Centeio

Foto: Rosa Lía Barbieri

Centeio

Igor Pirez Valério

Irineu Hartwig

Ivandro Bertan

Com elevada rusticidade, o centeio (Secale cereale L.) está incluído entre os cereais de maior capacidade adaptativa, podendo ser cultivado ao longo de zonas temperadas e subtropicais, do círculo polar ártico ao Sul do Chile. Segundo Baier (1994), o cereal pode ser produzido em altitudes de até 4.300 m, como nas montanhas do Himalaia, por exemplo. É cultivado com destaque no norte e no leste europeu, porém com ampla distribuição mundial, tendo como parte do grupo que mais cultivam o centeio, os seguintes países: Polônia, Rússia, Alemanha, Ucrânia e Bielo-Rússia. Juntos, esses países respondem por 78% da área mundial (FAO, 2006). Em virtude de sua tolerância a condições adversas, principalmente frio e moléstias, o centeio constitui um importante pool gênico para o melhoramento de trigo e de outros cereais relacionados. Apresenta inúmeras vantagens em relação a outros cereais, como: a) tolera condições de seca e de frio; b) tem bom desempenho em solos ácidos e pobres de fertilidade (podendo ser cultivado em condições de pH entre 4,5 e 8,0); c) possui efeitos alelopáticos que podem ser largamente usados no controle de plantas daninhas (RICE, 1984); d) é rico em aminoácidos essenciais como a lisina; e) possui também propriedades que facilitam a circulação sanguínea. Conforme os dados da FAO (2006), houve um declínio na produção mundial de 35 milhões de toneladas, em 1961, para 18 milhões de toneladas, em 2005. Na década de 1990, a produção aumentou para 37 milhões de toneladas (Figura 1). Outra variação tem sido a redução de área cultivada, a qual atingiu cerca de 80%. Esse real declínio em produção e área cultivada pode ter ocorrido em virtude da perda de mercado para o trigo, proporcionado pelo menor investimento em pesquisa; além disso, alguns fatores negativos da espécie podem ter sido favoráveis a esse declínio, tais como: a) elevada concentração de pentosanas (hemiceluloses ou glicoprotídeos), as quais dificultam ou retardam a digestão, atrasando a absorção de nutrientes e reduzindo a conversão alimentar (BAIER, 1994); b) coloração escura e ausência de elasticidade na massa do pão de centeio, por possuir como conteúdo principal as proteínas do grupo das gliadinas; c) autoincompatibilidade e dificuldade na manutenção de genótipos puros, por causa da ocorrência de polinização cruzada; d) expressa elevada estatura de planta, baixa produção de palha e reduzido índice de colheita, acompanhado de deficiência na distribuição de fotoassimilados; e) sensibilidade a determinadas moléstias, que causam preocupação em vários países, como a clavagem, também chamada ergot (Claviceps purpurea), que, na associação centeio x fungo, produz um alcaloide muito tóxico para o homem e para os animais. Dessa forma, a ocorrência desses fatores, pode ter contribuído para redução da exploração da cultura do centeio no mundo.

Figura 1

Figura 1. Evolução da produção mundial do centeio.

Fonte: FAO (2006).

A produção de centeio tem por base duas finalidades específicas: grãos e forragem. Os grãos são usados para a produção de inúmeros derivados: a) farinha, segunda em importância depois do trigo, sendo de uso não apenas para fabricação de pães (utilizado na indústria de panificação em mistura com a farinha de trigo) e biscoitos, mas também na fabricação de cosméticos e colas (por possuir características adesivas, conferida pela secalina); b) ração para animais; c) fabricação de bebidas como cervejas, vodkas e alguns tipos de uísque. As forragens têm o seguinte uso: a) pastejo; b) silagem; c) feno; d) rotação de culturas, principalmente no manejo de algumas moléstias dos cereais de estação fria; e) recuperação de solos degradados, além do uso na prevenção de erosões; f) palhada para cobertura do solo.

