Mamão

Foto: Valder Valeirão

Mamão

Ana Lúcia Cunha Dornelles

O mamão (Carica papaya L.) é, sem dúvida, a espécie de maior importância econômica da família Caricaceae, e é bastante cultivado em regiões tropicais. Conforme dados da FAO (FAO, 2006), em 2005 o Brasil foi o segundo maior produtor mundial, superado apenas por Belize. De acordo com o IBGE (2006), a Bahia foi o estado com maior produção de mamão em 2004 (723.907 t), e o Espírito Santo foi o segundo produtor (650.678 t). Esses dois estados foram os responsáveis por mais de 80% da produção nacional. O crescimento da produção de mamão no Brasil nas últimas décadas tem sido acompanhado não só por um aumento importante do consumo interno, como também por um incremento considerável da exportação.

O principal produto do mamoeiro é o fruto de aspecto bastante variável, de formato redondo a alongado ou piriforme, com polpa cujo tom varia do amarelo ao vermelho-alaranjado. O tamanho, por sua vez, é bastante diversificado, de forma que podem ser encontrados, no mercado, frutos com peso inferior a 500 g, enquanto outros podem chegar a pesar mais de 3 kg (FERRÃO, 1993; CTENAS et al., 2000; SILVA, 2001). Porém, além de seus frutos – que são consumidos principalmente frescos – e de seus produtos industrializados (néctar, polpa desidratada, purê, compotas), outro produto do mamoeiro, a papaína, possui bastante importância. Destaca-se por ser uma enzima com grande atividade proteolítica, encontrada em praticamente todas as partes da planta – com exceção de nas raízes – e, principalmente, nos frutos verdes, nos quais ocorre em maior quantidade (FERRÃO, 1993; VAUGHAN; GEISSLER, 1997). Em escala doméstica, é conhecida a prática de envolver pedaços de carne com folhas de mamoeiro para amaciá-la. Em países como Sri Lanka, Tanzânia e Uganda, o mamão verde é produzido em grande escala para a extração de papaína purificada, que é utilizada pela indústria alimentícia em alimentos pré-cozidos, queijos, gomas de mascar, alimentos infantis e para amaciamento de carnes. Na indústria farmacêutica, é usado principalmente no tratamento do aparelho digestivo, na cicatrização de feridas e como vermífugo (MANICA, 1982; SILVA, 2001).

De acordo com Ferrão (1993), o termo mamão, usado principalmente para designar os frutos arredondados de C. papaya, é originado de mama por possuir uma forma semelhante aos seios da mulher branca, enquanto os frutos alongados são denominados papaia. Porém, segundo esse mesmo autor, em outras regiões, principalmente nos países africanos, essas denominações são invertidas, tendo-se em vista que os seios da mulher rural africana são alongados pela amamentação. Porém, o que se observa no Brasil é que a denominação papaia passou a ser utilizada para designar os frutos alongados menores (típico das cultivares do grupo Solo), lançados comercialmente a partir da década de 1970, originados do Havaí (EUA) e introduzidos inicialmente na Região Amazônica (daí a denominação mamão-do-pará).

A família Caricaceae é constituída de seis gêneros, formados por plantas herbáceas, arbustivas ou arborescentes. O gênero Vasconcella, com 21 espécies, é o maior, seguido do gênero Jacaratia, com 7 espécies, ambos originários predominantemente da América do Sul. Os outros gêneros são: Jarilla, com três espécies originárias do México e da Guatemala; Horovitzia, com uma espécie nativa do México; e Cylicomorpha (com duas espécies), que é o único gênero cuja origem ocorreu fora do continente americano – na África Equatorial (DROOGENBROECK et al., 2002).

A espécie C. papaya é a única do gênero Carica desde a revisão realizada por Badillo (2000), o qual reabilitou o gênero Vasconcella Saint-Hilaire, anteriormente considerado uma seção do gênero Carica.

