Morangos

Foto: Rosa Lía Barbieri

Morangos

Elisane Schwartz

Rosa Lía Barbieri

O morango (Fragaria x ananassa Duch.) é cultivado na maioria dos países de clima temperado, e também em alguns de clima subtropical. Tem apelo universal por satisfazer sensações visuais, olfativas e gustativas, podendo ser consumido in natura ou utilizado para a elaboração de sobremesas, de sucos, de compotas, de geleias e de sorvetes. Do ponto de vista nutricional, o morango é valorizado por seu baixo valor calórico (40 kcal/100 g de polpa) e alto percentual de vitamina C, de potássio, de fibras e de antocianinas. Além disso, substâncias dele extraídas são usadas como ingrediente em produtos cosméticos, como cremes antirrugas e tônicos para a pele (CTENAS et al., 2000).

O maior produtor mundial de morangos é os Estados Unidos, seguido da Espanha, do Japão, da Polônia, do México e da Itália. A produção brasileira está em torno de 100 mil toneladas, concentradas, principalmente, em Minas Gerais, em São Paulo e no Rio Grande do Sul (REICHERT; MADAIL, 2003). Do ponto de vista econômico e social, a produção de morangos destaca-se por ser uma atividade rentável, que absorve um elevado contingente de mão de obra ao longo de todo o seu ciclo.

Uma produtividade na ordem de 18 t/ha a 20 t/ha pode ser obtida com uso de pouca tecnologia (MADAIL et al., 2005). Em ambientes mais favoráveis, e com o uso de variedades apropriadas, há registro de produtividade em torno de 50 t/ha a 100 t/ha. As plantas são sazonais e produzem uma sequência de inflorescência e estolões. Geralmente, a propagação é feita assexuadamente, por meio de estolões, nos quais cada planta obtida é um clone da planta matriz. A micropropagação tem sido utilizada para a obtenção de plantas livres de vírus (JONES, 1995). Embora seja uma espécie perene, o morangueiro é cultivado como anual, visto que suas mudas são substituídas a cada um ou dois anos, para manter uma boa produtividade.

Botânica e fisiologia

O morangueiro é uma angiosperma dicotiledônea pertencente à família Rosaceae. Essa grande e diversificada família inclui muitos frutos de estimado valor para o consumo humano, como maçãs, pêssegos, framboesas e amoras. Algumas características, como gineceu súpero apocárpico e multipistilado, desenvolvimento de ovários em frutos indeiscentes do tipo aquênio e folhas trifoliadas, fazem que o gênero Fragaria, que compreende cerca de 46 espécies, enquadre-se dentro da tribo Roseae ou Potentilleae (GALLETTA; BRINGHRUST, 1990; JONES, 1995). O morango é um fruto múltiplo, composto por receptáculo floral expandido e por diversos frutículos do tipo aquênio, que contêm as sementes e se prendem ao receptáculo. A parte suculenta é constituída pelo receptáculo carnoso, geralmente de coloração vermelha no morango cultivado (CAMARGO et al., 1963; VAUGHAN; GESSLER, 1997).

A indução de gemas florais no morangueiro depende de fatores como temperatura e fotoperíodo, e as cultivares podem enquadrar-se em três classes distintas relacionadas ao florescimento: as que florescem uma, duas ou mais de duas vezes por ano. A maioria das cultivares de morango floresce uma vez ao ano, produzindo, portanto, uma única safra anual. Essas cultivares são conhecidas como de dias curtos, june bearing ou noneverbearing. Desenvolvem gemas florais quando o fotoperíodo é menor do que 12 ou 14 horas, e as temperaturas são inferiores a 15 °C, o que coincide com o final do verão e o princípio do outono. Dos que florescem mais de uma vez ao ano, chamados de everbearers, há um grupo conhecido como de dias longos, e outro conhecido como de dias neutros. As cultivares de dias longos (reflorescentes ou remontantes) diferenciam gemas florais, especialmente quando os dias são mais longos, produzem menos estolões e tendem a formar múltiplas coroas. Muitas espécies silvestres pertencem a esse grupo e produzem uma safra na primavera e outra no outono. As cultivares de dias neutros, indiferentes ao fotoperíodo, são afetadas pela temperatura, frutificando sempre que elas sejam suficientemente altas. A produção de estolões se dá durante o verão e continua até o início dos dias curtos (GALLETTA; BRINGHURST, 1990; SANTOS, 2003). Na Europa, durante centenas de anos, variedades de morango com comportamento everbearing têm se desenvolvido de forma silvestre, como Fragaria vesca var. semperflorens. Plantas com característica everbearing também ocorrem na América do Norte, entretanto, elas são essencialmente diferentes das europeias, pois estas últimas são diploides e as americanas são octaploides (DARROW, 1966).

