Orquídeas

Foto: Rosa Lía Barbieri

Orquídeas

Fábio de Barros

Fábio Pinheiro

Ricardo de Azevedo Lourenço

Evolução significa modificação, transformação. Esse conceito pode ser claramente percebido em orquídeas, uma das maiores famílias de angiospermas com cerca de 24.500 espécies (DRESSLER, 2005), uma vez que a diversidade morfológica encontrada nesse grupo de plantas é altíssima, e é incrementada pelas novas espécies descritas a cada dia. Charles Darwin, considerado o pai da teoria da evolução, dedicou um livro inteiro às orquídeas, no qual discute as principais pressões evolutivas que geraram essa grande diversidade, relacionadas principalmente à polinização (DARWIN, 1877). Desde aquela época, o conhecimento sobre essa matéria aumentou consideravelmente e hoje é possível discutir, com maior segurança, muitos outros eventos que podem estar relacionados com a grande diversificação encontrada na família Orchidaceae.

Paralelamente aos estudos evolutivos realizados em populações naturais, ocorreu um aumento significativo na exploração da família, em virtude do seu valor ornamental. Na busca de plantas que atendessem cada vez mais às necessidades estéticas e visuais dos consumidores, um grande número de híbridos tem sido produzido artificialmente por produtores e colecionadores, gerando também um universo de possibilidades de combinações de formas e cores. O número de híbridos artificiais hoje disponíveis no mercado talvez seja igual, ou até maior, que o número de espécies encontradas na natureza.

O objetivo deste capítulo é fazer uma comparação entre os processos evolutivos, envolvidos na diversificação de populações naturais, e aqueles envolvidos na formação de híbridos e de novas variedades obtidos por meios artificiais, discutindo suas dinâmicas, intensidades e possíveis semelhanças.

Características das orquídeas

Representantes da família Orchidaceae podem ser encontrados em todas as regiões vegetadas do planeta, mas com grande predominância de espécies e indivíduos nas regiões tropicais, crescendo diretamente no solo, sobre pedras, ou, principalmente, como epífitas. A região neotropical é a mais rica em espécies, destacando-se as áreas de média altitude, cobertas por matas úmidas, nebulares, como no norte da cadeia dos Andes e nos “tepuis” venezuelanos (DRESSLER, 1981), além das áreas de Mata Atlântica no Brasil (HOEHNE, 1953).

As adaptações a diferentes ambientes e diferentes polinizadores fizeram que as orquídeas desenvolvessem grande variedade de estruturas vegetativas e florais, o que, muitas vezes, dificulta reconhecer se determinada planta é ou não uma orquídea. Numerosos exemplos dessa variação podem ser vistos no estudo de Pinheiro et al. (2004). Na verdade, não há uma característica única que permita a delimitação de uma orquídea, mas sim um conjunto de características. Ademais, para algumas espécies, apenas uma análise bastante minuciosa de diferentes órgãos permite uma conclusão precisa.

As raízes das orquídeas são fasciculadas, apresentando uma ou mais camadas externas de células mortas e lignificadas, denominadas, em conjunto, velame. O velame atua como uma “esponja” que se encharca e estoca a água quando ela está disponível, até que as células vivas da raiz tenham tempo de absorvê-la. Além disso, o velame atua como uma barreira que impede a perda excessiva da água pelas raízes quando expostas ao ambiente seco. Em diversas espécies terrestres e algumas epífitas, as raízes são muito engrossadas, atuando como órgão de reserva. Em certos casos excepcionais, como o de algumas espécies áfilas de Campylocentrum, as raízes possuem clorofila e, por causa da ausência de folhas, é nelas que se realiza a fotossíntese.

Existem dois tipos básicos de caules em orquídeas: o monopodial e o simpodial. No crescimento monopodial (Figura 1a), a planta cresce sempre a partir de uma mesma gema apical; já no crescimento simpodial (Figura 1b), a gema vai sendo substituída ano a ano. Nas espécies monopodiais, o caule é uma estrutura longa e foliada. Nas simpodiais, em geral, o caule é subdividido em rizoma (a parte que cresce paralelamente ao substrato) e caule secundário (a parte que cresce, na maioria das vezes, perpendicularmente ao substrato). O caule secundário, muitas vezes, é intumescido, constituindo um órgão de reserva denominado pseudobulbo.

Fig1-Orquidia.eps

Figura 1. Tipos básicos de crescimento em orquídeas: monopodial (A) e simpodial (B).

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

As folhas das orquídeas são variáveis em forma e em consistência. Normalmente, possuem nervação paralela. Podem ser muito engrossadas e carnosas, desempenhando o papel de órgãos de reserva em substituição aos pseudobulbos, e também podem apresentar apenas uma ou várias nervuras salientes.

Há diferentes tipos de inflorescências nas orquídeas, mas predominam os racemos, as espigas e as panículas (também chamadas de cachos). No racemo, as flores são pediceladas e se inserem em um único eixo a certa distância umas das outras. Na panícula, ocorre uma multiplicação do anterior, ou seja, há um conjunto de racemos inseridos em eixos com um pedúnculo comum, e a inflorescência, como um todo, assume uma forma mais ou menos piramidal. A espiga é muito semelhante ao racemo, só que as flores são sésseis, ou seja, não possuem pedicelo.