Embora o centeio seja reconhecido como uma espécie de cultivo de inverno, existem muitas variedades de primavera disponíveis para regiões de clima temperado. O centeio de inverno pode ser produzido com sucesso, em áreas onde o frio é muito severo, para a produção de trigo ou aveia. Em condições de temperaturas de campo abaixo de 7 °C, cereais como a aveia e o trigo, em geral, começam ter o seu crescimento paralisado, enquanto o centeio, que é altamente resistente ao frio, continua o seu desenvolvimento. Na Europa, alguns centeios de primavera são desenvolvidos em regiões onde o inverno é muito rigoroso ou onde a neve cobre as áreas de cultivo por mais de três meses. Essas variedades não exigem vernalização para indução do florescimento, mas, em geral, são menos produtivas, com menor área de produção e relativamente de menor importância econômica.

Citotaxonomia

O centeio segue a seguinte classificação taxonômica: reino Plantae, sub-reino Tracheobionta, divisão Magnoliophyta, subdivisão Spermatophyta, classe Liliopsida, subclasse Commelinidae, ordem Cyperales, família Poaceae (Gramineae), subfamília Pooideae, tribo Triticeae, subtribo Triticineae, gênero Secale (ESTADOS UNIDOS, 2006a).

Atualmente o gênero Secale tem apenas uma espécie cultivada, enquanto as outras espécies são silvestres ou invasoras (ZOHARY; HOPF, 1993). Secale contém quatro espécies reconhecidas, das quais três são anuais (S. cereale L., S. vavilovii Grouch, e S. silvestre Host) e uma perene, S. strictum (sinonímia de S. montanum Guss). A maioria das espécies do gênero é diploide, tendo o número básico de cromossomos x=7. Existem algumas espécies autotetraploides (2n=4x), produzidas artificialmente pelo uso da colchicina, com 14 pares de cromossomos, as quais são cultivadas em poucas regiões da Europa.

S. cereale (2x=14), com genoma RR, é a espécie citogeneticamente mais estudada. Essa planta, de fecundação cruzada, possui como característica um elevado índice de autoincompatibilidade gametofítica, mecanismo esse muito explorado nos programas de melhoramento genético, herdado por um gene em locos distintos (S e Z) (LUNDQVIST, 1956).

Segundo Singh e Robbelen (1977), a primeira análise consistente de relação entre as espécies Cereale revela a existência de translocações que as separam, a saber: a) uma translocação separa S. montanum de S. vavilovii e de S. africanum; b) duas translocações separam S. cereale de S. vavilovii e de S. africanum; c) três translocações separam S. cereale de S. montanum e de S. africanum.

A espécie cultivada (S. cereale) é caracterizada por apresentar ciclo anual, ráquis não quebradiço, lâmina foliar plana e grãos grandes, enquanto as formas silvestres possuem ráquis quebradiço na maturação, lâmina foliar em forma de V, grãos pequenos e hábito de crescimento variável entre as espécies anual ou perene. A espécie cultivada contém um grande número de subespécies consideradas invasoras: S. cereale ssp. afghanicum Vav., S. cereale ssp. dighoricum Vav. e S. cereale ssp. ancestrale Zhunk. Conforme destacam Cuadrado e Jouve (2002), as subespécies de S. strictum são formadas por dois grupos: S. striticum spp. striticum, S. striticum ssp. kuprijanovii Grossh e S. striticum spp. anatolicum Boiss, no grupo de espécies alógamas, e S. striticum africanum Stapf, no grupo das autógamas. Já S. vavilovii, autógama e de ciclo anual, é fortemente relacionada com o grupo de S. cereale e S. silvestre, sendo a espécie de maior diferença no grupo.

Levando em consideração as bases genéticas do centeio em relação às demais espécies cultivadas, era esperado que ele evidenciasse maior intensidade de progresso por dois motivos: em primeiro lugar, o fato de ser uma espécie diploide proporciona maiores êxitos na acumulação e utilização de genes importantes; em segundo lugar, a espécie possui um sistema reprodutivo com elevada frequência de fecundação cruzada, possibilitando, dessa forma, que as constituições genéticas superiores por recombinação deixem maior número de progênies ajustadas aos diferentes ambientes. Com isso, seria esperado que o centeio tivesse maior adaptabilidade do que espécies tetraploides e hexaploides cultivadas; entretanto, isso não ocorre, principalmente pelo fato de que a fecundação cruzada e o nível de ploidia não são os únicos fatores evolutivos que determinam a adaptabilidade das espécies.