No Brasil, até a década de 1990, a época tradicional do plantio de morango ocorria de março até meados de abril. Com isso, a colheita era feita no mês de maio, com aumento no mês de junho e picos em julho e em agosto. Com a importação de mudas, principalmente para as localidades de maior altitude na Região Sul, transferiu-se a época de plantio para o mês de maio. Dessa forma, a colheita passou a ocorrer no mês de agosto, com aumento de volume em setembro, e com picos em outubro, novembro e dezembro, encerrando-se no mês de janeiro. Com essa mudança, a Região Sul passou a produzir frutos fora dos meses em que a maior região produtora do Brasil (sul de Minas Gerais) estava com o pico máximo de colheita. Sendo o mês de maio considerado o período tradicional de plantio, buscaram-se, então, alternativas para produção de frutos nos meses de fevereiro, de março, de abril e primeiros dias de maio, visto que, nessa época, o mercado para o morango in natura alcançava os melhores preços. Isso se tornou possível graças à utilização de cultivares de dias neutros (SHIMIZU, 2005).

Citogenética

As espécies de morango formam uma série poliploide, de diploides a octaploides (Tabela 1), com número básico de cromossomos x=7. A distribuição geográfica distinta de tetraploides, hexaploides e octaploides sugere que cada grupo poliploide tenha se originado independentemente. Estudos citológicos de híbridos interespecíficos e de poliploides naturais ou induzidos indicam ter havido pequenas diferenciações nos pares de cromossomos homólogos em algumas das espécies, exceto em octaploides (JONES, 1995).

Tabela 1. Nível de ploidia, características e ocorrência de algumas espécies de Fragaria.

Tabela 1

(1) Flores monóclinas e díclinas ocorrem na mesma espécie, não importando a sua distribuição nas plantas.

Fonte: Darrow (1966), Jones (1995) e Hancock (2004).

A origem e a evolução das espécies octaploides ainda permanecem um pouco nebulosas. Os octaploides são híbridos complexos, nos quais o genoma A, da constituição genômica AAA’A’BBB’B’, foi identificado como proveniente de F. vesca, mas as espécies que contribuíram para os outros genomas ainda são desconhecidas (GALLETTA; BRINGRURST, 1990; HANCOCK et al., 1999). As espécies octaploides apresentam considerável variação, especialmente em F. virginiana, na qual algumas variantes têm sido descritas como espécies novas ou subespécies, como é o caso de F. ovalis (sinonímia: F. virginiana var. glauca). A excepcional distribuição dos octaploides pode ser exemplificada por subespécies de F. chiloensis no Havaí e de F. iturupensis Staudt em ilhas do nordeste do Japão. Foram encontrados híbridos naturais de F. chiloensis e F. virginiana, e a introgressão pode ter contribuído para a diversidade em ambas as espécies.

