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Foto: Rosa Lía Barbieri

O início

José Eduardo Figueiredo Dornelles

A biografia da Terra e os 4,5 bilhões de anos de contínuas modificações geológicas internas e externas pelas quais o planeta passou e vem passando nos fazem compreender a analogia de que, segundo a teoria de Gaia, a Terra é uma espécie de “ser vivo”, dotada de biografia, complexa de se testar em tempo recente (aquele palpável pela perspectiva da espécie humana), mas eternizada no livro das rochas e interpretada somente em tempo profundo. O conceito de tempo profundo talvez tenha surgido da necessidade constante do homem de estabelecer uma idade para a Terra. A crescente complexidade das ciências geológicas forçou constantes mudanças na referência da idade de nosso planeta desde alguns milhares de anos até os atuais e inimagináveis 4,5 bilhões de anos.

O estudo do tempo geológico nasceu da busca pela compreensão da idade das várias camadas de rochas encontradas na Terra. A partir da constatação básica de que existiam rochas mais jovens e rochas mais antigas, desenvolveu-se uma série de áreas do conhecimento geológico, como a estratigrafia (área da geologia que estuda as sequências de camadas de rochas, com o objetivo de definir os processos e eventos que a determinaram) e a paleontologia (do grego palaios = antigo + logos = estudo), que é ciência que estuda os fósseis ou restos e vestígios de organismos mineralizados que existiram ao longo do registro geológico da Terra.

A formação do planeta Terra: entendendo sua origem e constituição

De acordo com muitos autores, a formação do Universo teve seu início há aproximadamente 13 bilhões de anos e está ainda em expansão. O Sol, como parte desse Universo, tem papel muito importante na formação da Terra. Isso se dá pelo fato de que infinitas nebulosas gasosas, que comprovadamente se condensam na órbita do Sol, dão origem a novos planetas.

Existe uma hipótese de que pequenos planetas com escala semelhante à da Terra, ainda incandescentes, poderiam assumir um comportamento, no qual deveriam colidir com planetas menores e incorporá-los à sua massa, tornando-se gradativamente maiores. Sustenta-se a ideia de que, nos intermitentes choques de meteoritos e agregações de novos pequenos planetas à sua massa, cada vez maior, a Terra possivelmente convertia a energia de tais eventos na forma de calor. Sendo assim, centenas de graus promoviam a fusão superficial dos materiais e a manutenção de um verdadeiro oceano de rocha fundida, uma espécie de “oceano magmático”. Tal conspícuo oceano daria à Terra um aspecto de esfera incandescente, se fosse vista do espaço nesse período.

Por volta de 4,3 bilhões de anos, a Terra iniciou um processo de resfriamento por meio do desprendimento de gases e vapores. Dos vapores ocorrentes, havia um, considerado importante para todas as atuais formas de vida da Terra: o vapor de água. Presume-se que, por sua baixa densidade, o vapor de água elevava-se e, à medida que se afastava da superfície magmática, perdia calor e se transformava em água líquida, precipitando-se em forma de chuva. Embora os continentes ainda não existissem (pelo menos no modo como os visualizamos hoje), o intermitente processo de precipitações promoveu não somente um contínuo resfriamento da camada magmática na superfície, mas também o acúmulo de grande quantidade de água. Sob essa interpretação, nosso planeta talvez tenha formado, ao longo desse processo, uma lâmina de recobrimento aquoso com profundidade média de 4 mil metros. É possível que o resfriamento constante do planeta tenha dado origem a grandes extensões de rochas basálticas. Além disso, a presença rara de rochas graníticas (até o momento, a existência de granito só é confirmada na Terra) sugere que essas camadas basálticas tenham sido submetidas a uma nova fusão, ocorrida em grandes profundidades. Estima-se que essa profundidade tenha atingido dezenas de quilômetros abaixo da superfície incandescente em resfriamento, e que a água acumulada desse resfriamento tenha se incorporado às massas basálticas em reinclusão, dando origem ao granito. Em outras palavras, o granito é tipicamente uma rocha terrestre e não teria se formado sem a presença da água.

Uma pergunta que se torna pertinente no momento é: que fenômeno explicaria a condução das camadas basálticas superficiais, mais a água acumulada a dezenas de quilômetros abaixo da crosta terrestre? Sabe-se que o granito, assim formado, exibe densidade menor que o basalto e, dessa forma, veio a emergir até a superfície para, finalmente, dar início à origem das massas continentais que, como hoje, encontrar-se-iam cercadas pelo então recém-acumulado oceano primitivo. Constata-se que, já por volta dos 4 bilhões de anos, fenômenos de tectônica de placas, que serão definidos mais adiante neste capítulo, atuavam consumindo e gerando novos tipos de rochas: surgem, então, os continentes.