Em análise citológica realizada por Darlington et al. (1945), citados por Aradhya et al. (1999) e confirmada por Magdalita et al. (1997), todos os membros da família Caricaceae são diploides (2n=2x=18) e dioicos, com exceção de algumas espécies do gênero Vasconcella e de C. papaya, que, segundo Storey (1976), ocorre em três formas sexuais básicas: pistilada, estaminada e andromonoica.

Em trabalho envolvendo híbridos intergenéricos de Carica e Vasconcella, Droogenbroeck et al. (2005) demonstraram que, como a maioria das angiopermas, esses gêneros apresentam herança materna das organelas citoplasmáticas, o que viabiliza a realização não só de estudos filogenéticos a partir do DNA dessas organelas, mas também trabalhos de melhoramento genético em características codificadas por genes mitocondriais ou de cloroplastos.

A forma silvestre de C. papaya – cuja origem se atribui a uma espécie de frutos pequenos, em regiões de terras baixas entre o México e o Panamá – possui distribuição na América Central, e diversos autores defendem que um processo de domesticação tenha ocorrido totalmente nessa região (STOREY, 1976; MANSHARDT, 1992; ARADHYA et al., 1999). A distribuição para o resto do Caribe e o sudeste asiático, e, em seguida, para a Índia, o Pacífico e a África, ocorreu, segundo Villegas (1997), durante a exploração espanhola a partir do século 16.

Segundo relatos de Ctenas et al. (2000), a introdução do mamoeiro no Brasil aconteceu na costa nordestina, por intermédio dos portugueses, no final do século 16, de onde estes o difundiram pela África e, juntamente com os espanhóis, pela Índia.

Na década de 1970, a cultura do mamoeiro no Brasil, bastante restrita a pomares domésticos e a pequenas propriedades, sofreu um impacto marcante pela introdução das variedades do grupo Solo, originadas do Havaí (EUA), com frutos pequenos, de sabor mais doce e com polpas mais alaranjadas, diferentes dos frutos amarelos e de sabor insípido, pouco apreciados. Essa introdução ocorreu inicialmente no Estado do Pará, e esses frutos tornaram-se conhecidos rapidamente em todo o País como papaia, mamão-papaia, mamão-do-amazonas, mamão-do-pará ou mamãozinho. Durante os últimos 30 anos, a produção de mamão no Brasil cresceu consideravelmente, como já foi mencionado.

Estudos filogenéticos, envolvendo caracteres morfológicos (BADILLO, 1971, 1993, 2000) e moleculares (ARADHYA et al., 1999; OLSON, 2002; KYNDT et al., 2005), demonstram que o gênero Cylicomorpha, o único nativo da África tropical, é o mais primitivo da família, ocorrendo exclusivamente em ambientes úmidos. Porém, em relação aos demais gêneros, segundo Kyndt et al. (2005), os resultados com marcadores morfológicos discordam dos obtidos com marcadores moleculares. Enquanto a hipótese de Badillo (1971, 1993) estabelece que os gêneros Jarilla, Carica e Vasconcella são originados do gênero Jacaratia, os trabalhos com marcadores moleculares (ARADHYA et al., 1999; OLSON, 2002; KYNDT et al., 2005), concluíram que Jacaratia pode ter um ascendente comum com Vasconcella, mas não com Carica.

A hipótese mais aceita atualmente é a de que os progenitores dos gêneros centro-americanos (Carica e Jarilla) devem ter divergido bastante cedo dos gêneros sul-americanos (Vasconcella e Jacaratia), bem antes da formação do Istmo do Panamá, há 3 milhões de anos (ARADHYA et al., 1999; DROOGENBROECK et al., 2002; KYNDT et al., 2005).

Uma possibilidade, segundo Aradhya et al. (1999), seria a chegada dos progenitores desses gêneros à América Central via dispersão, por meio de uma cadeia de ilhas entre os continentes, e a posterior evolução de forma isolada dos demais membros da família Caricaceae. De acordo com esse mesmo autor, baseado em dados biogeográficos, esses eventos podem ter ocorrido durante o final do período Cretáceo e início do Terciário (entre 70 e 60 milhões de anos atrás), ou no final do Mioceno (cerca de 10 milhões de anos atrás), períodos em que foram documentados movimentos de outras espécies de animais e de plantas entre as Américas do Sul e do Norte.