As flores são as estruturas mais notáveis e características das orquídeas, apresentando grande diversidade no tamanho e na forma de suas partes (Figuras 2 e 3). Em orquídeas, o filete e o estilete encontram-se soldados, formando uma estrutura denominada ginostêmio, popularmente conhecida como coluna (Figura 4). Em geral, há apenas uma antera fértil, que se encontra no ápice do ginostêmio, a qual possui o formato aproximado de um capuz em cujo interior encontram-se os grãos de pólen unidos entre si por meio de uma substância chamada viscina, formando estruturas denominadas polínias. Os lobos do estigma localizam-se na face ventral do ginostêmio, em geral, numa concavidade denominada cavidade estigmática. A cavidade estigmática é coberta por uma substância viscosa que, além de permitir que as polínias fiquem coladas durante a polinização, fornece água e enzimas para a germinação dos grãos de pólen.

Figura 2

Figura 2. Alguns tipos característicos de flores de orquídeas comerciais: Dendrobium (A), Phajus (B), Oncidium (C), Cymbidium (D) e Paphiopedilum (E).

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

Figura 3

Figura 3. Estrutura da flor de uma orquídea típica – Cattleya sp. – (B), em comparação com a de uma flor de uma Amaryllidaceae – Crinum x powellii – (A).

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

Figura 4

Figura 4. Estrutura do ginostêmio (coluna) de uma orquídea e suas partes. Ginostêmio visto lateralmente (A), ventralmente (B) e ventralmente com a antera levantada (C); polínias (D).

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

Nas orquídeas, assim como na maior parte das monocotiledôneas, as estruturas florais quase sempre aparecem em grupos de três ou múltiplos de três. Em famílias próximas à Orchidaceae – como Hypoxidaceae, Amaryllidaceae, Convallariaceae, Agavaceae e Hemerocallidaceae (JUDD et al., 1999) – os segmentos do perianto externo e interno não são diferenciados, possuindo três peças (tépalas) cada. Em Orchidaceae, os segmentos externo e interno do perianto são diferenciados morfologicamente, constituindo, respectivamente, as sépalas e as pétalas. Uma das pétalas, geralmente aquela que se encontra oposta à antera fértil, é muito diferente das demais, recebendo o nome de labelo. Ela atua diretamente na atração do polinizador e em seu posicionamento adequado na flor, seja servindo como plataforma de pouso, seja guiando o polinizador para a posição exata que permite a retirada das polínias e sua posterior deposição no estigma. O labelo é a estrutura que possui a maior parte dos recursos para atrair os polinizadores, tais como néctar, óleos, ceras e aromas. Em orquídeas, raramente o pólen é coletado pelos polinizadores como recurso alimentar.

Os óvulos das orquídeas só iniciam seu desenvolvimento após a fecundação, fato que garante grande economia de energia caso a flor não seja fecundada (ARDITTI, 1992). Os frutos das orquídeas são tradicionalmente considerados como do tipo cápsula, embora a denominação não seja totalmente correta, já que não são frutos secos. As sementes, com raras exceções, são minúsculas e estão entre as menores produzidas pelas plantas com flores. Consistem apenas de um embrião pouco diferenciado, envolto por uma camada de células, que constitui uma testa membranácea. As sementes mais longas raramente medem mais que 2 mm, e as mais curtas podem chegar a 0,3 mm (STOUTAMIRE, 1964). Em compensação, as sementes são produzidas aos milhares nos frutos. Withner (1959), numa revisão sobre o assunto, referiu-se à produção de 2 milhões a 3 milhões de sementes por fruto de Cattleya labiata Lindl.

Em virtude do seu tamanho, as sementes das orquídeas são adaptadas à dispersão pelo vento (ARDITTI, 1992). A ausência de reservas, decorrente do pequeno tamanho, traz alguns problemas para a germinação e o estabelecimento da plântula, e o mais óbvio é a obtenção de alimento na fase inicial de crescimento, quando a plântula ainda não tem a capacidade de realizar a fotossíntese. Nessa fase, o alimento é obtido a partir de fungos que invadem as células do protocormo (o embrião em seus primeiros estágios de desenvolvimento) e permanecem no interior das raízes das plantas adultas (STOUTAMIRE, 1964). Em certo sentido, a plântula da orquídea parasita o fungo que a infecta. Conforme descreve Clements (1988), as hifas do fungo penetram pela região do suspensor, mas, quando alcançam as células do córtex, aumentam de tamanho, entram em colapso e extravasam seu citoplasma e organelas, passando por um processo de “digestão”. Essa característica faz que a germinação das orquídeas, quando em cultivo, só seja possível com técnicas laboratoriais, pois é necessário que sejam dados às sementes os recursos que ela, em ambiente natural, retiraria dos fungos infectantes.