Embora F. chiloensis e F. virginiana sejam restritos ao Novo Mundo, os octaploides provavelmente se originaram no Velho Mundo, a partir de F. vesca. O ponto de origem não é claro, mas a série de F. chiloensis estende-se pelo norte e oeste, ao longo das Ilhas Aleutas (prolongamento da península do Alasca), até perto das Ilhas Kuril, onde somente o octaploide asiático F. iturupensis é encontrado. Isso sugere que o primeiro octaploide tenha se originado no leste da Ásia, e então se espalhado pelo Estreito de Bering até chegar à América do Norte. Essa antiga espécie pode ter se diferenciado em F. chiloensis e F. virginiana, dispersando-se para o sul e desenvolvendo a capacidade de adaptar-se em hábitats de costa e montanhas. As duas espécies são completamente interférteis e não se observam diferenças significativas entre elas no DNA dos cloroplastos. Dados de RAPD sugerem que elas têm permanecido isoladas, mas a fertilidade interespecífica e a proximidade desses grupos têm sido permitidas por introgressão ocasional (JONES, 1995; HANCOCK et al., 1999).

História antiga das espécies do Velho Mundo

Há indícios de que morangos silvestres, principalmente F. vesca (Tabela 1), seriam consumidos na Pré-História pelos povos do centro e do norte da Europa, uma vez que existe registro de sementes em sítios arqueológicos datando do Neolítico (10000 a 6000 a.C.) e da Idade dos Metais (5000 a 4000 a.C.). Os romanos, no século 1, conheciam e cultivavam F. vesca, também conhecido como morango alpino. Existem referências ao uso medicinal das folhas, na Europa, no século 13. O cultivo de morango alpino em áreas mais extensas começou no século 14, e foi a principal espécie comercializada até o século 19. Durante o século 16, tornou-se uma planta comum em jardins e hortas, utilizada como ornamental e também para consumo. Os europeus cultivavam tanto plantas com frutos brancos quanto com frutos vermelhos (GALLETTA; BRINGHURST, 1990).

F. moschata (Tabela 1), comumente conhecida como Hautbois ou Musky (morango almiscarado), é um morango silvestre encontrado em áreas sombreadas no leste da Europa, na Rússia e na Sibéria. Uma forma com fruto branco e grande foi introduzida e cultivada na Inglaterra, na primeira metade do século 16, abrindo caminho para a produção fora da época habitual. Algumas plantas que produziam frutos vermelhos foram descobertas na Boemia (Europa Central), e seu cultivo rapidamente se espalhou pela Inglaterra, pela Itália e por outras partes da Europa. Os nomes atribuídos a algumas variedades selecionadas na Inglaterra e na França, como Black (preta), Apricot (damasco) e Raspberry (framboesa), dão ideia da variabilidade existente. As seleções realizadas permitiram aumentar um pouco o tamanho do fruto. Atualmente, a espécie é cultivada, ainda que em pequena escala, em virtude do seu sabor e aroma característicos (GALLETTA; BRINGHURST, 1990; JONES, 1995).

