Aveia

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Aveia

Rosa Lía Barbieri

A maior parte da produção mundial de aveia é usada para alimentação animal, na forma de grão, pastagem, forragem, palha e silagem. A aveia é usada também pela indústria cosmética, entrando na composição de hidratantes, esfoliantes, óleos para o corpo, sabonetes e xampus. O cultivo da aveia também é explorado como cobertura do solo, reduzindo a erosão e aumentando a qualidade da estrutura física e de fertilidade, com a incorporação dos resíduos da planta. Da casca do grão é extraído o furfural, empregado como solvente na produção de náilon, óleo refinado e em alguns processos industriais.

O consumo de aveia na alimentação humana, na forma de farinha, flocos, cereais matinais, mingaus, barras de cereais e biscoitos, vem aumentando aceleradamente nos últimos anos, como consequência da busca por uma alimentação mais saudável. O grão contém a maior quantidade de proteína entre os cereais consumidos na alimentação humana, em torno de 20%, dependendo da cultivar. O conteúdo de gordura, altamente insaturada, de 5% a 9%, é o mais elevado entre os cereais (VAUGHAN; GEISSLER, 1997). A aveia é uma excelente fonte de fibras solúveis em água (betaglucanas), o que contribui para a redução do índice de colesterol no sangue dos consumidores.

Taxonomia e citogenética

O gênero Avena é composto por espécies silvestres e cultivadas, que ocorrem em três níveis distintos de ploidia (diploides, tetraploides e hexaploides). As espécies de maior importância econômica pertencem ao grupo hexaploide (BROWN; FORSBERG, 1987).

As espécies do grupo diploide, conhecidas popularmente como aveia-preta, produzem grãos com pouca massa, os quais, consequentemente, têm pouca utilização na alimentação humana. No entanto, são largamente empregadas na produção de pastagem no período de maior déficit de forrageiras no Sul do Brasil. A aveia-preta também tem sido empregada no sistema de plantio direto, onde controla a erosão, produz grande quantidade de matéria seca e realiza um expressivo controle de plantas daninhas, em virtude do efeito alelopático determinado pela cobertura morta (CARVALHO, 1998).

O conceito das espécies do gênero Avena não é um consenso entre os pesquisadores, existindo sistemas dúbios de espécies morfológicas (baseado em critérios apenas morfológicos) e biológicas (aquelas cujos membros são interférteis, podendo ser compostas por uma ou por mais espécies morfológicas). A Tabela 1 apresenta as espécies biológicas do gênero Avena e as espécies morfológicas correspondentes.

Tabela 1. Espécies biológicas do gênero Avena e sua equivalência com as espécies taxonômicas.

Tabela 1

Fonte: Ladizinsky (1998).

Avena é um gênero de plantas anuais, com autofecundação, em que a antese ocorre antes do florescimento. As espécies poliploides são alopoliploides com herança bissômica e pareamento bivalente na meiose. A exceção é A. macrostachya, uma espécie autotetraploide perene de fecundação cruzada (LADIZINSKY, 1998).

As espécies diploides (2n=2x=14) têm o genoma A ou o genoma C, as tetraploides (2n=4x=28) têm os genomas AB ou AC, e as hexaploides (2n=6x=42) têm o genoma ACD. A hibridização entre espécies diploides com genoma A e C raramente resulta em híbridos interespecíficos, indicando uma grande diferenciação genômica entre essas espécies. O genoma A das espécies diploides consiste de cinco diferentes cariótipos, As, Al, Ad, Ap e Ac, relacionados, respectivamente, às seguintes espécies: Avena strigosa, A. longiglumis, A. damascena, A. prostrata e A. canariensis. O genoma C das espécies diploides é representado por dois cariótipos, Cv e Cp, de A. entricosa e de A. pilosa (atualmente denominada de A. eriantha), respectivamente (DROSSOU et al., 2004). A aveia hexaploide cultivada, A. sativa, é um alopoliploide natural que contém os três genomas (A, C e D).

