Feijão

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Feijão

Irajá Ferreira Antunes

A sobrevivência é provavelmente a força mais significativa a impulsionar o homem na busca de soluções para seus problemas.

O alimento, nesse contexto, apresenta-se como o elemento natural basilar na garantia da sobrevivência. Dessa forma, o homem primitivo teve de priorizar suas ações no meio selvagem em que vivia, na identificação de formas de alimento que fossem condizentes com esse meio e que garantissem uma continuidade na suplementação dos nutrientes necessários à manutenção da vida. Uma de suas grandes conquistas na direção de sua manutenção como espécie na face da Terra foi a domesticação de espécies de plantas, que pode ser traduzida como a submissão gradual de espécies silvestres à sua vontade, até o ponto extremo de perderem sua capacidade de subsistir sem a participação do ser humano. Expressa de outra forma, a domesticação é o resultado de alterações físicas que as plantas sofrem no processo de adaptação ao cultivo humano.

Até cerca de uma década atrás, era um pensamento generalizado entre arqueólogos que a agricultura teria surgido de forma abrupta, decorrente do rompimento com a forma tradicional de sobrevivência, que era embasada no binômio caça–coleta de alimentos.

Atualmente novas descobertas sugerem que a domesticação era antecedida por duas fases: a inicial, extrativista, em que o homem explorava o alimento que encontrava na natureza, ofertado por espécies silvestres; e outra, posterior, em que o homem passou a praticar o cultivo dessas mesmas espécies silvestres. Dessa forma, o processo completo de domesticação se estendeu, provavelmente, por milhares de anos (BALTER, 2007).

Entre as espécies de plantas que foram incorporadas ao arsenal de sobrevivência, o qual tem garantido a permanência do homem nos mais diversos e inóspitos ambientes encontrados no globo, estão aquelas que produzem grãos e, entre essas espécies, em especial, estão as leguminosas, que constituem uma família de plantas denominada Fabaceae. Nessa família, há um grupo muito importante na alimentação, o qual se destaca dos demais, cujo produto que fornece recebe o nome genérico de feijão.

Na família Fabaceae, as espécies de grãos mais importantes, ou ainda, os feijões mais importantes para a alimentação humana, estão classificados no gênero Phaseolus, que compreende cinco espécies utilizadas no mundo como alimento. Dessas cinco espécies, Phaseolus vulgaris L. é a mais consumida.

No Brasil, Phaseolus vulgaris é conhecida simplesmente como feijão. É a principal leguminosa de grãos na dieta do povo brasileiro, que também consome em quantidades menos significativas outros feijões, como o feijão-caupi, também conhecido como feijão-macassar, feijão-de-corda ou feijão-fradinho – cujo nome científico é Vigna unguiculata (L.) Walp. – e o feijão-de-lima, também chamado de feijão-fava, cujo nome científico é Phaseolus lunatus L.

Nos meios acadêmicos, o feijão tem sido denominado também como feijão-comum, feijoeiro comum e feijoeiro, o que dificulta o diálogo, na medida em que possibilita o uso de diferentes termos para a mesma espécie, que, no caso brasileiro, possui destacada importância e, consequentemente, popularidade nas diversas camadas sociais. A adoção do termo único “feijão” para Phaseolus vulgaris – mantendo termos adicionais para caracterizar as demais espécies – em muito contribuiria para elevar o feijão ao status que merece como a leguminosa de principal aporte proteico para a população brasileira.

Importância como alimento

O feijão é um alimento que se tornou característico da dieta do brasileiro. Junto com o arroz, constitui o prato mais popular no País, principalmente para as camadas de baixa renda da população. O reflexo da importância do feijão para o povo brasileiro traduz-se no fato de que o País é o maior produtor e também o maior consumidor mundial do grão. O significado dessa importância está na produção anual, que supera os 3 milhões de toneladas. Além da produção, a área cultivada e a produtividade nos últimos dez anos podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1. Área, produção e rendimento médio na cultura do feijão no Brasil, no período de 1990–1991 a 2006–2007.

Tabela 1

Fonte: www.conab.gov.br/conabweb/download/safra/feijão.

