Gérbera

Foto: Rosa Lía Barbieri

Gérbera

Síntia Zitzke Fischer

O homem possui uma necessidade intrínseca de se relacionar com a natureza E busca esta proximidade com as flores e plantas ornamentais em jardins ou em arranjos florais. O difícil é classificar o que é ornamental, conceito muitas vezes subjetivo, que depende da percepção de cada pessoa. Kant, por exemplo, define o belo como o que é representado sem conceitos, como objeto de uma satisfação universal. Não recorrendo a conceitos, os juízos de gosto são singulares, imediatamente referidos ao sentimento de prazer ou desprazer provocado (CERÓN; REIS, 1999). A gérbera, com certeza, é uma planta que não passa despercebida. Alguns autores a citam como a mais “exuberante” da família, famosa por sua falta de modéstia na apresentação floral (MALITZ, 1996). Esse fato é justificável, em virtude de suas cores chamativas e variadas, tamanho e forma de inflorescência, que elevam a gérbera ao status de uma das dez plantas com fins ornamentais mais cultivadas e comercializadas no mundo (HAMRICK, 2003).

Classificação botânica e origem

O gênero Gerbera L. pertence à família Asteraceae, uma das maiores e mais conhecidas famílias de plantas, que possui mais de 1.500 gêneros (BREMER, 1994). A família Asteraceae apresenta grandes contribuições para a floricultura com vários gêneros de importância, como Aster, Chrysanthemum, Calendula, Centaurea, Dahlia, Solidago, Helianthus, tanto para paisagismo ou vaso quanto para flor de corte (EMONGOR, 2004). É classificada na tribo Mutisieae, que compreende cerca de 76 gêneros. Essa tribo compreende a linhagem basal da família e se divide nas subtribos Nassauviinae e Mutisiinae s.l. A gérbera cultivada pertence a esta última (BREMER, 1994).

O gênero compreende cerca de 30 espécies distribuídas, principalmente, na África, em Madagascar e na Ásia tropical. Algumas espécies ocorrem nas Américas do Sul e Central (BREMER, 1994). As espécies que ocorrem na América do Sul são G. hieracioides (Kunth) Zardini, endêmica da fronteira entre Peru e Equador (W3 TROPICOS, 2006), e G. hintonii (Bullock) Katinas, ocorrente no México (KATINAS, 1998).

A espécie mais conhecida do gênero é G. jamesonii Bolus ex Hook., nativa da região do Transvaal, na África do Sul, seguida por G. viridifolia (DC.) Sch. Bip., nativa da região de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Essas duas espécies originaram as variedades atualmente em cultivo.

História e evolução

O gênero Gerbera foi descrito e publicado em 1758 (W3 TROPICOS, 2006) e o epíteto genérico é uma homenagem ao médico alemão Tragoutt Gerber (BARROSO et al., 1991). Gerber foi diretor do antigo Jardim Botânico de Moscou e realizou importantes expedições de coleta de plantas pela Rússia (GERBERA ASSOCIATION, 2006).

A espécie G. jamesonii foi a primeira contribuição de coleta ao Jardim Botânico de Durban, África do Sul, feita pelo escocês Robert Jamesom. A coleta foi realizada por volta de 1880, quando trabalhava em uma companhia de exploração e mineração de ouro em Barbeton, na África do Sul. Ele coletou a nova planta e enviou para o Jardim Botânico, onde ela foi identificada pela primeira vez por Harry Bolus, na Cidade do Cabo, África do Sul. Bolus enviou exsicatas para o Herbário do Royal Botanic Gardens, Kew, na Inglaterra, com a sugestão do nome G. jamesonii em homenagem ao seu primeiro coletor. John Medley Wood, então diretor do Jardim Botânico de Durban, enviou plantas vivas ao Royal Botanic Gardens, Kew, onde foi, pela primeira vez, feita a ilustração botânica colorida e uma descrição formal da espécie por J. D. Hooker, com o nome de G. jamesonii Bolus ex. Hook. Foram também enviados propágulos ao Jardim Botânico de Cambridge, onde Richard Irwin Lynch, horticultor local, iniciou, 30 anos depois, um programa de melhoramento que resultou em diferentes variedades. A planta passou a ser notada e exibida pela beleza de suas inflorescências. Em 1912, no jubileu da Sociedade Real de Horticultura de Chelsea, Inglaterra, foram feitas duas grandes exibições de híbridos de gérbera. A gérbera tornou-se rapidamente popular na Holanda e sua fama correu o mundo (ROGERS; TJIA, 1990).