Evolução de orquídeas em populações naturais

De acordo com Dahlgren e Clifford (1982), as orquídeas representam uma família de vegetais cuja evolução foi guiada principalmente por uma adaptação gradual ao epifitismo e à polinização entomófila. A grande diversidade de formas e de tamanhos dos órgãos vegetativos advém das diferentes estratégias para captação eficiente de água e de nutrientes, o que é uma necessidade em plantas com hábito epifítico, presente na maior parte da família, já que 70% das espécies são epífitas (GRAVENDEEL et al., 2004). Além disso, a grande diversidade morfológica observada na flor, principalmente no labelo e no ginostêmio, reflete adaptações que visam guiar o inseto polinizador e permitir a captação do pólen ou sua deposição no estigma de maneira bastante precisa.

O hábito epifítico

O hábito epifítico possibilita a exploração de grande variedade de nichos específicos (GENTRY; DODSON, 1987), permitindo que um número elevado de espécies possa conviver numa única árvore (GRAVENDEEL et al., 2004). A diversidade presente nas estruturas vegetativas pode ser um reflexo da especificidade que existe em relação ao local de fixação das espécies de orquídeas na árvore hospedeira, além de um dos prováveis motivos para o número tão elevado de espécies epífitas (BENZING, 1986). Os órgãos vegetativos em orquídeas estão sujeitos a diversos eventos de convergência evolutiva, uma vez que podem possuir diferentes funções em diferentes grupos de espécies. Tanto pseudobulbos quanto folhas ou raízes podem atuar na reserva de água e de nutrientes (BENZING, 1990). Existem grupos de espécies, não aparentados entre si, que são desprovidos de folhas, e com raízes fotossintetizantes, exemplificando que as mesmas adaptações podem estar presentes em grupos taxonômicos distintos (CARLSWARD et al., 2006). Eventos de especiação explosivos, que geram grande quantidade de espécies em tempo relativamente curto, parecem estar ligados a um conjunto de adaptações particulares, presentes em espécies que crescem em ramos jovens de árvores (twig epiphytes), tais como: hábito pequeno, tempo curto entre gerações, redução vegetativa (ausência de folhas) e aumento de produção de raízes, características que surgiram de maneira independente em diversos grupos dentro de Orchidaceae (GRAVENDEEL et al., 2004).

Populações de espécies com hábito epifítico podem apresentar distribuição fragmentada, com populações isoladas entre si por causa da própria dinâmica das espécies arbóreas (morte de indivíduos, abertura de clareiras, etc.). Esse tipo de distribuição espacial pode ser uma das características responsáveis pela grande diversidade observada em Orchidaceae, uma vez que populações distantes entre si podem estar mais suscetíveis a processos de deriva genética (CARSON; TEMPLETON, 1984), aumentando as possibilidades de ocorrerem eventos de especiação alopátrica (BENZING, 1990). A dispersão de sementes pelo vento também pode gerar populações isoladas entre si e geneticamente distintas das demais populações, propiciando o surgimento de novas linhagens ou, até mesmo, de novas espécies, pelo processo de efeito fundador (CARSON; TEMPLETON, 1984). Espécies localizadas em populações distantes entre si garantiriam a fecundação cruzada por meio de mecanismos de polinização especializada, levando a uma situação de elevada diversificação floral que permite que a fidelidade do polinizador seja garantida (GRAVENDEEL et al., 2004).

Estratégias reprodutivas

Flores de orquídeas possuem diversas especializações, que podem fornecer diferentes tipos de recursos para os polinizadores, como óleos, ceras e néctar, ou, alternativamente, diferentes formas de enganá-los, nos casos em que não há recursos disponíveis (NILSSON, 1992). Nesta última situação, o agente polinizador é atraído, efetua a polinização e não recebe qualquer recompensa, sendo denominada polinização por engodo. Esse tipo de polinização ocorre em cerca de ⅓ das espécies de Orchidaceae, para as quais existem informações sobre a biologia reprodutiva (COZZOLINO; WIDMER, 2005).

Orquídeas polinizadas por engodo aparentemente não são mutualistas, pois existem evidências de que os insetos obtêm os recursos necessários para sua sobrevivência de outras plantas, resultando numa relação assimétrica, na qual as orquídeas são muito mais dependentes dos polinizadores para promover a fecundação cruzada do que o contrário (NILSSON, 1992). Num contexto ecológico-evolutivo, as orquídeas podem tirar proveito de condutas preexistentes nos insetos, por meio das quais eles atuariam como catalisadores dos processos evolutivos envolvidos na diversificação das espécies (SINGER; SAZIMA, 2004).

Existem dois tipos principais de “fraude”, os quais as orquídeas utilizam para enganar seus polinizadores: características na flor que imitam recursos alimentícios e determinadas características florais que estimulam o inseto a um comportamento de cópula. Esta última é denominada polinização por pseudocópula (NILSSON, 1992). Em Bulbophyllum e Pleurothallis, as flores de várias espécies mimetizam carne em decomposição: alimento de um grande número de dípteros, que são atraídos tanto pela coloração quanto pelo odor exalado pelas flores, efetuando, assim, a polinização delas sem obter nenhum recurso (BORBA et al., 1999; BORBA; SEMIR, 2001). No gênero Ophrys, por sua vez, o labelo possui as cores, a forma e os odores de fêmeas de certos Hymenoptera, atraindo, desse modo, machos que tentam copular com o labelo. Quando se colocam na posição de cópula, eles retiram as polínias, que são levadas a outra flor, efetivando, dessa forma, a polinização. No Brasil, há evidências de polinização por engodo nos gêneros Trigonidium e Mormolyca (KERR; LOPEZ, 1962; SINGER, 2002; SINGER et al., 2004).