História antiga das espécies do Novo Mundo

Hancock et al. (1999) fizeram um extenso relato da história antiga de F. chiloensis (Tabela 1), conhecido como morango chileno. A partir da América do Norte, a espécie F. chiloensis foi introduzida no Chile e no Havaí pela ação das aves migratórias. Foi utilizada há mais de mil anos pelos índios mapuches, no centro-sul do Chile, estabelecidos entre os rios Biobio e Tolten e, mais ao norte, pela tribo dos picunches, estabelecida entre os rios Itata e Biobio. Os picunches usavam os frutos de morangueiro de diversas formas: frescos, secos, como suco fermentado ou como infusão medicinal contra indigestão, diarreia e hemorragias. Por sua vez, os mapuches produziam todo tipo de suco fermentado, mas o favorito era o obtido de pequenos morangos silvestres vermelhos, os quais eram chamados de llahuen, lahueñe ou lahueñe mushca. Muitas evidências indicam, no entanto, que a planta inicialmente domesticada tinha frutos grandes e de coloração branca, denominados kellén ou quellghen. Um registro histórico curioso é o de que os mapuches cultivavam pequenos lotes de morango do tipo vermelho em clareiras abertas nas florestas, como armadilhas para os soldados espanhóis. Quando eles baixavam a guarda de suas armas para colher o atrativo morango, eram atacados e mortos pelos índios. O cultivo era limitado a pequenos lotes; durante o período colonial espanhol, no entanto, foram surgindo plantios um pouco maiores, de um a dois hectares, em áreas costeiras do norte do Rio Itata, até a Ilha de Chiloé. Desde a segunda metade do século 19 até a primeira metade do século 20, a espécie F. chiloensis foi cultivada em propriedades maiores em várias localidades do Chile. Esses frutos eram transportados em mulas até os mercados das cidades, em viagens que podiam durar até 4 dias. Com a colonização, os espanhóis conheceram o morango silvestre chileno e ficaram impressionados com seus frutos grandes, firmes e de três cores (vermelha, amarela e branca). Introduziram o cultivo de F. chiloensis, o qual chamavam de frutilla (que, em espanhol, quer dizer pequeno fruto), em todo noroeste da América do Sul, onde algumas variedades ainda são cultivadas. Indústrias se desenvolveram em razão desse cultivo, principalmente ao redor de Cuzco (Peru), de Bogotá (Colômbia) e de Ambato (Equador) (JONES, 1995; HANCOCK et al., 1999). A maior área cultivada de F. chiloensis na América do Sul se estendia desde próximo a Ambato até Huachi-Grande (no Equador). Havia, provavelmente, de 500 ha a 700 ha, que foram explorados do final de 1700 até 1970. No Equador, era comum lançar os frutos dentro de caixas, as quais eram carregadas em mulas por muitos quilômetros até a cidade de Ambato, onde eram classificadas manualmente e colocadas no trem com destino a Quito ou a Guayaquil. Não havia, no mundo, outro morango que suportasse tal manuseio (HANCOCK et al., 1999).

O capitão francês Amédée François Frézier, que se passava por comerciante enquanto mapeava e espionava o controle espanhol ao longo da costa do Peru e do Chile, de 1712 até 1714, ficou impressionado com os morangos chilenos cultivados em Concepción, e levou-os para a França. Frézier chegou a Marselha com cinco plantas de morango. Duas dessas foram dadas para o controlador de cargas do navio, que autorizou o fornecimento de água para que as plantas permanecessem vivas durante os seis meses de viagem. Das três plantas restantes, Frézier ficou com apenas uma, doando uma ao botânico Antoine Jussieu, para que plantasse em Paris, e outra para o seu superior em Brest, Peletier de Souzy. De Paris, o morango chileno foi distribuído para jardins botânicos e quintais da Holanda, da Inglaterra, da Bélgica e da Alemanha. As mudas eram vigorosas, mas não produziram frutos. O que Frézier não sabia é que essa espécie de morango (F. chiloensis) era dioica, e que todas as cinco plantas trazidas por ele eram femininas (GALLETTA; BRINGHURST, 1990; HANCOCK et al., 1999). Em Brest (França), especialmente perto da comunidade de Plougastel, os produtores aprenderam que poderiam produzir frutos se fizessem plantio intercalado de F. chiloensis com o morango nativo da Europa (F. moschata), ou com F. virginiana, que já havia sido introduzida do Novo Mundo.

F. virginiana (Tabela 1) era utilizada pelos índios americanos para dar sabor a pães e a bebidas, existindo indicações de que, além de ser alvo de coleta, essa espécie também era cultivada. A partir do leste da América do Norte, ela foi introduzida diversas vezes na França, na Inglaterra, na Holanda e na Suécia, no período de 1534 até 1857, mas o primeiro registro claro de F. virginiana em cultivo na Europa data de 1624. Logo após, mudas do Jardim Botânico de Paris foram distribuídas para a Bélgica, a Alemanha, a Suíça e a Itália. A espécie recebeu a admiração dos europeus, por causa do tamanho do fruto (de três a quatro vezes maior do que as espécies nativas europeias), da precocidade e do longo período de frutificação, além de seu sabor adocicado e aroma intenso e peculiar. As primeiras introduções não se desenvolveram bem, mas outras foram melhores, sendo selecionadas formas hermafroditas e autocompatíveis (GALLETTA; BRINGHURST, 1990; JONES, 1995). Algumas variedades tornaram-se populares na Europa, no século 18, para consumo in natura e na forma de compotas e de geleias (GALLETTA; BRINGHURST, 1990; VAUGHAN; GEISSLER, 1997).