No Sul do Brasil, G. jamesonii está presente há muitos anos em jardins antigos. A espécie foi provavelmente trazida pelos imigrantes europeus no século 19. É interessante salientar que não existe comercialização de mudas dessas plantas antigas. O que ocorre, em geral, são trocas entre vizinhos, uma vez que pode ser multiplicada por divisão de touceira. A espécie está de tal forma difundida, principalmente em cidades de colonização alemã do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que foi inclusive descrita na Flora Ilustrada Catarinense (CABRERA; KLEIN, 1973). A planta descrita foi coletada na cidade de Brusque, em Santa Catarina, em 1970, e citada por suas características ornamentais.

Comercialmente, a gérbera chegou ao Brasil no início da década de 1970, por intermédio dos descendentes de holandeses, que já produziam flores em Holambra, na região metropolitana de Campinas, no Estado de São Paulo. A partir de 1977, teve início a produção de mudas micropropagadas, por meio de parceria com empresas da Holanda.

As variedades modernas de G. hybrida são originadas dos primeiros cruzamentos de G. jamesonii x G. viridifolia denominadas por Lynch, primeiramente, de Gerbera x cantebrigiensis (ELOMAA; TEERI, 2001). Atualmente, o melhoramento genético é realizado simultaneamente nos Estados Unidos, no Japão e na Europa, sobretudo na Holanda, na França e na Alemanha. As maiores empresas de melhoramento de gérberas estão localizadas na Holanda, principal centro de referência em floricultura, que produz plantas com maior produtividade e qualidade (ROGERS; TJIA, 1990). Hoje a gérbera é conhecida como uma das mais importantes plantas dentro do mercado da floricultura, juntamente com as rosas (Rosa spp.), os crisântemos (Dendranthema grandiflorum), os cravos (Dianthus spp.) e as tulipas (Tulipa spp.) (ELOMAA; TEERI, 2001).

As gérberas, juntamente com os crisântemos, são citadas como exemplos bem sucedidos do desenvolvimento do melhoramento de flores, pela modificação alcançada na expressão da cor das inflorescências (KAMEMOTO; KUEHNLE, 1996). Atualmente são utilizadas técnicas de transgenia para que sejam alcançados os objetivos dos melhoristas, beneficiados pelos primeiros programas de hibridação convencional, os quais ofereceram uma elite de genótipos com grande variabilidade de cor, combinada com boa produtividade. Os programas de melhoramento de gérbera visam salientar características estéticas, como cor e morfologia, e características econômicas, como produtividade, tempo e sincronia de florescimento, durabilidade pós-colheita e resistência a insetos e a fungos (ELOMAA; TEERI, 2001). Todos os anos, são lançadas novas variedades, uma vez que o mercado da floricultura é bastante dinâmico e está em constante mudança, buscando novas formas e cores de plantas já conhecidas, assim como novas espécies (WEISS, 2002).

Citogenética e morfologia

G. jamesonii é uma espécie diploide (JAIN et al., 1996) e há uma controvérsia na literatura com relação ao seu número cromossômico. Alguns autores sugerem um número cromossômico básico de n=24 (PLATANOVA et al., 1985), enquanto outros apresentam n=25 (MEHRA; REMANANDAN, 1976).

As gérberas possuem hábito herbáceo, crescem em forma de roseta na fase vegetativa e, na fase reprodutiva, emitem um escapo floral solitário (BREMER, 1994).

A inflorescência é do tipo “capítulo”, característica das plantas da família Asteraceae. As flores que formam o capítulo variam no sexo, simetria e presença de antocianina. O capítulo de gérbera é formado por três tipos de flores bem distintas: as do disco, as intermediárias e as do raio (YU et al., 1999). As flores que compõem o raio são femininas, com estame ausente ou atrofiado, popularmente chamadas de “pétalas” e dão cor à inflorescência, enquanto as do disco, ou “miolo”, são andróginas (BARROSO et al., 1991). A antese inicia nas flores centrais pela deiscência dos estames (YU et al., 1999), a qual irá determinar o ponto de colheita estabelecido pela abertura de duas fileiras de estames (TERRA NIGRA, 2000?). Algumas variedades apresentam flores intermediárias ou de transição entre as do disco e as do raio. Frequentemente são encontradas flores estéreis.