Em termos nutricionais, o feijão é a fonte mais importante de proteínas e a segunda fonte de carboidratos, sendo superado apenas pelo arroz. O balanço de aminoácidos resultante do consumo de arroz (integral) com feijão é excelente, pois as deficiências existentes em cada um desses alimentos são reciprocamente compensadas pelo outro. O feijão é deficiente em termos de aminoácidos sulfurados, como a metionina, mas é rico em lisina. Com o arroz, no entanto, ocorre exatamente o contrário.

Além de proteínas e carboidratos, o feijão é um fornecedor de vitaminas, minerais e fibras alimentares, que resultam em efeitos fisiológicos importantes para a saúde humana, como os efeitos hipocolesterolêmico e hipoglicêmico, ambos promovidos pelas fibras (LAJOLO et al., 1996).

Nos últimos anos, tem sido observado que, nas populações urbanas, tem aumentado a frequência de certas doenças que resultam, provavelmente, das condições estressantes a que são submetidas quotidianamente. Entre essas doenças, salientam-se a diabetes, as doenças cardiovasculares, a obesidade e o câncer intestinal (AZEVEDO et al., 2003). As fibras alimentares se têm revelado capazes de reduzir o risco de ocorrência dessas doenças, como resultado da combinação das seguintes ações fisiológicas: aumento do bolo fecal e do trânsito intestinal, ligação com ácidos biliares, sua transformação em ácidos graxos de cadeia curta no intestino e aumento da viscosidade.

As fibras alimentares possuem duas frações: a solúvel e a insolúvel. A diminuição no tempo de permanência do bolo fecal no intestino e o volume do mesmo estão ligados às fibras insolúveis. A ligação a ácidos biliares está associada à fração solúvel, formada por pectinas e hemiceluloses, que são transformadas no intestino grosso em ácidos graxos de cadeia curta. A fibra solúvel também é a responsável pelo aumento da viscosidade das paredes internas do intestino e pela consequente redução dos processos que resultam em digestão e absorção Os efeitos derivados do elevado teor de fibras na dieta alimentar, em associação com a baixa velocidade de digestão do amido, resultam em efeitos fisiológicos interessantes no controle de diabetes e hiperlipidemias.

O feijão está entre os poucos alimentos integrais que contêm uma quantidade significativa dos dois tipos de fibra mencionados, colocando-o como apto a desencadear todos os processos acima referidos. Além disso, preconizam os nutricionistas, hoje em dia, deve haver uma maior limitação sobre a ingestão de lipídios, com o concomitante aumento na ingestão de carboidratos complexos, como o amido. Também nesse caso, o feijão se apresenta como excelente opção, considerando o baixo teor de lipídios e o alto teor de carboidratos complexos presentes em seus grãos. Estudos relatados em trabalho da Colorado State University (1993) revelam que dietas de pacientes acometidos de diabetes ou portadores de alto teor de colesterol no sangue, quando acrescidas de feijão, resultaram na diminuição de até 20% no teor de colesterol no sangue, bem como na redução significativa do teor de açúcar. Relatam esses trabalhos que a ingestão de feijão, que, pelo seu teor de fibras, resulta em um efeito de “enchimento”, tende a reduzir a ingestão de outros alimentos, atuando como importante coadjuvante.

Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), de acordo com a dieta que seria recomendada para o ser humano, o consumo de 60 g de feijão por dia (equivalentes a 22 kg/ano), considerado como moderado, forneceria 27% da proteína, 10% do cálcio, 60% do ferro, 14% e 8% das vitaminas tiamina e niacina, respectivamente, e 10% do total das calorias que seriam necessários em um dia.

Mais recentemente, novas e importantes características nutricionais do feijão foram descobertas. Uma dessas é a riqueza em antocianinas, principalmente em feijões de grãos pretos (CHOUNG et al., 2003), compostos que apresentam ação antioxidante em níveis comparáveis àqueles encontrados em uvas (AZEVEDO et al., 2003). Além disso, o feijão constitui-se em excelente fonte de molibdênio. Esse elemento químico compõe a enzima sulfito oxidase que desempenha um importante papel na desintoxicação de sulfitos, sais esses que têm sido comumente utilizados como conservantes na indústria de alimentos e podem provocar taquicardias, cefaleias, ou desorientação em pessoas sensíveis (THE WORLD’S HEALTHIEST FOODS, 2006).