Origem e mudanças dos seres vivos ao longo das eras geológicas: a compreensão do tempo profundo

As eras geológicas constituem uma forma organizada e convencional, criada pela geologia, para que se possa entender a vertiginosa sucessão de rochas, por meio da combinação espaço versus tempo. Os eventos geológicos, responsáveis por essas sucessões, são fenômenos naturais de nosso planeta. É possível entendê-los e interpretá-los graças às pistas deixadas sob a forma de registros. Os registros mais importantes são aqueles relacionados a formas de vida, as quais, ao longo do passado geológico, pertenceram à biocenose (conjunto de seres vivos de um ecossistema) e, hoje, encontram-se inseridas e acumuladas nas rochas, fazendo parte da orictocenose (associações de fósseis). Nesse sentido, podemos entender o surgimento e a transformação sucessiva da vida em nosso planeta, por meio de seus registros, os quais podemos chamar, analogamente, de “o livro das rochas”. Entender o livro das rochas é uma tarefa fantástica, pois, a cada letra, palavra, linha, parágrafo e capítulos dessa enigmática obra, desdobram-se não somente segundos, minutos e algumas horas, claramente dimensionáveis para a vida humana, mas inimagináveis milhões de anos. Dessa forma, encontrar, classificar e correlacionar a vida passada de nosso planeta torna-se uma tarefa difícil. Em outras palavras, não somos uma espécie adaptada para perceber registros em uma escala de tempo muitas vezes superior àquela própria da história da humanidade. Esse é o desafio do “tempo profundo”, termo usado por Charles Lyell em seu livro Principles of Geology e classificado como imensurável e incompreensível para o universo visível ao ser humano (LYELL; SECORD, 1842). A geologia faz referência ao tempo profundo quando busca exemplificar intervalos de tempo inimagináveis, ao longo dos quais os eventos geológicos menos perceptíveis têm a capacidade de alterar significativamente um continente inteiro.

Quando os primeiros fósseis (do grego fossilis = extraído da terra) foram encontrados, as interpretações dadas a eles orbitavam dentro de uma concepção dogmática, calculada pelo bispado da Igreja Anglicana, o qual se baseava no Velho Testamento, que postulava uma Terra com 6 mil anos de idade. Tomava-se como referência uma escala de tempo baseada na genealogia das tribos de Israel. Faltava, até o momento, a visão de um tempo quase que infinitamente profundo para a percepção dos sentidos humanos.

A imensa quantidade de registros encontrados nos vários tipos de rochas, principalmente naquelas consideradas fossilíferas, manifesta as evidências necessárias para que possamos compreender que não somente a Terra, mas também os seres vivos que nela habitam surgiram e vêm constantemente se modificando, gerando, com isso, um sucessivo, complexo e contínuo registro geológico da vida. Os fósseis nos mostram que os fenômenos do passado geológico, responsáveis pelo seu surgimento e constante modificação, continuam agindo hoje da mesma forma. Por meio do acúmulo de milhões de anos de diversidade biológica (melhor dizendo, de paleodiversidade), foi possível entender as constantes e lentas modificações por que passaram muitas linhagens de organismos, originando continuamente novas espécies.

A história geológica da vida e seus eventos mais importantes

O período Pré-Cambriano se estendeu desde o início da Terra (4,5 bilhões de anos) até aproximadamente 570 milhões de anos atrás. Ao longo desse intervalo de tempo, a vida nos oceanos primitivos se modificou, e os seres pouco complexos, microscópicos e pelágicos (que flutuavam pela subsuperfície oceânica) se tornaram os primeiros indivíduos mais complexos, que hoje conhecemos como vermes. Ao longo do período Pré-Cambriano, ficaram registrados os eventos mais importantes da história de nosso planeta: a) os registros mais antigos dos movimentos das placas tectônicas; b) o início da vida na Terra, com o aparecimento das primeiras células eucarióticas; c) a formação da atmosfera tal qual a conhecemos; d) o registro dos animais e vegetais mais primitivos.