História e domesticação

Há registros arqueológicos de aveia cultivada na Europa durante a Idade do Bronze (período da civilização no qual ocorreu o desenvolvimento do bronze, resultante da mistura de cobre e de estanho, que durou de 3300 a.C. até 1300–700 a.C.). Sua domesticação parece ter ocorrido a partir de plantas invasoras das lavouras de trigo e de cevada (VAUGHAN; GEISSLER, 1997). O geneticista russo Nikolai Vavilov identificou, em amostras de trigo obtidas de várias regiões do Oriente Médio, formas intermediárias de aveia que lembravam as formas cultivadas. Concluiu que a migração da aveia para a Europa, a partir de seu centro de origem, no Oriente Médio, foi determinada principalmente pela disseminação da cultura do trigo. No clima mais inóspito do norte da Europa, a invasora suplantou o trigo e se estabeleceu como planta cultivada (THOMAS, 1995).

De acordo com sua proposta de espécies biológicas, Ladizinsky (1998) sustenta que as domesticadas de Avena são suas: a diploide A. strigosa e a hexaploide A. sativa. Apesar de seus genitores silvestres (A. sterilis e A. fatua) serem plantas nativas do sudoeste da Ásia e ocorrerem naturalmente junto com o trigo e a cevada silvestres, o cultivo de A. sativa iniciou no oeste da Europa, cerca de 5 mil anos após o estabelecimento do trigo e da cevada como importantes plantas de lavoura.

No final do primeiro século depois de Cristo, as aveias hexaploides A. sativa e A. byzantina (que, conforme Ladizinsky (1998), fazem parte da mesma espécie biológica, A. sativa) se estabeleceram na Europa como importantes plantas cultivadas. Formas diploides e tetraploides que retêm seus grãos na maturidade também foram cultivadas. As aveias do grupo strigosa foram usadas como fonte de grãos e cultivadas nos solos mais pobres do norte e oeste da Europa, no início deste século. A espécie tetraploide cultivada, A. abyssinica, restrita à Etiópia, provavelmente evoluiu da invasora A. barbata, introduzida na Etiópia junto com a cevada vinda do Oriente Médio, sendo então colhida e consumida como parte integrante das lavouras de cevada. As hexaploides A. sativa e A. byzantina eram intensamente cultivadas na Europa no período da colonização do Novo Mundo, sendo levadas pelos colonizadores para a América do Norte, Argentina e Austrália. As variedades locais (landraces) dos séculos 18 e 19 eram misturas heterogêneas de homozigotos, com capacidade para respostas adaptativas às condições de seus novos hábitats (THOMAS, 1995). As primeiras variedades de aveia introduzidas na América do Norte eram originárias da Grã-Bretanha, da Rússia, da Polônia, da Suíça, da Finlândia e da França (COFFMAN, 1961). Da mesma forma, a colonização das regiões temperadas do Hemisfério Sul foi acompanhada pela introdução de variedades locais características dos países de origem dos colonizadores (THOMAS, 1995). A variabilidade genética dessas variedades locais foi decisiva no estabelecimento da cultura nas novas terras conquistadas pelos europeus.

No Brasil, até o início da década de 1980, as cultivares de aveia-branca eram provenientes da Argentina e do Uruguai. No Sul do Brasil, essas cultivares apresentavam problemas de adaptação ao ambiente de cultivo, principalmente em relação ao ciclo tardio e à estatura elevada, o que determinava baixo rendimento de grãos e redução da qualidade do produto. No início da década de 1970, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Passo Fundo (UPF) iniciaram programas de melhoramento genético, a partir da introdução de linhagens e populações segregantes, provenientes da Universidade de Wisconsin. Na década de 1980, foram lançadas as primeiras cultivares brasileiras de aveia-branca, resultantes desses programas (BARBOSA NETO et al., 2000).

Melhoramento e recursos genéticos

No Brasil, programas de melhoramento genético de aveia são mantidos por instituições públicas e privadas, entre as quais merecem destaque a UFRGS, a UPF, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Embrapa Trigo. O Banco Ativo de Germoplasma do gênero Avena é mantido pela Embrapa Trigo, com acessos de espécies cultivadas e silvestres oriundos de diferentes países.