O feijão pode ser consumido de inúmeras formas: como grãos secos, a mais comum no Brasil, a partir dos quais se prepara a tradicional feijoada; como grãos verdes, retirados das vagens ainda imaturas; como vagens verdes, cuja exploração, no Brasil, corresponde ao feijão-vagem, feijão-de-vagem ou, simplesmente, vagem; e, finalmente, nas regiões mais elevadas do Peru e da Bolívia, como grãos tostados, que rebentam como milho de pipoca quando aquecidos. Este último tipo é conhecido naquelas regiões como ñuña ou poroto (VOYSEST, 2000).

Taxonomia e citogenética

Botanicamente, o feijão (Phaseolus vulgaris) é classificado como pertencente à ordem Rosales, família Fabaceae (Leguminosae), subfamília Faboideae (Papilionoideae), tribo Phaseolae e gênero Phaseolus.

O gênero Phaseolus compreende um número ainda não definido de espécies. De acordo com Debouk (1999), seriam 54, enquanto revisões de Lackey (1983) e Delgado Salinas (1985) apontam para 36 e 31 espécies, respectivamente.

Entre essas espécies, além de Phaseolus vulgaris, quatro outras são cultivadas: feijão-de-lima ou feijão-fava (P. lunatus); feijão-tepari (P. acutifolius A. Gray); feijão ayocote (P. coccineus L.) e P. polyanthus Greenman.

O pool gênico primário de P. vulgaris compreende, além das formas cultivadas (em número superior a 29.000), as formas silvestres (em número superior a 1.300). Estas últimas ocorrem nas Américas do Norte (México), Central e do Sul, constituindo três pools gênicos geográficos: o Mesoamericano e o Andino-Sul, que foram os primeiros reconhecidos, e um terceiro pool gênico localizado na região andina do norte (ao norte do Peru e sul do Equador), que constitui o pool gênico Intermediário.

O pool gênico secundário é constituído pelas seguintes espécies: a) P. costaricensis Freytag e Debouck, de que são conhecidas apenas quatro formas silvestres; b) P. polyanthus Greenm., que possui formas silvestres e cultivadas; c) P. coccineus, que também possui formas silvestres e cultivadas (DEBOUCK, 1999).

O pool gênico terciário é constituído por P. acutifolius, P. parvifolius Freytag e P. filiformis Benth. A primeira possui formas cultivadas e silvestres e as duas últimas, apenas formas silvestres.

Phaseolus vulgaris é uma espécie considerada como autógama, anual, diploide (2n=2x=22) e com um genoma pequeno – 635 Mbp (GEPTS, 1999). Em virtude do pequeno tamanho de seus cromossomos, tanto na mitose como na meiose, as análises citológicas são difíceis. A maioria de seus cromossomos são metacêntricos ou submetacêntricos (MARECHAL, 1970).

Distribuição geográfica

A importância que o feijão adquiriu como alimento no mundo está diretamente relacionada à sua distribuição geográfica.

Atualmente, com exceção da Antártica, o feijão é cultivado em todos os continentes. Essa distribuição ampla deve-se muito aos navegadores portugueses e espanhóis, que o disseminaram no final do século 15 e início do século 16, após a descoberta da América.

Nas Américas, os maiores produtores são o Brasil, os Estados Unidos e o México. Na África, onde foi introduzido no século 16 por comerciantes portugueses, o feijão é a leguminosa de grão mais importante nas regiões leste e sul. Nessas regiões, Quênia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi são os países mais importantes na produção em áreas mais elevadas, com temperaturas mais baixas, e Congo, Etiópia e diversos países do sul do continente, em áreas de média elevação em que as temperaturas são mais elevadas (AFRICANCROPS.NET, 2006).

Na Ásia, os países que mais produzem feijão são a China, que é uma grande exportadora, o Irã, o Japão e a Turquia.

Na Europa, a produção situa-se mais ao leste. Os maiores países produtores são a Bielo-Rússia, a Turquia, a Sérvia-Montenegro, a Romênia e a Ucrânia.

Na América Latina, há uma grande variação na preferência dos diferentes tipos de grãos. Essa variação prende-se a características morfológicas dos mesmos, que vão desde o tamanho até a forma, passando pelo brilho e pela cor do tegumento.