O período Cambriano está compreendido entre 542 milhões e 488,3 milhões de anos atrás, aproximadamente. Divide-se em Cambriano Médio e Superior. Ao longo desse período, está registrada a maior paleodiversidade de todos os períodos, até o momento. Esse evento é bem conhecido na paleontologia como “explosão cambriana”, em virtude do tempo relativamente rápido com que essa paleodiversidade de espécies surge. O Cambriano é um importante período para o entendimento da história da vida na Terra, pois, para a zoologia atual, serve como o período de tempo em que a maioria dos grupos principais de animais apareceram pela primeira vez na escala zoológica, ou seja, no registro fóssil. Os grupos zoológicos, encontrados nas camadas desse período, mostraram uma rica diversificação: anelídeos, artrópodes, braquiópodes, equinodermos, moluscos, onychophorídeos, esponjas e priapulídeos. Ao longo do Cambriano Superior, surgem os primeiros registros de braquiópodes, trilobitas e equinodermos. Registra-se para esse período uma tendência de diversificação das algas.

O período Ordoviciano está compreendido entre 488,3 milhões e 443,7 milhões de anos atrás, aproximadamente. Invertebrados marinhos diversos (trilobitas e braquiópodes) são os grupos mais abundantes nas rochas desse período. A paleogeografia era definida pelo Hemisfério Norte quase que inteiramente submerso pelo oceano. As massas continentais concentravam-se ao sul sob a forma do supercontinente do Gondwana. Seus sedimentos marinhos mostraram conter fósseis importantes de peixes primitivos, cefalópodes, corais, crinoides e gastrópodes. Descobertas relativamente recentes de esporos preservados de plantas, similares àqueles de atuais plantas primitivas terrestres, sugerem aos paleontólogos que elas teriam conquistado a Terra nesse período. Suas principais novidades estruturais, que viabilizaram sua expansão terrestre, foram o aparecimento de raízes, estruturas cuticulares e esporos resistentes ao ressecamento ambiental.

As extinções em massa registradas ao longo do Ordoviciano Superior foram uma consequência do posicionamento do Gondwana no Polo Sul. Geleiras maciças tomaram forma, o que, segundo os registros fossilíferos, causou provavelmente a extinção de muitos gêneros conhecidos. No caso dos invertebrados marinhos, cerca de 25% de todas as famílias foram extintas.

O período Siluriano está compreendido entre 443,7 milhões e 416 milhões de anos atrás, aproximadamente. Durante o Siluriano, surgem as primeiras plantas terrestres dotadas de traqueídeos e estômatos. Esse período foi especialmente importante para os vertebrados, até então agnatos (sem mandíbula), pois marcou o registro dos primeiros gnatostomados (seres dotados de mandíbula), por intermédio da descoberta de peixes mandibulados.

O período Devoniano está compreendido entre 416 milhões e 359,2 milhões de anos atrás, aproximadamente. Em suas rochas, encontram-se os primeiros registros de anfíbios, plantas licopsídeas e as pró-gimnospermas.

O período Carbonífero está compreendido entre 359,2 milhões e 299 milhões de anos atrás. Esse período proporcionou condições ideais para a formação de carvão, além de ter sido especialmente importante para a história evolutiva dos vertebrados. Foi nele que surgiu o ovo amniótico. Esse tipo de ovo, que surgiu inicialmente nos répteis e depois nos antepassados dos pássaros e mamíferos primitivos (aplacentários), revolucionou a forma de reprodução entre os vertebrados anamnióticos (peixes e anfíbios), que, até então, dependiam da umidade ambiental (para evitar o ressecamento do embrião) para o desenvolvimento de seus ovos. Tal ovo permitiu, de certa forma, a ocupação de novos nichos ecológicos, longe dos cursos d’água, continente adentro. Importantes achados de anfíbios labirintodontes marcam a forte expansão desse grupo nesse período. O ovo amniótico promoveu a dispersão territorial dos répteis. Suas formas mais basais, como os cotilossauros (répteis-tronco), foram identificadas nesse período.

O registro de temperaturas suaves durante o Carbonífero promoveu o declínio das licófitas e de alguns grupos de insetos gigantes. Além disso, auxiliou na expansão de grandes florestas de plantas vasculares, como os licopsídeos, os esfenopsídeos e as samambaias. Surgem nesse período os primeiros insetos alados. O Carbonífero é dividido em Pensilvaniano (Car­bonífero Superior), identificado pelas grandes jazidas de carvão, e em Mississipiano (Carbonífero Inferior), marcado por camadas de fósseis marinhos (corais, conodontes, crinoides e briozoários).