História recente – o moderno morango cultivado

O morango cultivado atualmente (Fragaria x ananassa) se originou na Europa, da hibridização entre as espécies americanas F. chiloensis e F. virginiana. A hibridização entre essas duas espécies não ocorreu nas Américas, em virtude do isolamento geográfico, mas ocorreu na França, por volta de 1750, uma vez que essas espécies foram cultivadas lado a lado (VAUGHAN; GEISSLER, 1997). As plantas oriundas desse cruzamento produziam fruto de excepcional tamanho, com polpa de coloração vermelha, diferente da polpa branca de F. chiloensis (JONES, 1995).

F. x ananassa foi cultivada juntamente com F. virginiana, e o seu sucesso estimulou programas de melhoramento, especialmente na Inglaterra e, mais tarde, na França e na América do Norte. Muitas variedades novas foram selecionadas e se tornaram populares no século 19. As descrições da coloração interna da polpa variam de branca a até profundamente vermelha, atendendo a diversas preferências (JONES, 1995). Em 1817, Thomas A. Knight, na Inglaterra, foi o primeiro a realizar cruzamentos controlados em morango. Nos Estados Unidos, um grupo de cultivares desenvolvidas na primeira metade do século 20 deu importante contribuição para o germoplasma de morango dos dias atuais (GALLETTA; BRINGHURST, 1990). A base genética dos primeiros programas de melhoramento era estreita, o que fez que alguns melhoristas americanos utilizassem espécies nativas octaploides, especialmente F. virginiana, para aumentar a variabilidade. Uma característica que serviu de estímulo inicial foi o aparecimento de plantas que tinham um período de frutificação mais longo. Também se obteve essa característica por meio do cruzamento com F. ovalis (sinonímia: F. virginiana var. glauca), dando origem a variedades de dias neutros. Outras características foram melhoradas por outros cruzamentos com octaploides silvestres. F. ovalis é fonte de genes para resistência à seca e às baixas temperaturas, enquanto F. virginiana e F. chiloensis fornecem genes para resistência a pragas e a doenças. Um dos problemas nos primeiros anos de melhoramento do morangueiro foi a ocorrência de esterilidade parcial, que, algumas vezes, parece estar associada com a recorrência a plantas dioicas; podendo, ainda, ser uma consequência de híbridos interespecíficos (JONES, 1995).

Embora tenha sido possível introgredir germoplasma de algumas espécies diploides nos morangos cultivados, experimentalmente, eles são derivados quase que exclusivamente de F. chiloensis, F. virginiana e, em menor extensão, de F. ovalis (GALLETTA; BRINGHURST, 1990). Esta última tem contribuído para a formação do material com baixo requerimento de frio, bem como para a formação de genótipos indiferentes à resposta de fotoperíodo (OLIVEIRA; SANTOS, 2003).

Panorama brasileiro do morango

No Brasil, em jardins e em hortas caseiras, o morango vem sendo cultivado desde o final do século 18. A cultura começou a ganhar importância econômica em meados do século 20, no Estado de São Paulo, em virtude da aceitação do produto para consumo in natura, e no Estado do Rio Grande do Sul, por causa da instalação de um parque industrial que tinha no morango uma das suas linhas básicas (compotas, geleias, polpas e frutas congeladas). As cultivares plantadas até então eram importadas dos Estados Unidos e do continente europeu, e não apresentavam boa adaptabilidade às condições climáticas e de solo dos dois estados brasileiros, tendo como consequência uma baixa produtividade – de 4 t/ha a 5 t/ha – (SANTOS; MEDEIROS, 2003).