Os polinizadores, por sua vez, exibem comportamentos diferentes em face de espécies que oferecem recursos de fato e daquelas polinizadas por engodo. Em flores que oferecem recurso, os polinizadores tendem a realizar visitas mais prolongadas, visitando até mesmo diversas flores por inflorescência (COZZOLINO; WIDMER, 2005). Nesse caso, o polinizador atua intensamente em populações próximas ou numa única população, aumentando a distância genética entre orquídeas de populações distintas, uma vez que o fluxo gênico entre populações distantes entre si é baixo (COZZOLINO; WIDMER, 2005).

Em espécies polinizadas por engodo há grande variação na composição dos aromas presentes nas flores. Essa característica tende a inibir o aprendizado do inseto, o qual não consegue estabelecer um padrão de como são compostos os aromas presentes nas espécies que não possuem recursos e, assim, continua a efetuar visitas a indivíduos da espécie que o engana (NILSSON, 1992). Porém, polinizadores que visitam flores sem recurso tendem a abandonar a população rapidamente após algumas visitas, e esse comportamento possui implicação direta na variação genética, pois o fluxo gênico entre populações é maior, aumentando a variação genética dentro das populações e diminuindo a distância genética entre populações (COZZOLINO; WIDMER, 2005).

O sucesso reprodutivo, medido pelo número de frutos produzidos por indivíduo, é menor em espécies que não oferecem recurso, uma vez que o polinizador visita poucas flores por população. Porém, como o polinizador viaja grandes distâncias, visitando indivíduos em populações distintas, a taxa de fecundação cruzada é muito elevada em orquídeas sem recurso, gerando sementes com desempenho superior (COZZOLINO; WIDMER, 2005). Portanto, num primeiro momento, o que parece ser uma desvantagem pode ser, na verdade, um ganho na habilidade de promover fecundação cruzada.

Em orquídeas que não oferecem recurso, os eventos de especiação seriam do tipo simpátrico, uma vez que existe pouca diferenciação entre populações e alta diversidade dentro das populações. Como o polinizador é, nesses casos, bastante específico, bastariam pequenas modificações na composição do aroma ou morfologia das flores para que outras espécies de polinizadores fossem atraídas para as flores (COZZOLINO; WIDMER, 2005).

Eventos de especiação em orquídeas não dependem, necessariamente, de interações espécie – específicas (uma orquídea – um polinizador), já que essas relações são pouco frequentes (DRESSLER, 1981). Diversos apêndices no labelo, que podem abrigar recursos ou apenas simular a existência deles, têm importante papel no correto posicionamento do polinizador na flor (PIJL; DODSON, 1966), permitindo que ele retire as polínias de maneira satisfatória e as deposite corretamente no estigma de outra flor da mesma espécie. Mesmo quando não há especificidade entre polinizador e flor, pode haver especificidade na região do corpo do polinizador no qual as polínias são fixadas (SINGER; SAZIMA, 2004), e é relativamente comum que as abelhas carreguem, simultaneamente, polínias de mais de uma espécie de orquídea, cada uma em um local diferente do corpo. Nesses casos, é o local em que a polínia se fixa ao polinizador que garante a deposição do pólen em outra planta da mesma espécie, impedindo, também, que eventuais polínias de outras espécies sejam depositadas no estigma de uma determinada espécie.

A grande diversidade de espécies observada em orquídeas pode ser interpretada como uma interação de características presentes nas flores e nos órgãos vegetativos. A presença do ginostêmio, das polínias e do labelo possibilita, de maneira bastante variada, a exploração de diversos polinizadores, uma vez que bastam pequenas modificações em uma dessas estruturas, para que a maneira como a polinização é efetuada – ou o próprio agente polinizador – mude completamente. Essas modificações podem surgir com certa frequência em populações com grau elevado de isolamento, como em espécies que possuem hábito epifítico. Tais modificações, no entanto, não ficam necessariamente restritas à população na qual surgem, uma vez que a dispersão de sementes pequenas pode gerar pequenas subpopulações em locais até então inexplorados, dando origem a novas linhagens ou, até mesmo, a novas espécies.

A atividade humana em áreas naturais influencia fortemente a estrutura genética de populações de plantas, e uma de suas principais consequências é a perda de variabilidade por meio de deriva genética resultante da redução do tamanho das populações e, até mesmo, a extinção de algumas delas, principalmente nos casos de fragmentação do hábitat (COZZOLINO et al., 2003; GONZÁLEZ-ASTORGA et al., 2004; RIBEIRO et al., 2005). Segundo Fay e Krauss (2003), para que a variabilidade genética de populações naturais seja conservada, é preciso garantir a continuidade dos processos naturais responsáveis pela manutenção dessa diversidade, garantindo a interação das espécies, principalmente, em áreas de contato nas quais possam ocorrer hibridização e/ou introgressão. A identificação de diferentes populações como pertencentes a uma única espécie pode mascarar a existência de diferentes linhagens, com constituições genéticas distintas, às vezes, com origens diferentes, sendo muito importante seu reconhecimento para que medidas de conservação da diversidade possam ser implementadas (SQUIRRELL et al., 2002).