O período Permiano é delimitado entre 280 e 245 milhões de anos. Mudanças climáticas globais, como aridez crescente, contrastam radicalmente com as feições paleoclimáticas caracteristicamente úmidas vistas no período Carbonífero. A paleodiversidade faunística e florística (marcada pela diversificação das gimnospermas) é bem menos exuberante do que aquela vista ao longo de todo o Carbonífero. A grande explosão de diversidade observada nos anfíbios do Carbonífero é marcada por um relativo declínio ao longo do Permiano. Ademais, os répteis têm sua supremacia marcadamente ascendente nesse período, até aproximadamente o final do Mesozoico. Grandes extinções ao final do Permiano marcam o registro do desaparecimento de vários grupos de invertebrados e vertebrados, que haviam dominado durante todo o Paleozoico.

O período Triássico está compreendido entre 251 milhões e 199,6 milhões de anos atrás, aproximadamente. Florestas de gimnospermas e samambaias gigantes são relativamente abundantes nas formações triássicas de todo o mundo. Licopsídeos, equisetales, cicadales, coniferales, gingkgoales e cicadeoidales têm registros importantes ao longo desse período. Uma das características mais importantes do Triássico é que nele surge um grupo importante de vertebrados denominados de sinápsidos. Esses estão relacionados diretamente com as linhagens que deram origem aos mamíferos atuais. Durante o Triássico, estão registrados, em seus sedimentos, os dinossauros mais antigos, denominados de prossaurópodos. Esse período é conhecido pela configuração dos continentes na forma do supercontinente de Pangea. Surgem também árvores de grande porte, como as coníferas. O período Triássico finalizou com a extinção de algumas linhagens de vertebrados, como os dicinodontes. Presume-se que essas extinções tenham resultado de fortes mudanças climáticas que submeteram os paleoambientes a climas peridesérticos.

O período Jurássico está compreendido entre 199 e 145 milhões de anos atrás. Foi caracterizado por uma fauna bastante variada. Os crustáceos e os amonitas são os fósseis que diagnosticam esse período, em termos de abundância e paleodiversidade. É um período importante para o estudo da evolução das aves, já que, na China, seus sedimentos ocultam importantes achados de dinossauros aviformes (com penas). Praticamente todos os grupos de peixes modernos já estavam presentes, bem como os anfíbios modernos (lissamphibia) e os pequenos mamíferos marsupiais. As formações jurássicas no Brasil são muito pouco preservadas, em virtude dos ambientes antigos de sedimentação terem sido desfavoráveis. A consequência disso é que, no Brasil, o registro fóssil dessa idade não é tão abundante. A paleoflora e os padrões climáticos bem estabelecidos marcavam registros de gingkos, pinheiros e outras espécies de coníferas. Embora predominassem as gimnospermas, os estudos palinológicos já registravam pólens de angiospermas. Um processo crescente de separação dos blocos continentais tratou de fragmentar o Pangea. Esse padrão tectônico durou aproximadamente 100 milhões de anos, estendendo-se por todo o período Jurássico e atingindo o período Cretáceo.

O período Cretáceo está compreendido entre 145,5 milhões e 65,5 milhões de anos atrás, aproximadamente. Para a botânica, esse período tem singular importância evolutiva, já que nele surgem as primeiras plantas com frutos – as angiospermas –, as quais deram origem a várias famílias que hoje representam muitas plantas modernas. O aparecimento e a diversificação das angiospermas estimularam o surgimento e a diversificação de muitos grupos atuais de insetos, como as formigas e as borboletas.

Os moluscos cefalópodes (que constituem o grupo dos atuais polvos e lulas), os moluscos bivalves (representados atualmente pelos mariscos e mexilhões), as esponjas marinhas e os equinoides (representados atualmente pelos ouriços-do-mar, bolachas e estrelas-do-mar) são abundantes nos sedimentos cretáceos. As formações cretáceas de corais eram homólogas às espécies atuais. Os moluscos gastrópodes (lesmas e caracóis) têm seus primeiros registros nesse período. Quanto aos registros de peixes, observa-se uma constante diversificação em direção ao fim desse período, fato esse corroborado pelo surgimento e derivação de muitos grupos de tubarões e peixes ósseos modernos. Os anfíbios são representados por meio de grupos de rãs e salamandras que se originaram de linhagens primitivas de anfíbios labirintodontes.