O melhoramento do morango no Brasil teve início em 1941, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Campinas, SP. O IAC lançou, em 1955, a cultivar Campinas, que foi um grande marco para a época, pois era mais produtiva, com frutos maiores e de melhor sabor (menos ácidos). No Sul do Brasil, os trabalhos de melhoramento genético principiaram no início da década de 1950, na Estação Experimental de Pelotas (atual Embrapa Clima Temperado), onde foram introduzidos genótipos dos Estados Unidos por meio da importação de mudas e de aquênios. As cultivares importadas W. M. Belt e Poca Hontas tiveram melhor adaptação na região e foram recomendadas para cultivo comercial. Os novos clones obtidos a partir dos aquênios importados foram selecionados e deram origem às cultivares Konvoy, Princesa e Cascata, lançadas em 1962, as quais foram responsáveis pelo sucesso da cultura do morangueiro no Rio Grande do Sul, na década de 1960 e no início do ano de 1970. O quadro restrito de pesquisadores fez que o programa de melhoramento desenvolvido na Estação Experimental de Pelotas sofresse interrupção entre 1965 e 1974, quando então foi reativado. Entre as atividades de reestruturação do programa, foram introduzidas cultivares de outros países e realizados cruzamentos entre os clones mais adaptados na região. Em 1981, foram lançadas as cultivares Konvoy-Cascata e BR 1, além de serem recomendadas as cultivares introduzidas Lassen, Tioga, Leiko e Alemanha. Na década de 1990, foram lançadas as cultivares Vila Nova – de duplo propósito – Santa Clara e Bürkley, destinadas ao processamento industrial e desenvolvidas pela Embrapa Clima Temperado (CASTRO, 2004).

Nos últimos anos, a introdução de cultivares desenvolvidas em outros países tem sido intensa. Podem ser citadas, como exemplo, as cultivares Tangi (Universidade da Flórida), Oso Grande (Universidade da Califórnia), Camarosa (Universidade da Califórnia) e Milsey (Espanha) (SANTOS, 2003), principalmente a partir da década de 1990, por meio de mudas produzidas na Cordilheira dos Andes (Argentina e Chile). Essas cultivares apresentam frutos maiores, polpa mais firme, melhor sabor, maior produtividade e, principalmente, maior resistência a doenças (REICHERT; MADAIL, 2003).

Atualmente, os principais estados produtores são Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, responsáveis por mais de 80% da produção nacional, que é destinada principalmente ao mercado interno (MADAIL et al., 2003). A maior parte da produção nacional é utilizada para o consumo in natura, e o restante é industrializado de diversas formas (REICHERT; MADAIL, 2003).

Perspectivas

Para o sucesso da cultura, é necessário investimento em pesquisa na parte genética (melhoramento de cultivares) e também em técnicas de cultivo, manejo, colheita e processamento. Os principais objetivos do melhoramento do morango são produtividade, característica de fruto, eficiência de colheita e resistência a pragas e a doenças.

No que diz respeito às técnicas de cultivo e ao manejo, a proteção de cultivos com filmes de polietileno de baixa densidade, a hidroponia horizontal ou vertical e a fertirrigação têm contribuído para o aumento da produtividade e para a melhoria da qualidade dos frutos (FURLANI; FERNANDES JÚNIOR, 2004). Com referência a cultivos protegidos, ainda são necessários alguns ajustes para resolver problemas de polinização e fruit set (desenvolvimento do fruto), bem como aumentar a taxa de autopolinização, ou obter flores adaptadas para diferentes polinizadores (JONES et al., 1995).

No manejo pós-colheita, estão sendo estudados o uso de atmosfera controlada e modificada, os tratamentos de pré-acondicionamento com CO2, o uso de irradiações e o controle de pragas e doenças, com o objetivo de manter em melhores condições a qualidade da fruta entregue ao consumidor (CANTILLANO et al., 2003).

A uniformidade de tamanho do fruto pode trazer vantagens para a colheita manual e se tornar essencial para a colheita mecânica. As inflorescências precisam ser mais fortes, mais altas e eretas, características que não estão presentes no gênero Fragaria, mas podem estar disponíveis no gênero Potentilla (x=7, 2n=2x-16x). A maioria dos híbridos é estéril, mas alguns dos cruzamentos entre Fragaria e Potentilla têm produzido híbridos viáveis, como F. ananassa x P. palustris (14x=98) e F. chiloensis x P. glandulosa (10x=70). Isso pode facilitar a introdução de características úteis; no entanto, a ocorrência de cromossomos não homólogos pode impedir o sucesso desses cruzamentos, uma vez que a transferência só ocorre por substituição cromossômica (JONES, 1995).