Orquídeas como plantas de interesse horticultural

Sem considerar o caso especial de algumas espécies e híbridos de Vanilla, cujos frutos dão origem à baunilha natural, a importância comercial das orquídeas reside, quase totalmente, em seu uso como plantas ornamentais. Embora orquídeas já fossem citadas por Confúcio cerca de meio século a.C., a “indústria” de produção de orquídeas ornamentais só teve início por volta de 1821, na Inglaterra, quando a firma Conrad Loddiges e Sons começou a produzi-las comercialmente (SHEEHAN, 1980). Hoje, o mercado de orquídeas ornamentais é mundialmente importante, embora, no Brasil, os valores de importação e exportação de orquídeas sejam modestos (KIYUNA, 2004).

Sob esse enfoque ornamental, há pelo menos cinco vertentes para a utilização das orquídeas: a) como flores de corte; b) como plantas para comercialização em vaso; c) como plantas com flores selecionadas destinadas a exposições e constituição de matrizes; d) como plantas para colecionadores especializados; e) como plantas de jardim. Cada uma dessas finalidades impõe desafios diferentes no que diz respeito à seleção dos exemplares e à obtenção de exemplares geneticamente adequados.

A seleção de plantas para uma dessas diferentes finalidades pode ser efetuada tanto num nível taxonômico, ou seja, com o objetivo de escolher quais espécies são mais bem adaptadas para a finalidade desejada, quanto num nível genético, isto é, com o intuito de submeter uma população da espécie a uma seleção de indivíduos que se adaptem melhor à finalidade desejada.

Em se tratando de orquídeas, não existe melhoramento genético propriamente dito, porque os métodos clássicos de melhoramento são voltados, de um modo geral, para plantas das quais é possível obter gerações anuais. Nas orquídeas, pelo menos naquelas comercialmente mais importantes, uma geração pode levar de 4 a 8 anos, ou seja, a partir da semeadura, que é realizada in vitro, para chegar ao estado adulto, quando tem sua primeira floração e, então, pode gerar descendentes. Isso torna o processo de melhoramento extremamente moroso. Assim sendo, o “melhoramento” em orquídeas tem se baseado, historicamente, tanto na seleção de exemplares de interesse especial (seleção clonal), seguida de reprodução por clonagem, quanto na obtenção de híbridos entre espécies ou gêneros diferentes (hibridação interespecífica), com a obtenção de flores com novas características, seguida ou não de seleção clonal.

Um fator importante a se considerar na produção de “novas” orquídeas é que, nessa família de plantas, é possível obter híbridos férteis entre espécies diferentes e até entre gêneros diferentes. Isso ocorre porque barreiras genéticas entre espécies próximas praticamente inexistem e, na natureza, o isolamento entre espécies é mantido principalmente por isolamento geográfico, isolamento temporal ou barreiras baseadas nos polinizadores. Ou seja, em condições naturais, duas espécies próximas podem manter-se isoladas por diferentes mecanismos: a) porque ocupam áreas geográficas distintas; b) porque florescem em épocas diferentes; c) porque são polinizadas por agentes diferentes; d) porque, mesmo sendo polinizadas por um mesmo agente, ele tem comportamento diferente ao abordar cada uma das espécies. Por esse motivo, o ser humano consegue efetuar polinizações entre espécies que, na natureza, nunca cruzariam entre si. É claro que isso é possível dentro de determinados limites de proximidade filogenética entre as espécies consideradas.

É sabido que o cruzamento entre espécies diferentes causa queda no número de sementes viáveis, que é tanto maior, quanto mais distantes filogeneticamente elas estiverem. Aqui, no entanto, entra em cena outro aspecto da biologia das orquídeas: as sementes minúsculas e produzidas em quantidades enormes. Num fruto que tenha, por exemplo, 1 milhão de sementes (e esse é um número que pode ser alcançado por muitas espécies de orquídeas), mesmo que, após um cruzamento entre duas espécies diferentes, a viabilidade seja de apenas 10%, ainda sobram 100 mil sementes viáveis! Como, em orquídeas, os híbridos obtidos são férteis, ao menos parcialmente, a seleção por hibridação pode ser repetida por várias gerações seguidas, o que, efetivamente, vem acontecendo. Alguns híbridos hoje disponíveis no mercado têm sua árvore genealógica enraizada em híbridos primários obtidos já na segunda metade do século 19. O primeiro híbrido artificial obtido foi Calanthe x dominyi, produzido em 1856 (PRIDGEON, 1992). O número de híbridos artificialmente obtidos em orquídeas ultrapassa o de qualquer outro grupo de plantas (LENZ; WIMBER, 1959).