Os Testudinata (tartarugas, cágados e jabutis) eram muito semelhantes às formas atuais. No entanto, algumas formas marinhas eram gigantescas, como Archelon, com 3 m de diâmetro. Os Squamata (lagartos e serpentes modernos) surgem nesse período, e deles derivaram uma linhagem de lagartos aquáticos marinhos de grande porte, como os plesiossauros. As condições climáticas tropicais nos continentes possibilitaram o desenvolvimento de ecossistemas ideais para muitas famílias de crocodilídeos de água doce. Contrariamente, as formas marinhas de crocodilos entraram em forte declínio e desapareceram juntamente com linhagens de grandes lagartos marinhos. Os arcossauromorfos (dinossauros, pterossauros e aves) encontravam-se em franca diversificação, de forma que, dessas linhagens, apenas as aves deixaram representantes atuais.

O fim do período Cretáceo foi marcado por uma das maiores e mais fantásticas extinções em massa. O assim denominado “evento ou intervalo K-T” foi diagnosticado por meio de uma teoria catastrófica. Evidências geológicas marcadas por níveis anormais de irídio apontam para a possibilidade da queda de um grande meteorito na região, onde hoje se encontra a Península de Yucatán, no México. Tal evento teria suspendido quantidades colossais de sedimentos (poeira) na atmosfera. Essa poeira teria coberto a Terra, evitando a passagem dos raios solares: fato que acarretaria um crescente resfriamento da superfície do planeta. Presume-se que isso teria sido capaz de levar nosso planeta a uma espécie de Era Glacial forçada. Logo, os organismos produtores foram impedidos de realizar seus processos fotossintéticos, entrando em um forte declínio, o que, consequentemente, causou a extinção de muitas linhagens. Logicamente, a inevitável quebra do equilíbrio das relações tróficas entre os produtores e consumidores, em face da insuficiente incidência solar, promoveu a extinção de, aproximadamente, metade de todas as linhagens animais (entre elas os dinossauros, os grandes lagartos marinhos, várias linhagens de pássaros arcaicos, os amonitas e a maioria dos cefalópodes belemnites, moluscos e muitos microrganismos). Em meio a todas essas adversidades ambientais de dimensões catastróficas, os mamíferos primitivos (marsupiais e monotremados), de alguma forma, sobreviveram e viabilizaram a diversificação e a ma­nutenção de todas as linhagens atuais de mamíferos placentários.

A Era Cenozoica iniciou há cerca de 65,5 milhões de anos e se estende até a presente época (Holoceno). O nome “cenozoico” provém de duas palavras gregas que significavam “vida recente”. Essa era divide-se em dois períodos principais: o Terciário e o Quaternário. O mais antigo (o Terciário) subdivide-se nos períodos Paleógeno (com início há 65 milhões de anos e término há 24 milhões de anos) e Neógeno (com início há 24 milhões de anos e término há 1,8 milhão de anos). Já o Quaternário subdivide-se nas épocas Pleistoceno (com início há 1,8 milhão de anos e término há 11 mil anos) e Holoceno ou recente, com data inferior a 11 mil anos. O período Paleógeno subdivide-se em três épocas: Paleoceno, Eoceno e Oligoceno. O período Neógeno subdivide-se em Mioceno e Plioceno. A Era Cenozoica foi marcada pelo aparecimento de 28 ordens de mamíferos, das quais 16 ainda fazem parte da atual classe Mammalia. Ao longo do Pleistoceno, registros importantes de consideráveis eventos glaciais, principalmente no Hemisfério Norte (evidências de atividades de glaciação de magnitudes menores também foram observadas no Hemisfério Sul), deram a esse período a denominação popular de “Era do Gelo”. Com relação à evolução humana, os registros mais antigos do gênero Homo datam de sedimentos do Pleistoceno (cerca de 450 mil anos). Além de fósseis humanos, esse período contempla achados importantíssimos de fabulosos mamíferos. Entre os achados mais comuns, figuravam os mastodontes e mamutes, ancestrais gigantes das preguiças (megatérios), tatus gigantes (gliptodontes), felinos como os tigres-dentes-de-sabre (Smilodon) e os toxodontes, grandes mamíferos notoungulados com hábitos semelhantes aos dos atuais hipopótamos. A ocupação de novos hábitats marcou não só o predomínio, mas também a radiação adaptativa das angiospermas.

A teoria de Wegener: estariam os continentes à deriva?