Segundo Shaw (2004), a facilidade com que os frutos podem ser colhidos é característica importante no desenvolvimento de novas cultivares. Por essa razão, as plantas são selecionadas pela arquitetura (tamanho e forma) que facilita a operação. Plantas com arquitetura adequada permitiram a duplicação da taxa de frutos colhidos em cultivares desenvolvidas pela Universidade da Califórnia na última década.

É improvável que haja mudanças substanciais nos métodos de melhoramento, num futuro próximo, embora diversas possibilidades possam ser investigadas. Por exemplo, a produção de sementes de híbridos F1 pode ser muito atrativa economicamente, mas pode apresentar muitas dificuldades. A produção de sementes de linhas de progênie endogâmicas, seja por repetidas autopolinizações, seja por outro método (poli-haploides tetraploides), não é fácil. Cruzamentos controlados também requerem o uso de gametocidas eficientes ou, ainda, o retorno das plantas para a condição de dioicas. A propagação por sementes pode facilitar o controle de viroses, mas os métodos de propagação meristemática são bastante efetivos. Existe muita variabilidade genética em octaploides naturais que ainda não foi utilizada, tanto em espécies silvestres como em F. ananassa. É provável que muita variabilidade tenha sido perdida nos últimos 100 anos, em virtude das demandas da produção comercial, que tem outras prioridades. Um dos exemplos dessa variabilidade está nas variedades americanas, as quais foram descritas, em 1870, como de sabor comparável ao das seguintes frutas: maçã, damasco, cereja, uva, amora, framboesa e abacaxi. Descontando-se o exagero, essas são algumas das indicações do que existia e não está sendo utilizado. Outras características do fruto também podem ainda estar disponíveis em octaploides silvestres, uma vez que ambos os genitores da espécie cultivada têm uma extensa distribuição, o que corresponde a uma grande variabilidade genética. O uso de espécies diploides, tetraploides e hexaploides também tem contribuído para aumentar a base genética. Decaploides (10x=70) e outros poliploides de alto grau têm sido desenvolvidos, mas as evidências até o momento são de que os octaploides produzem melhor resultado. Outra opção para o melhoramento é o uso de octaploides sintéticos, que, no geral, produzem similaridade de cromossomos homólogos e regularidade de meiose, e são suficientemente férteis. As características adquiridas em virtude de uso de octaploides sintéticos e de cruzamentos multiespecíficos, entre outras técnicas, podem incluir resistência a patógenos, melhoria do sabor e firmeza do fruto e, consequentemente, podem aumentar a vida de prateleira (JONES, 1995).

Atualmente, o conteúdo de substâncias nutracêuticas relevantes é outra característica de importância nos critérios de seleção (VICENTE et al., 2004). Outra demanda do mercado mundial de frutas in natura, ou processadas, é a segurança da fruta e do meio ambiente, que exige uma visão diferenciada na produção. Paralelamente, no mercado interno essa exigência tem crescido entre os consumidores de frutas, principalmente in natura. O sistema de produção de morango, adotado pelo produtor, deve priorizar a utilização de métodos biorracionais de controle de pragas e doenças, minimizando o uso de produtos químicos. Ao mesmo tempo, o uso de mudas de morango comprovadamente sadias (certificadas), o emprego de técnicas adequadas de irrigação, adubação, manejo dos túneis baixos, limpeza do entorno das áreas de produção, eliminação de folhas, talos e frutos doentes da lavoura, bem como a exclusão do lixo plástico e a adoção de técnicas conservacionistas do solo, são práticas que podem reduzir o uso de agrotóxicos e, consequentemente, gerar morangos mais seguros tanto do ponto de vista alimentar quanto para o meio ambiente (MATTOS, 2004).

Referências

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