As sementes minúsculas das orquídeas trazem certos problemas quando se tenta, através delas, a reprodução, pois é necessário prover as plântulas dos nutrientes que, em condições naturais, seriam fornecidos pela digestão dos fungos que invadem as sementes em germinação. Isso é conseguido por meio da semeadura in vitro, em meios de cultura adequados e em ambiente asséptico. Isso não será discutido em detalhes aqui, mas uma revisão pormenorizada sobre o assunto é apresentada, por exemplo, no artigo de Arditti et al. (1982).

Uma vez obtidos os exemplares que atendam à finalidade que se pretende, segue-se a multiplicação para obter quantidades comercialmente viáveis. Nas orquídeas, isso é feito, em geral, pelo uso de técnicas de clonagem, utilizando-se tecido meristemático, já que o uso de outros tecidos tem se mostrado ineficaz (KERBAUY, 2004). São utilizados principalmente meristemas dos brotos novos. Por esse motivo, tal reprodução é denominada, muitas vezes, “meristemagem”. A descoberta da possibilidade de multiplicação de orquídeas por meio de pedaços de tecido cultivados in vitro deve-se a um acaso. Georges Morel é considerado o pioneiro na cultura de tecidos de orquídeas, mas seu trabalho pioneiro (MOREL, 1960) visava obter plantas de Cymbidium livres de vírus. A técnica desenvolvida por Morel e outros pesquisadores abriu novas perspectivas para a seleção de orquídeas, pois possibilitou que plantas de interesse especial pudessem ser multiplicadas aos milhares. Hoje, a cultura de tecidos de orquídeas está relativamente bem conhecida, pelo menos para muitas das plantas comercialmente importantes, como pode ser visto em Arditti e Ernst (1993).

Numa família de plantas na qual há cerca de 25 mil espécies diferentes, e em que é possível obter híbridos férteis até mesmo entre espécies de gêneros diferentes e por gerações consecutivas, o potencial para a obtenção de novidades que agradem ao mercado é quase infinito, seja pela introdução de espécies nunca antes exploradas comercialmente, seja pela obtenção de híbridos novos ou pela seleção de plantas especiais.

Fontes de variação em orquídeas comerciais

O processo de seleção depende, em princípio, da ocorrência de variabilidade. Onde procurar tal variabilidade, visando obter novas orquídeas comercialmente interessantes? Numa primeira aproximação, a busca de novidades pode residir simplesmente na introdução de novas espécies anteriormente não exploradas comercialmente. Numa segunda aproximação, já se pode pensar na seleção de variantes dentro de materiais já explorados comercialmente. Em ambos os casos, o aproveitamento pode se dar por meio da exploração direta do material, ou pela introdução de seus genes em híbridos, ou pelas duas coisas em conjunto.

O colorido das flores é, certamente, a principal fonte de variação buscada na seleção de orquídeas. Isso seria de esperar, uma vez que o aproveitamento das orquídeas se deve, principalmente, à exuberância e à variabilidade das cores de suas flores. Variantes de colorido sempre foram muito visadas entre os colecionadores e há toda uma série de nomes associados aos extremos de variação: “alba”, “caerulea”, “semialba”, etc. Tais variantes podem aparecer espontaneamente nas populações naturais e em conjuntos de espécimes obtidos a partir de semeadura ou, no caso de híbridos, um novo colorido pode ser obtido pela infiltração de genes de espécies escolhidas para esse fim. Um dos casos mais conhecidos é o da inclusão da cor vermelha em flores de híbridos de Cattleya por intermédio de seu cruzamento com espécies tipicamente vermelhas como Hadrolaelia coccinea (= Sophronitis coccinea). Esse caso é um exemplo clássico, em orquídeas, da utilização do fenômeno da introgressão na obtenção de novos tipos de flores.

Introgressão é a infiltração de material genético de uma espécie em outra por meio de hibridação seguida de retrocruzamento. Parece ser um fenômeno que ocorre em populações naturais (LENZ; WIMBER, 1959; RIESEBERG, 1997; SOLIVA; WIDMER, 2003), podendo ser uma importante fonte de variação em plantas (WITHNER, 1988).

A herança das cores da flor em orquídeas é complexa. Pode estar baseada em um único gene ou em vários, os quais podem ser recessivos ou dominantes. Além disso, nesse processo, outros genes inibidores ou intensificadores podem estar envolvidos ou, ainda, pode haver variações de gênero para gênero e, até mesmo, de uma para outra parte da flor. Em Cattleya, por exemplo, já há muito tempo é conhecido o fato de que a herança da cor nas pétalas e sépalas é separada da herança no labelo (LENZ; WIMBER, 1959). Enquanto, em Cattleya, o amarelo é normalmente recessivo, em Laelia sensu lato, o amarelo é usualmente dominante (RACH, 2000).

As cores das flores advêm principalmente de três classes de pigmentos: a) antocianinas, que são hidrossolúveis, presentes nos vacúolos e responsáveis pelas cores na faixa do vermelho, azul, magenta e roxo; b) pigmentos derivados de carotenoides, que são lipossolúveis, presentes em corpúsculos e responsáveis por cores entre o amarelo e o laranja; c) clorofila, presente nos cloroplastos e responsável pela cor verde (RACH, 2000).