Além do mamão, o babaco (Vasconcella x heilbornii Badillo), da mesma família, é cultivado em algumas regiões subtropicais. Originário de regiões de maior altitude do Equador e da Colômbia, apresenta como grande vantagem a produção de frutos sem sementes, é estéril e propagado exclusivamente de forma vegetativa, fatos que se devem a sua origem híbrida (KEMPLER; KABALUK, 1996). Badillo (1993), tomando como princípio dados de morfologia, e Jobin-Décor et al. (1997), com base em isoenzimas e em marcadores moleculares do tipo Randomly Amplified Polymorphic DNA (RAPD), concluíram que o babaco é um híbrido entre as espécies V. stipulata (Badillo) Badillo e V. cundinamarcensis Badillo. Porém, essa ascendência não foi confirmada por estudos realizados com marcadores de DNA de cloroplastos (ARADHYA et al., 1999; DROOGENBROECK et al., 2004).

Outros mamoeiros de altitude (Vasconcella spp.) possuem importância regional, principalmente nas regiões da América do Sul, de onde são nativos (KEMPLER; KABALUK, 1996; ARADHYA et al., 1999).

Apesar de atualmente já estar confirmada uma distância filogenética significativa entre os gêneros Carica e Vasconcella (JOBIN-DECOR et al., 1997; ARADHYA et al., 1999; DROOGENBROECK et al., 2004; KYNDT et al., 2005), diversos programas de melhoramento genético de mamoeiro utilizam cruzamentos entre C. papaya e Vasconcella spp. Esses programas têm como objetivo incorporar aos genótipos superiores de mamão características importantes, para as quais, nessa espécie, não existe variabilidade. Uma dessas características é a resistência a moléstias, tais como a causada pelo Vírus da Mancha Anelar do Mamoeiro (PRSV) (MANSHARDT; WENSLAFF, 1989; MAGDALITA et al., 1997; VEGAS et al., 2003).

Referências

ARADHYA, M. K.; MANSHARDT, R. M.; ZEE, F. MORDEN, C. W. A phylogenetic analysis of the genus Carica L. (Caricaceae) based on restriction fragment length variation in a cpDNA intergenic spacer region. Genetic Resources and Crop Evolution, Dordrecht, v. 46, p. 579-586, 1999.

BADILLO, V. M. Carica L. vs. Vasconcella St. Hil.(Caricaceae): con la rehabilitación de este último. Ernstia, Maracay, v. 10, p. 74-79, 2000.

BADILLO, V. M. Caricaceae. Segundo Esquema. Revista de la Faculdad Agronomia Universidad Central de Venezuela, Maracay, v. 43, p. 1-111, 1993.

BADILLO, V. M. Monografia de la familia Caricaceae. Maracay: Asociacion de Professores, 1971. 221 p.

CTENAS, M. L. B.; CTENAS, A. C.; QUAST, D. Frutas das terras brasileiras. São Paulo: C2 Editora, 2000. 157 p.

DROOGENBROECK, B.van; BREYNE, P.; GOETGHEBEUR, P.; ROMEIJN-PEETERS, E.; KYNDT, T.; GHEYSEN, G. AFLP analysis of genetic relationships among papaya and its wild relatives (Caricaceae) from Ecuador. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 105, p. 289-297. 2002.

DROOGENBROECK, B.van; KYNDT, T.; MAERTENS, I.; ROMEIJN-PEETERS, E.; SCHELDEMAN, X.; ROMERO-MOTOCHI, J. P.; VAN DAMME, P.; GOETGHEBEUR, P.; GHEYSEN, G. Phylogenetic analysis of the highland papayas (Vasconcellea) and allied genera (Caricaceae) using PCR-RFLP. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 108, p. 1.473-1.486. 2004.