De maneira geral, no México, na Colômbia, no Equador, no Peru e no Chile, os tipos preferidos para consumo são os grãos de tamanho grande (com uma massa de 100 sementes acima de 40 g). Obviamente, há exceções dentro de cada país. Dessa forma, são encontrados tipos pequenos e pretos no sul do México; brancos na Colômbia, no Equador, no Peru e no Chile; além de beges, vermelhos e amarelos no Peru e pretos na Argentina, onde a produção é basicamente para exportação. Na região do Caribe, com exceção de Cuba e de pequenas áreas da República Dominicana e do Haiti, que consomem grãos pretos pequenos, os tipos predominantes possuem grãos grandes, de origem andina, com colorações vermelha, rosa e bege, com pontuações ou estrias de cores diferentes (SINGH, 1999). Na América Central, na Venezuela e no Brasil, os tipos de grãos pequenos são os preferidos.

No Brasil, em termos de tipos de grão, as preferências regionais do consumidor são bastante diferenciadas. Assim, o feijão-preto é predominantemente consumido na Região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e sul do Paraná), no Rio de Janeiro, no sul do Espírito Santo e na Zona da Mata de Minas Gerais. Já os feijões de grãos do tipo roxo são preferidos na Região Centro-Oeste e em São Paulo, enquanto os cremes predominam no Nordeste. O tipo carioca, que compreende grãos de coloração bege com estrias marrons, com uma massa de grãos em torno de 23 g por 100 sementes, conquistou o mercado consumidor após o aparecimento da cultivar Carioca, no Estado de São Paulo. Sua aceitação adquiriu dimensão nacional, levando os melhoristas a dedicarem seus esforços na obtenção de novas cultivares com esse tipo de grão, com objetivos que incluíram principalmente a resistência a doenças e plantas com porte ereto. Entretanto, o consumo regionalizado não condiciona necessariamente a regionalização da produção. Isso significa que um determinado tipo pode ser pouco consumido em uma dada região, mas sua produção ser elevada por ser exportado para outra região do País. Exemplo dessa situação observou-se no Rio Grande do Sul, na década de 1990, em que aproximadamente 30% da produção era de grãos do tipo carioca, sendo, em quase sua totalidade, exportados para São Paulo. Ademais, o Rio de Janeiro, embora sendo um grande consumidor de feijão-preto, praticamente nada produz. Verifica-se um grande movimento de grãos entre regiões, como o que acontece nas regiões Nordeste e Sul, de onde saem grandes volumes para abastecer os grandes centros consumidores, que são os estados do Rio de Janeiro (principalmente de feijão-preto) e de São Paulo, que consome grãos de cor, principalmente, do tipo carioca.

Origem, domesticação e evolução

Atualmente é aceito que o feijão tem sua origem no continente americano. Tal conceito, entretanto, apenas recentemente adquiriu ampla aceitação. Cientistas renomados no século 19 pregavam ser sua origem desconhecida (DE CANDOLLE, 1882) ou, ainda, que se situava na Índia (LINNAEUS, 1957). A comunidade científica somente passou a contestar as afirmativas anteriores no final do século 19, quando Wittmack, citado por Gepts e Debouck (1991), após análise de registros arqueológicos encontrados no Peru e nos Estados Unidos, apontou as Américas como o correto local de origem.

A unanimidade foi conquistada após a Segunda Guerra Mundial, quando populações de feijão silvestre foram encontradas na Argentina (BURKART; BRÜCHER, 1953) e na Guatemala (MCBRYDE, 1947), e registros arqueológicos antigos foram localizados em diversos pontos do continente (KAPLAN; KAPLAN, 1988).

Na América do Sul, as evidências arqueológicas mais antigas encontradas até o momento são as da caverna de Guitarrero, situadas em Callejón de Huaylas, ao longo da seção central do vale do Rio Santa, Estado de Ancash, no Peru, datadas de 8 a 10 mil anos (KAPLAN et al., 1973), e as de Huachichocana, na província de Jujuy, na Argentina (TARRAGÓ, 1980). No México, no Vale do Tehuacán, Estado de Puebla, essas evidências são de aproximadamente 6 mil anos (KAPLAN, 1967). A distribuição das populações de feijões silvestres nas Américas pode ser vista na Figura 1.