Origem e domesticação

A região geográfica apontada como centro de origem primário do centeio é o sudoeste da Ásia, localização onde se encontra o maior número de acessos das espécies consideradas ancestrais do gênero Secale. Entretanto, os primeiros relatos da existência de plantas de centeio foram contemporâneos aos ancestrais do trigo e da cevada, datados entre os anos de 10000 e 8000 a.C., sugerindo que um local de origem secundário pode ser a mesma região de origem desses cereais, ou seja, os países do Crescente Fértil e o Afeganistão (BUSHUK, 2001) – Figura 2. Para o processo de domesticação, a hipótese mais aceita é a inicialmente formulada por Vavilov (1917), na qual o centeio é enquadrado como cereal de importância secundária em relação ao trigo e à cevada. O propósito de utilização na agricultura iniciou muito tempo depois desses dois cereais, quando se empregou o uso dos grãos em produtos farináceos.

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Figura 2. Regiões geográficas que correspondem aos centros de origem e às vias de disseminação do centeio cultivado (S. cereale) até chegar às Américas.

Fonte: Max Plank Institute für Züchtungsforschung (2006).

As evidências das formas ancestrais apontam para características de planta perene e de autofecundação, sendo largamente distribuída como planta daninha nas regiões de origem. Provavelmente houve a participação de quatro espécies ancestrais dentro do processo evolutivo até a derivação para a espécie cultivada (S. cereale). Os detalhes da alteração da forma perene verificada no S. montanum para a forma anual cultivada não são claramente conhecidos e apresentados na literatura. Entretanto, existe consenso de que a S. montanum seja realmente a espécie primitiva em relação às demais (EVANS, 1995).

O estabelecimento do centeio em cultivo foi favorecido principalmente pelo componente evolutivo da seleção natural e também da seleção realizada inconscientemente pelos agricultores (EVANS, 1995). Alguns caracteres de planta sofreram pressão de seleção com maior intensidade e tiveram grande importância na fase inicial da domesticação, como a ausência de dormência, deiscência natural dos grãos, incremento na capacidade competitiva e no tamanho dos grãos.

Estudos com marcadores moleculares realizados por Cuadrado e Jouve (2002) buscaram avaliar as diferenças existentes entre as espécies de Secale, auxiliando no entendimento do processo evolutivo do centeio. Os resultados evidenciaram diferenças em nível de DNA entre todas as espécies, porém indicam que existem regiões genômicas extremamente conservadas. As modificações ocorridas durante o processo evolutivo, que representam as atuais diferenças entre as espécies do gênero, são justificadas por alterações morfológicas nos cromossomos (não numéricas), por meio de deleções e/ou duplicações de sequências de DNA, tendo como consequência a perda ou ganho de funções importantes nos caracteres considerados de interesse agronômico. Por exemplo, a alteração do hábito de planta perene para anual e de autofecundação para fecundação cruzada, entre as espécies ancestrais e a forma cultivada, podem ser interpretadas como ajustes adaptativos que favoreceram a disseminação do centeio em nível mundial.

No centro de origem, que se caracteriza como o local de maior variabilidade genética, ainda é possível verificar a existência de diferenças morfológicas para todos os caracteres da planta, apesar de terem ocorrido perdas de variabilidade durante o processo de seleção natural, os quais não estão presentes nos bancos de germoplasma mundiais (ESTADOS UNIDOS, 2006b). Para coloração de espiga, existem variações de tonalidade, desde a amarelo-clara até a marrom-escura, enquanto os grãos podem se apresentar de cor verde, castanha, violácea e até mesmo tender para o preto. A espiga revela variações no tamanho, desde largas e curtas a finas e compridas, e na forma, de ereta a decumbente. As glumas podem se apresentar frágeis ou duras e com variações no nível de aderência dos grãos. As aristas variam de tamanho, podendo estar presentes ou ausentes. A estatura das plantas, o formato das folhas e o hábito de crescimento também são caracteres que apresentam grande variabilidade. A existência dessa variabilidade genética representa grande importância para o melhoramento genético da espécie, sendo fonte de genes que muitas vezes não estão presentes nas constituições genéticas atuais.