A ocorrência de poliploidia também pode ser uma fonte de variação morfológica desejável, pois as plantas poliploides costumam ser mais robustas e apresentar flores maiores. Em híbridos, nos quais um dos pais é poliploide, este último costuma contribuir mais para as características morfológicas da descendência.

Orquídeas como flores de corte

Flores de corte são aquelas que são retiradas da planta que lhes dá origem e comercializadas em separado. No caso de orquídeas, tal comercialização se faz de três maneiras: a) como flores grandes, isoladas ou em inflorescências paucifloras, em embalagens únicas ou em buquês; b) como inflorescências amplas e de flores grandes, para compor arranjos; c) como inflorescências de flores pequenas destinadas a compor fundo de buquês. Nesses três casos, uma característica desejável é que as flores sejam duráveis após sua retirada da planta-mãe (durabilidade pós-colheita), mas, em outros aspectos, cada um dos casos leva a um caminho diferente na seleção das plantas ideais.

No primeiro caso (a), a seleção é feita em razão da durabilidade pós-colheita, do tamanho e colorido das flores, e da produtividade. As flores são comercializadas como componentes de buquês ou isoladas em embalagens especiais. Para essa finalidade, são comumente utilizadas, no Brasil, flores de espécies ou híbridos de Cattleya e Paphiopedilum.

No terceiro caso (b), ou seja, em relação às inflorescências de flores grandes destinadas a arranjos, as características desejáveis são semelhantes às das flores isoladas, mas o que é comercializado são as inflorescências inteiras, geralmente para compor arranjos grandes ou coroas de flores. Inflorescências de híbridos de Cymbidium são comuns para essa finalidade.

Quando se trata de inflorescências para fundo de buquê (c), o que se quer é um conjunto relativamente denso de pequenas flores que possa formar uma base sobre a qual se apoiam as flores maiores. Nesse caso, a seleção também deve contemplar a durabilidade pós-colheita das flores, mas, de maneira oposta aos casos anteriores, as flores devem ter tamanho pequeno; no entanto, devem aparecer em grande número e dispostas densamente. Em relação às orquídeas, essa situação é conseguida principalmente com algumas espécies do gênero Oncidium, como O. flexuosum.

Em todos os três casos, e também no próximo que será abordado, a seleção das plantas, muitas vezes obtida por hibridação de espécies ou híbridos anteriormente estabelecidos, deve levar em conta também a época de floração. Flores ou plantas floridas produzidas nas épocas de maior procura tendem a alcançar preços melhores. São consideradas épocas de maior procura de flores, em especial, o Dia das Mães, o Dia dos Namorados e o Dia de Finados. Esta última data, porém, não tem um apelo especial para as orquídeas.

Na Europa e nos Estados Unidos, são utilizadas como flores de corte, algumas outras orquídeas não tão comuns no Brasil; é o caso de algumas espécies e híbridos de Phalaenopsis, Vanda, Ascocenda (= Vanda x Ascocentrum), Arachnis, Aranthera (= Arachnis x Renanthera) e Aranda (Arachnis x Vanda) (SHEEHAN, 1980).

Orquídeas como plantas floridas de vaso

Hoje, qualquer pessoa encontra vasos de orquídeas floridas, por um preço razoável, em floriculturas ou, até mesmo, em feiras livres, e a comercialização de orquídeas em vasos está muito disseminada, pelo menos nas grandes cidades. Isso é possível porque os produtores estão conseguindo obter grande quantidade de exemplares com técnicas modernas de cultivo e reprodução. No caso das orquídeas, essa situação era impensável até algumas décadas atrás. Em geral, tais vasos são comprados apenas como adornos floridos destinados a enfeitar salas ou festas, por pessoas sem um interesse específico em orquídeas. Sob essa ótica, os vasos são encarados como descartáveis. E muitas vezes são efetivamente descartados com o final da floração, ainda que a planta continue viva.

No Brasil, as orquídeas mais comumente cultivadas com essa finalidade são espécies ou híbridos dos gêneros Dendrobium, Phalaenopsis, Cymbidium, Cattleya, Epidendrum e Hadrolaelia. É interessante destacar o fato de os três primeiros gêneros serem asiáticos, mas extremamente bem adaptados às nossas condições climáticas. Possivelmente, Dendrobium nobile (Figura 5), conhecido popularmente como “olho-de-boneca”, e seus híbridos, sejam as orquídeas mais comercializadas para essa finalidade.

Figura 5

Figura 5. Planta florida de Dendrobium nobile, espécie comercial conhecida como “olho-de-boneca”.

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

Quando se pensa em orquídeas com esse potencial, a seleção tem como objetivos: a) certa rusticidade e facilidade de cultivo; b) quantidade e tamanho das flores; c) cor das flores, que deve ser chamativa; d) distribuição das flores na planta; e) durabilidade das flores.