DROOGENBROECK, B.van; MAERTENS, I.; HAEGEMAN, A.; KYNDT, T.; O’BRIEN, C.; DREW, R. A.; GHEYSEN, G. Maternal inheritance of cytoplasmic organelles in intergeneric hybrids of Carica papaya L. and Vasconcellea spp (Caricaceae Dumort., Brassicales). Euphytica, Wageningen, v. 143, p. 161-168. 2005.

FAO. Faostat data. Disponível em: <http://faostat.fao.org/faostat/form?collection= Production.Crops.Primary&Domain=Production&servlet=1&hasbulk=0&version=ext&language=EM>. Acesso em: 29 jun. 2006.

FERRÃO, J. E. M. A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1993. 241 p.

IBGE. SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z= t&o=10&i=P>. Acesso em: 29 jun. 2006.

JOBIN-DECOR, M. P.; GRAHAM, G. C.; HENRY, R. J.; DREW, R. A. RAPD and isozyme analysis of genetic relationships between Carica papaya and wild relatives. Genetic Resources and Crop Evolution, Dordrecht, v. 44, p. 471-477, 1997.

KEMPLER, C.; KABALUK, T. Babaco (Carica pentagona Heilb.): a possible crop for the greenhouse. HortScience, Alexandria, v. 31, p. 785-788, 1996.

KYNDT, T.; DROOGENBROECK, B.van; ROMEIJN-PEETERS, E.; ROMERO-MOTOCHI, J. P.; SCHELDEMAN, X.; GOETGHEBEUR, P.; VAN DAMME, P.; GHEYSEN, G. Molecular phylogeny and evolution of Caricaceae based on rDNA internal transcribed spacers and chloroplast sequence data. Molecular Phylogenetics and Evolution, Chicago, v. 37, p. 442-459. 2005.

MAGDALITA, P. M.; DREW, R. A.; ADTIKINS, S. W.; GODWIN, I. D. Morphological, molecular and cytological analyses of Carica papaya x C. cauliflora interespecific hybrids. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 95, p. 224-229, 1997.

MANICA, I. Fruticultura Tropical 3: Mamão. São Paulo: Agronômica Ceres, 1982. 256 p.

MANSHARDT, R. M. Papaya. In: HAMMERSCHLAG, F. A.; LITZ, R. E. (Ed.). Biotechnology of perennial fruit crops. Wallingford: CAB, 1992. p. 489-511.

MANSHARDT, R. M.; WENSLAFF, T. F. Interespecific hybridization of papaya with other Carica species. Journal of the American Society for Horticultural Science, Alexandria, v. 114, p. 689-694, 1989.

OLSON, M. E. Intergeneric relationships within the Caricaceae-Moringaceae clade (Brassicales) and potential morphological synapomorphies of the clade and its families. International Journal of Plant Sciences, Chicago, v. 163, p. 51-65, 2002.

SILVA, S. Frutas no Brasil. São Paulo: Empresa das Artes, 2001. 230 p.

STOREY, W. B. Papaya, Carica papaya. In: SIMMONDS, N. W. (Ed.). Evolution of crop plants. London: Longman, 1976. p. 21-24.

VAUGHAN, J. G.; GEISSLER, C. The Oxford book of food plants. New York: Oxford University Press, 1997. 239 p.

VEGAS, A.; TRUJILLO, G.; SANDREA, Y.; MATA, J. Obtención, regeneración y evaluación de híbridos intergenéricos entre Carica papaya y Vasconcellea cauliflora. INCI, Caracas, v. 28, n. 12, p. 710-714, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.org.ve/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0378-18442003001200008 &lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 29 jun. 2006.

VILLEGAS, V. N. Carica papaya L. In: VERHEIJ, E. W. M.; CORONEL, R. E. (Ed.). Edible fruits and nuts. Wageningen: Pudoc, 1997. v. 2. p. 108-111.