História antiga

Inicialmente o centeio foi observado como planta daninha no cultivo do trigo e da cevada. Sua disseminação para novas áreas foi iniciada pelo advento da domesticação desses cereais. Por esse motivo, pode ter havido coevolução no processo evolutivo do centeio com o trigo, com a cevada e até mesmo com a aveia. O marco da domesticação do centeio é datado entre os anos de 4000 e 3000 a.C., quando o cultivo foi adotado pelos europeus, atraídos pelo melhor desenvolvimento das plantas em relação aos demais cereais, em solos com menor fertilidade e condições climáticas de temperaturas baixas (STOSKOPF, 1985). Sua utilização teve importância inicialmente com os grãos moídos na forma de farinha para fabricação de pães, tanto no sul da Europa e Ásia quanto no norte da África. Desses locais, o roteiro de disseminação destacou vias pelo sul da Europa em direção ao centro e ao norte, bem como da Ásia para países como Rússia, Polônia e Alemanha (Figura 2).

História recente

O centeio chegou às Américas vindo, provavelmente, da Europa, por volta do século 15 ou 16. Os países que introduziram o cultivo do centeio foram os Estados Unidos e o Canadá. Somente durante os séculos 19 e 20 é que o centeio foi introduzido na América do Sul, inicialmente na Argentina, no Uruguai e no Sul do Brasil – Figura 2 – (BUSHUK, 2001).

A partir dos centros de origem, quando iniciou a dispersão pelo norte europeu, o centeio se tornou importante espécie cultivada. Esse fato promoveu o desenvolvimento de muitas variedades crioulas (landraces) na região. Muitas dessas variedades foram desaparecendo com o surgimento de programas de melhoramento a partir do final do século 19, porém algumas dessas variedades ainda são preservadas em bancos de germoplasma ou ainda são cultivadas por alguns agricultores por interesse próprio (PERSSON; BOTHMER, 2002).

Benefícios à saúde humana

Até os anos de 1970, pouca importância era dada aos estudos relacionados à nutrição humana. Um pronunciado interesse, especialmente relacionado às fibras e a outras propriedades nutricionais dos cereais, foi impulsionado com a publicação da hipótese de Denis Burkitt em 1971, a qual versava sobre o uso das fibras nas dietas alimentares. Porém, com relação ao centeio, o maior impacto e a maior importância nas pesquisas científicas modernas relacionadas à nutrição e à alimentação humana só ocorreram a partir de 1994, quando o Programa de Desenvolvimento Tecnológico da Finlândia implantou o projeto Rye and Health, numa iniciativa conjunta dos países do norte europeu, com o objetivo de estudar compostos inibidores de cânceres. Em 1997, o primeiro resultado desse projeto demonstrou como a dieta com farelo de centeio retarda o desenvolvimento do câncer de próstata. Nesse mesmo período, outros estudos concluíram que a dieta inibe a formação de certos tipos de câncer intestinal.

Alguns benefícios que o centeio promove já são amplamente discutidos, entre eles:

1) Efeitos positivos sobre o metabolismo de açúcares: a fibra insolúvel e o grão inteiro do centeio têm a propriedade de reduzir a necessidade de produção de insulina pelo pâncreas após as refeições, ajudando a nivelar a insulina no sangue, reduzindo o risco da diabete do tipo 2.

2) Redução do risco de doenças cardiovasculares: produtos à base de centeio e aveia são ricos em betaglucanas, redutores dos triglicerídeos e do colesterol.

3) Controle da massa corporal: dietas ricas em fibras do centeio promovem rápido fluxo intestinal. Além disso, o nível de açúcar no sangue flutua menos após as refeições, e isso prolonga o efeito da satisfação alimentar, refletindo no controle da massa corporal.