Figura 1

Figura 1. Distribuição de populações de feijões silvestres no continente americano (áreas circunscritas).

Fonte: Adaptado de Gepts e Debouck (1991).

Estudos conduzidos nas três últimas décadas acumularam evidências botânicas, históricas e linguísticas adicionais que sustentam essa linha de pensamento. A esses estudos, soma-se a importante contribuição que tem sido aportada pela biologia molecular, especialmente pelo uso de marcadores moleculares, os quais possibilitaram evidenciar relações genéticas entre populações de diversas origens, silvestres ou domesticadas, que dificilmente seriam estabelecidas com base apenas em características fenotípicas (GEPTS, 1998).

É reconhecido atualmente que a diversidade genética do feijão pode ser agrupada em três principais pools gênicos geográficos, de acordo com análises genéticas, tendo como base isozimas, faseolina e RAPD (Random Amplified Polimorphic DNA) de feijões silvestres. São eles o pool gênico Mesoamericano, que inclui populações do México, América Central e Colômbia; o pool gênico Andino-Sul, compreendendo populações do sul do Peru, da Bolívia e da Argentina e o pool gênico Intermediário, composto por populações encontradas no Equador e no norte do Peru.

O pool gênico Intermediário obteve reconhecimento mais recente (DEBOUCK et al., 1993; FREYRE et al., 1996), e os trabalhos de Kami et al. (1995) levaram ao entendimento de que populações a ele pertencentes se constituem, na verdade, em formas ancestrais, das quais se teriam derivado os pools gênicos Mesoamericano e Andino.

Quanto à domesticação, a informação atualmente disponível é divergente. Uma das correntes defende a ideia de que as cultivares de feijão resultariam de um processo de domesticação múltipla, ocorrida nas Américas. Essa múltipla domesticação teria acontecido de forma independente nos pools gênicos Mesoamericano, Andino e Intermediário, daí resultando em dois centros primários de domesticação localizados na América Central e no sul do Peru, respectivamente, e em um terceiro centro, localizado na Colômbia (GEPTS; DEBOUK, 1991). Por sua vez, Freitas (2006) sugere que a origem do feijão é resultado de um evento único, ou seja, haveria um único centro de origem, abrangendo desde o México até a Colômbia e o Equador, e vários centros de diversidade.

O isolamento que se teria estabelecido entre os pools gênicos Mesoamericano e Andino, que teriam derivado do pool gênico Intermediário localizado no sul do Equador e no norte do Peru, teria levado ao isolamento reprodutivo parcial existente entre ambos (KOINANGE; GEPTS, 1992; SHII et al., 1981; SINGH; MOLINA, 1996). Da mesma forma, após o isolamento, teria ocorrido uma grande diversificação dentro desses dois pools gênicos. A subsequente domesticação, igualmente independente, dentro de cada um deles, resultou na posterior formação de raças ecogeográficas (BEEBE et al., 2000; SINGH et al., 1991a, 1991b, 1991c). Exemplares dessas raças ecogeográficas, posteriormente, foram dispersadas para outras regiões do globo, até mesmo para o Brasil (GEPTS, 2006), onde seu desenvolvimento como alimento redundou em volume de produção muito superior àquele encontrado nas áreas onde os centros de domesticação se localizam.

A comparação entre os ancestrais silvestres e os tipos domesticados revela marcantes diferenças que, em seu conjunto, são conhecidas como “síndrome da domesticação”. Tais diferenças resultam de características que distinguem plantas domesticadas de plantas silvestres, que foram selecionadas durante o processo de domesticação. Essas características podem ser de natureza morfológica, fisiológica e genética. Entre as diferenças morfológicas, podem ser citadas aquelas relativas à raiz, ao caule, ao comprimento dos entrenós, ao tamanho das folhas, à altura da planta, à posição das inflorescências, à flor, à vagem e à semente. Essas diferenças encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2. Características morfológicas de feijões silvestres e domesticados.

Tabela 2

Fonte: Adaptado de Gepts; Debouck (1991).

O hábito de crescimento é uma característica marcante no feijão cultivado. Enquanto os tipos silvestres possuíam apenas plantas de hábito trepador, que usavam arbustos ou árvores como suportes e, em dado momento, o milho, os tipos domesticados evoluíram com o fim de apresentar uma arquitetura do tipo arbustivo. Essa evolução de um tipo trepador para um tipo arbustivo ocorreu tanto no centro Andino como no centro Mesoamericano de domesticação.