Essa pergunta, aparentemente simples, tem um enorme significado na história do homem. As primeiras civilizações que obtiveram o domínio tecnológico das ciências cartográficas provavelmente tiveram a sensibilidade de perceber que, de certa forma, o contorno dos continentes era contíguo, ou seja, tinha tudo para se encaixar perfeitamente, como se fosse um enorme quebra-cabeça mundial. Antônio Pellegrini, um pesquisador do século 19, em suas investigações, postulou empiricamente que os continentes teriam sido interligados em um passado geológico, separando-se a posteriori.

Notável foi o trabalho do cientista alemão Alfred Lothar Wegener, que, em 1912, retomou as hipóteses de Pellegrini, aprofundando-se nessa ideia ao basear seu modelo de deriva continental em fundamentos geofísicos e não somente no empirismo visual do contorno contíguo dos blocos continentais. Ao final dos anos de 1950, a teoria da tectônica global ganha corpo a partir de estudos feitos no assoalho rochoso do Oceano Pacífico. A descoberta de anomalias magnéticas, relacionadas a atividades de extrusão de lavas vulcânicas submarinas, trouxe subsídios fundamentais para corroborar a hipótese de que o assoalho oceânico expandia-se, em virtude de fenômenos de convecção ocorrentes nas camadas do manto. Os níveis mais inferiores do manto terrestre teriam uma temperatura bem mais elevada. Isso acarretaria um processo ascensional a partir da área de maior temperatura. Esse fluxo ascensional de lava ocorreria pela própria característica física que a torna menos densa. O material ascendente, ao atingir os níveis mais superiores (posicionados logo abaixo da crosta), logicamente se resfriaria e, ao tornar-se mais denso, assumiria um sentido descendente, como um ciclo clássico de correntes de convecção. O fluxo magmático descendente seria, em tese, reconsumido (ou reaquecido), tornando novamente a ascender, retroalimentando o sistema de convecção. O somatório dessas forças colossais seria capaz de afastar placas oceânicas e continentais a partir da ação sob suas bases, ou fazer com que placas se chocassem. Fundamentalmente, esse processo, como um todo, afastaria ou aproximaria continentes inteiros, afetando lentamente padrões climáticos em escala continental. A influência desses fatores sobre a fauna e a flora seria de magnitudes globais, visto que, guardadas as devidas escalas de tempo geológico, seriam capazes de remodelar a geografia física de continentes inteiros.

Além das constatações geofísicas, ou mesmo das de caráter mais empírico, uma outra área do conhecimento humano somou-se na corroboração dos fenômenos envolvidos na tectônica de placas e deriva continental: a paleontologia ou o estudo dos fósseis. A partir dos estudos de geocronocorrelação entre formações geológicas que tinham continuidade intercontinental, foi possível observar que fósseis de animais e plantas eram encontrados em continentes afastados por distâncias oceânicas. São muitos os exemplos registrados pela paleontologia. Um dos mais clássicos envolve os me­sossaurídeos, que eram répteis de pequeno porte que habitavam os mares epicontinentais ao longo do Permiano. Esses pequenos vertebrados ocorrem em duas importantes formações geológicas permianas mundiais: a Formação Irati, no Brasil, e a Formação Whitehill, na África do Sul. A ocorrência desses mesossaurídeos em continentes intercalados pelo Oceano Atlântico corrobora a hipótese de que, no passado geológico, África e América do Sul estavam muito próximas.

Literatura recomendada

CARVALHO, I. S. Paleontologia. Rio de Janeiro: Interciência, 2000. 628 p.

GOULD, S. J. Seta do tempo, ciclo do tempo, mito e metáfora na descoberta do tempo geológico. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 222 p.

HOLZ, M. Do mar ao deserto: a evolução do Rio Grande do Sul no tempo geológico. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. v. 1. 142 p.

HOLZ, M.; SIMÕES, M. G. Elementos fundamentais de tafonomia. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002. 231 p.

LIMA, M. R. Fósseis do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1989. 119 p.

LYELL, C.; SECORD, J. A. Principles of geology. London: Penguin Classics, 1842. 528 p. Sugestões para leitura

MENDES, J. C. Paleontologia básica. São Paulo: EDUSP, 1988. 347 p.

TEIXEIRA, W.; TOLEDO, M. C. M.; FAIRCHILD, T. R.; TAIOLI, F. (Ed.). Decifrando a Terra. São Paulo: USP – Oficina de Textos, 2003. 558 p.