4) Redução do risco de câncer: dietas ricas em fibras de grãos de centeio têm efeito na redução do risco de câncer de colo de útero. Pessoas que apresentam elevados níveis de compostos da lignina no sangue revelaram menores riscos de câncer de mama e câncer de próstata. Nesse processo, a lignina (antioxidante) se converte em compostos intermediários por meio de fermentação bacteriana, e esses compostos têm efeito sobre cânceres induzidos por hormônios. Pesquisadores do norte da Europa mostraram que, entre os cereais, o centeio apresenta significativa composição de lignina em diversas partes do grão e comprovaram a conversão de tais compostos intermediários pelo organismo humano. Atualmente, sabe-se que, sinônimo de coração saudável, com baixo risco de ataques cardíacos, está intimamente associado com conteúdos desses compostos da lignina no sangue.

5) Outros suplementos saudáveis: o centeio contém outros componentes benéficos, tais como vitaminas, minerais, antioxidantes e fitoestrógenos. Muitos dos efeitos benéficos à saúde provêm desses componentes do grão inteiro ou das fibras.

As fibras insolúveis do centeio, além de contribuírem para o fluxo intestinal, reduzem a secreção de ácidos biliares (formadores das pedras na vesícula). Problemas como a ocorrência de obesidade e de doenças cardiovasculares, doenças também conhecidas como síndromes metabólicas, afetam pessoas do mundo todo, e, nesse sentido, pesquisas têm sido conduzidas de modo a desenvolver novos produtos e dar orientações aos consumidores sobre dietas mais saudáveis. Os pesquisadores estão especialmente interessados no efeito sobre o sentimento de satisfação alimentar por meio da ingestão de produtos à base de grãos inteiros, e o centeio tem mostrado um grande potencial nesse aspecto. Uma vez definida mais claramente a relação de causa e efeito, baseado nos benefícios à saúde, o centeio pode se tornar importante opção nutricional no intuito de inibir a origem de inúmeras doenças existentes (BUSHUK; TKACHUK, 1992).

Em 1999, nos Estados Unidos, o United State Food and Drug Administration (FDA) aprovou que as embalagens de produtos que contenham, no mínimo, 51% de massa de ingrediente com grãos inteiros apresentem a seguinte frase impressa: Diets rich in whole grain foods and other plant foods and low in total fat, saturated fat, and cholesterol, may help reduce the risk of heart disease and certain cancers (Dietas ricas em grãos inteiros e outros produtos vegetais com baixos teores de gordura total, gorduras saturadas e colesterol podem ajudar na diminuição de riscos de doenças cardiovasculares e certos cânceres). Dessa forma, muitos pães e barras de cereais com centeio satisfazem essa condição e carregam essa informação nas embalagens.

Biotecnologia e melhoramento

Durante os últimos 20 anos, um grande progresso foi obtido a partir do desenvolvimento de híbridos de centeio. Em 2003, híbridos desenvolvidos e cultivados na Alemanha superavam as melhores variedades de polinização aberta, em média de 20%. Progressos com os híbridos também foram obtidos tanto na resistência ao acamamento e à ferrugem-da-folha, quanto na melhoria da qualidade de panificação. Assim, mais recentemente, maior esforço tem sido empreendido com relação ao desenvolvimento de híbridos nos programas de melhoramento de centeio. Em países de maior tradição no cultivo e na pesquisa, os híbridos apresentam grande importância em relação às variedades de polinização aberta. Na Alemanha, estão registrados 17 híbridos, que correspondem a 60% do centeio cultivado. Alguns desses híbridos também estão registrados e distribuídos na Áustria, Dinamarca, França, Grã-Bretanha e nos Países Baixos. Outros programas de melhoramento de centeio híbrido estão situados na Suécia. Na Polônia, existem dois e, na Rússia, existem vários. Fora da Europa, há apenas um programa de melhoramento de híbridos, situado na Universidade de Sidney, Austrália.

