram seus limites expandidos para o norte. Posteriormente, a melhoria climática do início do Holoceno favoreceu a expansão da floresta com araucária, e os campos ficaram isolados nas áreas de maior altitude do planalto. Atualmente, o avançado desmatamento das florestas dessas regiões é um processo crítico para a manutenção do isolamento genético entre essas espécies de Petunia.
Há, atualmente, cinco classificações para as variedades de petúnias: grandiflora simples, grandiflora dupla, multiflora simples, multiflora dupla e floribunda. Trata-se esta última de um cruzamento entre as multifloras simples e as grandifloras simples, que combina as grandes flores da segunda com o hábito de crescimento robusto da primeira. A propagação é, em geral, por sementes, porém alguns híbridos são propagados comercialmente por estaquia. No mercado nacional, são oferecidas seis variedades, todas elas importadas, quais sejam: Polo, Hurrah, Flash, Bravo, Kahuma e Trailblazer. Essas variedades se diferenciam pelo tamanho das flores e pela coloração da corola. Um número maior de variedades pode ser encontrado nos Estados Unidos, que, embora percam para o Japão o lugar de principal produtor mundial, ganham em número de variedades comercializadas, a saber: Avalanche Lavender, Avalanche Lilac, Blue Ice, Blue Wave, Dreams Salmon, Dream Pink, Eagle Pastel Pink, Eagle Pink, Fantasy Crystal, Fantasy Pink, Fantasy Carmine, Fantasy Pink Morn, Fantasy Red, Happy Dream, Hurrah White, Hurrah Rose, Oramatica Pink Hot, Surfina Sky Blue, Symphony Pink, Tidal Wave Silver, Ultra Scarlet, Wave Misty Lake, Wave Misty Lilac, Wave Pink, Wave Purple, Wave Rose, entre outras.
Em cultivo, as principais pragas que atacam a petúnia-de-jardim são os tripes, os ácaros, a mosca-branca e alguns outros hemípteros. Já as principais doenças são causadas por fungos filamentosos, que induzem a murcha ou a podridão. Algumas bactérias fitopatogênicas podem, eventualmente, atacar essas plantas, especialmente quando cultivadas em associação com outras espécies.
O melhoramento genético da espécie cultivada tem sido realizado em larga escala, especialmente nos países produtores de sementes. A Inglaterra é um dos principais polos de melhoramento, bem como o país responsável pelo lançamento de muitas variedades. O melhoramento é baseado principalmente em cruzamentos entre variedades e depende, em grande parte, da produção de sementes, o que, muitas vezes, retarda, ou mesmo dificulta, a produção de novas formas. Alguns híbridos F1, que apresentam características desejáveis, mas formam poucas sementes, podem ser propagados vegetativamente. Como as pragas e as doenças que atacam as petúnias-de-jardim são facilmente controladas com a aplicação de tratamentos químicos, e, geralmente, as plantas são cultivadas em vasos ou floreiras, o que facilita o tratamento e o isolamento dos indivíduos infestados, o melhoramento genético tem por objetivo gerar novas variedades com cores diferentes e aumentar o número de flores. Existe a intenção de tornar as plantas mais duráveis ou mesmo perenes, mas o fato de essas características não serem encontradas em espécies silvestres do grupo é ainda um impedimento para que isso aconteça.
Existe um grande potencial para o melhoramento da espécie cultivada, quando se utilizam as espécies nativas do gênero Petunia como fontes de variabilidade genética e de caracteres agronomicamente desejáveis. A necessidade do estabelecimento de programas de proteção às espécies silvestres é premente e pode garantir a manutenção desse vasto patrimônio genético. Investir esforços e recursos financeiros no estudo e na manutenção dessas espécies, bem como direcionar e estabelecer programas de melhoramento que visem à produção autônoma de sementes e de matrizes, uma vez que o País é detentor das tecnologias e das fontes biológicas para tanto, pode contribuir para o crescimento econômico do Brasil.
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