De acordo com a forma, as gérberas são classificadas em Gerbera, Mini Gerbera e Spider Gerbera (SCACE, 2000). Comercialmente, são classificadas em Germini (inflorescência menor, com diâmetro de 6 cm a 8 cm), Standard (inflorescência com 11 cm a 13 cm de diâmetro), Muppet (“pétalas” cruzadas de aproximadamente 7 cm de diâmetro), Springs (“pétalas” cruzadas com cerca de 12 cm de diâmetro) e Giant (inflorescência maior, com 12 cm a 14 cm de diâmetro).

As variedades no mercado apresentam uma gama de cores que vai do branco ao vermelho, passando por diversas tonalidades de amarelo e laranja, além dos tons de rosa. As flores centrais podem, ainda, ser verdes, marrons ou negras (TERRA NIGRA, 2005). As antigas variedades de G. jamesonii, utilizadas nos jardins brasileiros, apresentam cores em tons de rosa, laranja, amarelo e creme. Elas florescem no inverno e na primavera e estão adaptadas ao clima temperado da Região Sul do País.

Usos e propagação

As variedades modernas, híbridas, podem ser produzidas em vasos, jardins ou como flores de corte para a confecção de arranjos (HAMRICK, 2003). As flores de corte podem ser utilizadas como flores principais, como flores secundárias ou de preenchimento. As flores principais, categoria onde as gérberas se encaixam, são o foco de atenção em um arranjo. As flores com formatos arredondados são utilizadas, na arte floral, em conjunto com outros formatos, como espiga ou multidirecional, para dar proporção, balanço, ritmo, harmonia e unidade às composições, que são princípios básicos da arte floral. A gama de cores das gérberas a coloca, ainda, como ótima opção para formar contrastes ou harmonia nas cores utilizadas para compor arranjos (SCACE, 2000).

Em plantas utilizadas para cultivo em vaso, a multiplicação, em geral, ocorre por meio de sementes. A divisão de touceira, que não é comercialmente utilizada, é praticada em jardins residenciais, enquanto a multiplicação in vitro, que origina clones da planta-mãe, com uniformidade, é a mais empregada comercialmente (HAMRICK, 2003).

Cultivo e principais pragas e doenças

A gérbera pode ser cultivada em qualquer tipo de clima e região do mundo. Para cultivos comerciais, no entanto, é indicado o cultivo em ambiente protegido, por causa da fragilidade das flores, que podem sofrer danos pela ação de ventos e chuva. Seu cultivo é relativamente simples, mas requer muita mão de obra, principalmente na colheita e pós-colheita dos escapos (TERRA NIGRA, 2000?). Estão sendo utilizadas novas tecnologias de produção de gérberas de corte, por meio do cultivo conduzido em vasos que contêm substrato. Esse tipo de produção é interessante, porque diminui o consumo de água e contaminações do solo por lixiviação de nutrientes, podendo, até mesmo, diminuir o ataque de pragas e doenças.

É uma planta que prefere solos bem drenados, com uma fertilização moderada, pH em torno de 6,0 e temperaturas amenas, entre 20 °C a 25 °C. O ambiente exerce grande influência sobre as plantas, e a temperatura do ar exerce influência direta sobre a emissão e o crescimento das folhas e sobre a precocidade da floração (GUISELINI, 2002). A luminosidade, igualmente, é um fator limitante no cultivo. É necessária uma intensa insolação para a planta apresentar um desenvolvimento pleno (HAMRICK, 2003).

As principais pragas são a lagarta minadora (Liriomysa spp.), tripes (Thrips spp.), ácaros (Tetranychus spp.), pulgão verde (Aphis gossypii), além de lesmas que causam sérios danos aos botões em formação. As doenças mais frequentes são botritis (Botrytis cinerea), fitóftora (Phytophthora infestans) e oídio (Erysiphae cichorocearum) (HAMRICK, 2003). Para conter os ataques de pragas e a contaminação por doenças, é necessário ter uma boa circulação de ar no ambiente e, no caso de cultivos comerciais, são necessárias aplicações preventivas de produtos fitossanitários adequados.

Perspectivas

Ao longo dos últimos anos, a gérbera vem ganhando o mercado da floricultura, estando entre as cinco flores de corte mais vendidas no Brasil (FLORTEC, 2002). No Rio Grande do Sul, perde apenas para as rosas e os crisântemos (SEBRAE, 2003).

O consumo de gérbera no Brasil tende a crescer, à medida que ela se torna mais conhecida e por ser uma flor que se adapta perfeitamente à confecção de arranjos. Sua versatilidade de uso, tanto em vaso quanto para corte, bem como suas características estéticas e o fato de possuir excelente durabilidade pós-colheita fazem que alcance elevado status entre os consumidores.

Referências

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