Os trabalhos de Dorsey (1936) demonstraram a possibilidade de produção de centeio tetraploide, por intermédio da aplicação de colchicina em centeios 2n=14x, formando autotetraploides 2n=28x, o que motivou o desenvolvimento de variedades comerciais com esse nível de ploidia, principalmente pelo expressivo aumento do tamanho de órgãos vegetativos e reprodutivos. Em virtude disso, inúmeras constituições genéticas foram desenvolvidas, nas quais o ganho maior se refletiu no incremento do tamanho do grão, que chegou a ser 53% superior em relação às melhores variedades diploides. Porém, os genótipos tetraploides não sobressaíam aos diploides, por causa das desvantagens para produção comercial, tais como a elevada taxa de esterilidade, o reduzido afilhamento, a produtividade no máximo igual às variedades diploides e outros aspectos associados às espécies tetraploides.

O centeio possui potencial para contribuir com genes ou segmentos cromossômicos de importância para o trigo e outros cereais (DRISCOLL; ANDERSON, 1967; MA et al., 2004). Por meio da substituição ou translocação cromossômica para o trigo, tem havido incremento da diversidade genética do trigo em caracteres importantes (KUMLAY et al., 2003). A translocação do braço curto do cromossomo 1 do centeio (1RS) para o braço longo dos cromossomos do grupo 1 do trigo tem despertado interesse dos melhoristas, em particular, porque o braço 1RS carrega genes de resistência a estresses bióticos, aracnídeos e insetos (MCINTOSH, 1984). A translocação do braço 1RS do centeio para os cromossomos 1AL (braço longo do cromossomo 1 no genoma A) e 1BL (braço longo do cromossomo 1 no genoma B) do trigo tem sido de maior importância, pois além dos genes de resistência a moléstias, também melhora caracteres agronômicos de interesse como ampla adaptabilidade e estabilidade de produção (MCKENDRY et al., 1996). Entretanto, o efeito dessa translocação frequentemente tem mostrado que a qualidade final desses trigos pode não ser satisfatória (alterações na viscosidade e expansão da massa, principalmente) se comparados ao trigo com os cromossomos padrão. Essa alteração na qualidade final da farinha desses trigos com a translocação do 1RS do centeio ocorre em função da substituição de um braço longo dos cromossomos do grupo 1 do trigo, o qual carrega genes importantes da composição proteica (gliadinas e gluteninas de alto peso molecular). Carver e Rayburn (1995) mostraram que trigos com a translocação 1RS.1BL revelaram pequeno aumento no teor proteico, porém houve decréscimo da estabilidade da massa e do volume de sedimentação em SDS (Dodecil Sulfato de Sódio). Da mesma translocação, Moreno-Sevilla et al. (1995), testando linhas F3 contento 1RS.1BL, mostraram que há 9% de superioridade de produtividade em relação a trigos com genoma padrão. Em relação à translocação simples para o genoma D do trigo, Shepherd et al. (1992) detectaram que a translocação 1RS.1DL afetou negativamente a viscosidade da massa se comparada à translocação 1RS.1BL. Além disso, Graybosch et al. (1993) mostraram que a translocação 1RS.1AL afeta menos a qualidade da farinha de trigo, quando comparada à translocação 1RS.1BL. Dessa forma, a translocação 1RS.1AL tem sido considerada a melhor forma na utilização de genes de interesse do centeio para o melhoramento do trigo (GRAYBOSCH et al., 1993; KUMLAY et al., 2003). Porém, Pena et al. (1990) e Lee et al. (1995) mostraram que é possível selecionar constituições genéticas com qualidade de panificação aceitável de linhas que carregam a translocação 1RS.1BL.

Perspectivas

O desenvolvimento e a aplicação de ferramentas moleculares em centeio ainda são recentes, uma vez que poucos grupos de pesquisa trabalham com esse cereal, aliado ao fato de que possui um genoma relativamente grande. O estudo mais detalhado do genoma pode ser recompensado pelo fato de que o centeio é uma espécie diploide e de fecundação cruzada, com elevado grau de polimorfismo, e demonstra tolerância a estresses bióticos e abióticos, que não são encontrados em espécies de gramíneas correlacionadas. Além disso, esses apontamentos chamam a atenção dos pesquisadores, pois atualmente o centeio, entre os cereais, é a única espécie com grãos pequenos que possibilita o desenvolvimento de híbridos comercias e, dessa forma, pode servir de modelo no melhoramento de híbridos em trigo e em triticale.