Outra importante característica que distingue feijões cultivados de silvestres é o tamanho da semente. A seleção realizada por produtores e consumidores resultou em cultivares com maiores vagens e sementes, estas últimas com grande variação de cores. O aumento no tamanho da semente está relacionado com o aumento no tamanho das folhas, possivelmente pela presença de efeitos pleiotrópicos.

Dispersão

As evidências científicas que apontam as rotas de dispersão do feijão no mundo, após a sua domesticação, baseiam-se na diversidade genética que apresenta a proteína faseolina (GEPTS, 1998; GEPTS; BLISS, 1988).

Esses trabalhos mostraram que as cultivares existentes na América Central exibem, predominantemente, o tipo de faseolina S, enquanto as cultivares andinas apresentam o tipo T. Os tipos silvestres existentes nessas regiões apresentam os mesmos tipos de faseolina.

Após a domesticação, aparentemente, tanto os tipos mesoamericanos como os andinos foram disseminados de modo semelhante. Assim, ambos atingiram a América do Sul e a África, embora questões predominantemente culturais tenham levado à predominância diferenciada nessas regiões. Os tipos mesoamericanos predominam na América do Sul (com exceção da região andina) e no sudoeste dos Estados Unidos, enquanto os tipos andinos predominam na África, na Europa e no nordeste dos Estados Unidos.

Os tipos mesoamericanos, que predominam no Brasil, provavelmente resultaram de uma rota iniciada no México ou na Guatemala, passando pela Colômbia e pela Venezuela.

Mais recentemente, grupos de imigrantes oriundos do arquipélago dos Açores, ao chegarem ao Brasil, trouxeram consigo vários tipos de feijão, seguramente possuindo diferentes conformações genéticas, resultantes de um longo processo de adaptação às condições ambientais presentes naquela região.

Perspectivas

Na esfera mundial, o futuro dos programas de melhoramento de feijão dependerá, em muito, do nível de disponibilidade que for dado ao germoplasma que se encontra distribuído nas diversas regiões do planeta, principalmente nos países em desenvolvimento.

Ainda que países desenvolvidos, como os Estados Unidos, o Japão e os da Europa Ocidental consumam feijão e, até mesmo, estejam, em alguns casos, tendendo a aumentar a taxa de consumo, é nos países mais pobres, principalmente latino-americanos, que se encontra a maior diversidade genética.

A grande diversidade existente deve-se, primeiro, ao fato de que é nesses países que se encontram os ancestrais silvestres do feijão e, segundo, porque é neles que estão as maiores áreas de cultivo, fragmentadas em um número muito grande de pequenas propriedades, que se localizam em uma ampla gama de ambientes. O resultado da amplitude de condições ambientais é a presença das mais variadas interações de fatores edáficos e climáticos, que impõem pressões de seleção favorecendo os alelos que melhor condicionam a adaptação nessas condições, as quais, na maioria das vezes, são únicas. Esses alelos, que favorecem o processo adaptativo, podem exercer sua influência no condicionamento frente a problemas bióticos e abióticos, exemplos que são dados pela resistência a doenças fúngicas e a condições de deficiência hídrica, encontradas em cultivares crioulas. Ao mesmo tempo, essas fontes se renovam como resultado do processo de coevolução com os variados ambientes em que são cultivadas nos diversos países latino-americanos.

Esse germoplasma possui um alto valor intrínseco para os programas de melhoramento de feijão de países desenvolvidos, nos quais a concentração da produção em propriedades com grandes áreas, em comparação com aquela de países em desenvolvimento, limita a obtenção de recombinantes que possam ser usados como fontes de resistência aos fatores adversos. Ao mesmo tempo, a pressão do mercado por novas cultivares ou, ainda, a necessidade das empresas disponibilizarem novas cultivares como estratégia de marketing fazem com que a busca por novos alelos torne-se mais eficiente, visto que é feita a partir do germoplasma existente em poder dos países ricos em diversidade, cujo acesso torna-se mais fácil por meio do uso de coleções existentes em centros internacionais de pesquisa ou mesmo em coleções nacionais devidamente caracterizadas.

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