Para atender à demanda, a cada ano são lançadas no mercado novas cultivares de aveia que apresentam um maior potencial de rendimento de grãos em relação às preexistentes. A obtenção dessas novas cultivares é o resultado de um processo que se inicia na escolha dos genitores para a realização dos cruzamentos, com objetivo de ampliar a variabilidade genética. O conhecimento da distância genética entre os diferentes genótipos é de grande utilidade nesse contexto, uma vez que quanto mais divergentes forem as constituições genéticas dos genitores, maior a variabilidade resultante na população segregante F2, e maior a probabilidade de recombinar os genes em novas combinações gênicas favoráveis. Levando em consideração que as espécies domesticadas se originaram a partir de uma porção relativamente pequena da variabilidade genética de cada espécie, e que, no processo de obtenção de cultivares modernas, o homem vem estreitando ainda mais essa variabilidade, resultando em um efeito evolutivo de gargalo de garrafa, é importante caracterizar a distância genética existente entre as plantas, tanto para maximizar o desenvolvimento de novas variedades, como para conservar ex situ uma amostra representativa dessas espécies, a ser usada pelos melhoristas.

No Sul do Brasil, região onde é produzida a maior parte da aveia no País, o clima se caracteriza por apresentar primaveras com pouco frio e com alta precipitação, bastante diferente do ambiente de origem das espécies que compõem o gênero Avena, com temperaturas mais baixas e pouca pluviosidade. Essas condições climáticas exigem constituições genéticas a elas adequadas, como plantas com ciclo curto e baixa estatura.

Como o gênero Avena contém um grande número de espécies com diferentes níveis de ploidia, números de genomas e variações em caracteres morfológicos e agronômicos, a hibridização interespecífica controlada dessas espécies poderá ser de grande contribuição no sentido de intensificar e ampliar a variabilidade dos genótipos cultivados (SERENO-TAVARES et al., 1993). O conhecimento dos caracteres morfológicos e moleculares dos recursos genéticos permite que o pré-melhoramento auxilie de forma direta o melhorista, disponibilizando constituições genéticas para a realização da seleção. Dessa forma, a caracterização e a prospecção de genes em aveia asseguram novas estratégias de êxito no melhoramento do gênero Avena. Com o crescimento e desenvolvimento evidenciado pelos programas de melhoramento existentes no Sul do Brasil, foram atingidos patamares elevados de produtividade por unidade de área. Entretanto, um novo impulso só poderá ser dado com o uso de conhecimentos mais aprofundados, como a exploração dos recursos genéticos usando técnicas adequadas de caracterização e prospecção de genes.

Referências

BARBOSA NETO, J. F.; MATIELLO, R. R.; CARVALHO, F. I. F.; OLIVEIRA, J. M. S.; PEGORARO, D. G.; SCHNEIDER, F.; SORDI, M. E. B.; VACARO, E. Progresso genético no melhoramento de aveia-branca no Sul do Brasil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, DF, v. 35, n. 8, p. 1.605-1.612.

BROWN, C. M.; FORSBERG, R. A. Oat. In: FEHR, W. Principles of cultivar development. New York: Macmillan, 1987. v. 2. p. 295-345.

CARVALHO, F. I. F. Aveia na agricultura moderna. Seed News, Pelotas, v. 5, p.16, 1998.

COFFMAN, F. A. Oats and oat improvement. Madison: American Society of Agronomy, 1961.

DROSSOU, A.; KATSIOTIS, A.; LEGGETT, J. M.; LOUKAS, M. Genome and species relationships in genus Avena based on RAPD and AFLP molecular markers. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 109, p. 48-54, 2004.

LADIZINSKY, G. Plant evolution under domestication. Dordrecht: Kluwer, 1998. 262 p.

SERENO-TAVARES, M. J. C. M.; ZANETTINI, M. H. B.; Carvalho, F. I. F. Origem e evolução do gênero Avena: suas implicações no melhoramento genético. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, DF, v. 28, p. 499-507, 1993.

THOMAS, H. Oats. In: SMARTT, J.; SIMMONS, N. W. Evolution of crop plants. London: Longman, 1995. p. 132-136.

VAUGHAN, J. G.; GEISSLER, C. A. The new Oxford book of food plants. New York: Oxford University, 1997. 239 p.