Em decorrência da sintenia (conservação no conteúdo entre genomas) na tribo Triticeae, o desenvolvimento de marcadores moleculares para o centeio tem sido facilitado. Comparações entre os mapas genéticos de espécies dessa tribo, que inclui trigo, cevada, centeio, aveia e outras espécies silvestres correlatas, como Aegilops spp., por exemplo, mostram grande colinearidade entre regiões dos diferentes genomas. O genoma do centeio é altamente colinear com o do trigo hexaploide, diferindo em apenas sete rearranjos cromossômicos. Naranjo e Fernández-Rueda (1991) mostraram inversão pericêntrica no cromossomo 4R, translocação recíproca entre 3RL e 6RL e múltiplas translocações envolvendo 4RL, 5RL, 6RS e 7RS dos cromossomos do centeio em relação aos do trigo. Os braços 1RS, 1RL, 2RL, 3RS e 5RS do centeio mostram elevada homologia com os mesmos cromossomos do trigo. Isso possibilita o uso de um grande número de marcadores RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism), SSR ou microssatélites (Simple Sequence Repeats) e AFLP (Amplified Fragment Length Polymorphisms) do trigo, alguns da cevada e aveia, diretamente no centeio.

Alguns caracteres morfológicos tiveram seus genes localizados nos cromossomos do centeio, entre eles o hábito primaveril (sp), o endosperma ceroso (Wx – waxy), genes de resistência ao oídio e à ferrugem-da-folha e genes relacionados à restauração da fertilidade do pólen. Por meio de marcadores genéticos e moleculares, dois genes dominantes de resistência à ferrugem-da-folha, Pr1 e Pr2, foram mapeados nos cromossomos 6RL e 7RL, respectivamente. Em genótipos, onde esses genes foram incorporados, ambos foram efetivos em relação aos isolados de virulência complexa, tanto em testes em plântulas em laboratório quanto nas plantas adultas em condições de campo. Também nos cromossomos 1RS e 4RL foram mapeados genes de resistência monogênica à ferrugem-da-folha, os quais se mostraram efetivos na redução da virulência.

Em virtude da atual ênfase dada à genômica funcional, os bancos de dados de ESTs (Expressed Sequence Tags) acumulam constantemente informações de um grande número de espécies. Para o centeio, os estudos nesse sentido estão em fase inicial de desenvolvimento e poderão contribuir de forma significativa para o melhoramento da espécie, sendo o mesmo válido para novos estudos com QTLs (Quantitative Traits Loci). Também existem para o centeio, informações que estão sendo depositadas continuamente em bibliotecas de BAC (Bacterial Artificial Chromosome).

A utilização de germoplasma exótico foi e está sendo amplamente usada no melhoramento de caracteres de linhas puras para o desenvolvimento do centeio híbrido ou até mesmo de populações melhoradas. Com a utilização de populações de retrocruzamento, segmentos do genoma podem ser identificados e seus respectivos QTLs podem ser mapeados. Se, por meio de marcadores moleculares, as introgressões são restringidas aos segmentos do cromossomo doador, essa ferramenta pode ser empregada em condições de campo e no mapeando dos QTLs da respectiva população, os quais, posteriormente, podem ser transferidos para constituições genéticas elite por meio de retrocruzamento e selecionados de maneira assistida por meio dos marcadores moleculares detectados.

As inúmeras vantagens agronômicas do centeio apresentadas neste capítulo, aliadas às recentes descobertas dos benefícios que pode trazer à saúde humana, fazem do centeio uma espécie de grandes possibilidades tanto de cultivo quanto de uso. Esses aspectos têm provocado os cientistas a desenvolverem pesquisas visando à identificação de genes de interesse e à possível incorporação desses genes em linhas elite, ou ainda em outros cereais com maior importância econômica. Além disso, o melhor entendimento e compreensão dos benefícios do centeio à saúde podem beneficiar a população mundial como um todo.

Referências

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