Por intermédio de hibridações controladas, seguidas de propagação por cultura de tecido em larga escala, os produtores estão conseguindo obter plantas rústicas e extremamente floríferas, que chegam aos pontos de venda por preços muito baixos, a partir do equivalente a cerca de US$ 4.

Orquídeas como matrizes e plantas para exposição

Assim como ocorre com animais de criação, como cachorros, gatos, bois e ovelhas, há padrões de “raça” e beleza nas orquídeas. Há um mercado especializado de orquídeas, as quais se destinam à exibição em exposições ou à constituição de matrizes para a obtenção de novos híbridos.

Em exposições de orquídeas, é comum que os visitantes encontrem, entre as orquídeas expostas, plaquinhas de premiação, indicando o primeiro, segundo ou terceiro lugares. Eles poderão estranhar também o fato de haver mais de uma planta com a mesma colocação. Qual o significado disso?

A premiação significa que juízes especialmente treinados indicaram aquelas plantas como as melhores na exposição. É lógico que num mundo vasto como o das orquídeas, com flores que chegam a mais de 10 cm de diâmetro e outras com cerca de 1,5 mm, as flores não podem ser julgadas todas num mesmo lote, assim como um cão da raça Poodle não é julgado junto com um da raça Fila. Levando isso em consideração, foram estabelecidas categorias de plantas semelhantes. Cada planta é julgada dentro de sua respectiva categoria. Por esse motivo, nas exposições podem ser encontradas orquídeas com a mesma classificação, pois cada uma corresponderá a uma categoria diferente.

Os padrões de julgamento variam de categoria para categoria. O que se espera é que a planta premiada expresse, da melhor maneira possível, o potencial de sua espécie e de sua categoria. Em plantas que possuem flores pequenas em inflorescências, por exemplo, espera-se que a inflorescência seja ampla e densa, que as flores sejam bem distribuídas, numerosas e com colorido compatível com a espécie a que pertencem. Já em plantas com flores grandes e pouco numerosas, espera-se que as flores sejam bem armadas, bem distribuídas, com peças florais espessas e colorido compatível com a espécie. Os juízes estão acostumados a ver e comparar plantas nas exposições e devem ter na memória os padrões ideais de cada categoria. Além disso, algumas entidades como a American Orchid Society, dos Estados Unidos, e a Royal Horticultural Society, da Inglaterra, publicam periodicamente álbuns com fotografias das plantas premiadas para servirem de modelo comparativo.

O padrão de flor ideal, para a maioria das plantas economicamente importantes, pode ser exemplificado pelo padrão de Cattleya (Figura 6). De acordo com esse padrão, a flor “perfeita”, vista de frente, deve preencher, o mais precisamente possível, um círculo cujo centro é o ponto de inserção do ginostêmio. As pétalas (incluindo o labelo) e as sépalas devem ter seu ápice apontado para os vértices de dois triângulos equiláteros imaginários e opostos; as pétalas devem cobrir o mais possível o espaço entre as sépalas, e não devem deixar vãos.

Figura 6

Figura 6. Uma flor de Cattleya mostrando os dois triângulos invertidos virtuais, que são utilizados no julgamento das flores.

Ilustração: Ricardo de Azevedo Lourenço

Olhando lateralmente a flor, as pétalas e as sépalas devem estar o mais possível em um mesmo plano. Além desses atributos de forma, são levados em consideração alguns outros aspectos da flor, como a textura, a substância, a cor, a quantidade e a distribuição das flores na inflorescência. A substância é dada pela espessura ou carnosidade do tecido das pétalas e sépalas; numa flor com boa substância, essas peças devem ser sólidas e firmes. A textura é dada pelo viço e pela aparência da superfície floral, que pode ser aveludada, cerosa, perolada, etc. Embora flores grandes sejam desejáveis, o tamanho não deve ser obtido em detrimento do formato e do equilíbrio da flor (ORCHID SOCIETY OF SOUTH EAST ASIA, 1993).

Quando uma planta, em um lote de semeadura, é considerada de qualidade superior, pode vir a constituir uma cultivar (ou variedade cultivada) e receber um nome que passa a acompanhar todos os seus clones. O nome da cultivar é indicado após o nome da espécie ou híbrido, entre aspas simples. Assim, por exemplo: Hadrolaelia praestans ‘Penta’.

Nas exposições em que há julgamento de plantas, essas características são levadas em consideração e as plantas recebem pontuações para cada item. Esses pontos darão origem a uma nota final que permite a comparação entre as diferentes plantas em julgamento. Há diferentes sistemas de notas, mas, talvez, o mais amplamente divulgado seja o da American Orchid Society (AOS). Nele, há um montante de pontos atribuídos a cada um dos seguintes itens: forma da flor, cor da flor, tamanho da flor, substância e textura da flor, e quantidade de flores. O somatório dessas pontuações parciais pode alcançar, no máximo, 100 pontos. Plantas com pontuações altas podem receber distinções especiais: FCC (First Class Certificate), se alcançarem de 90 a 100 pontos; AM (Award of Merit), se de 80 a 89 pontos; e HCC (Highly Commended Certificate), se de 15 a 19 pontos. Há, ainda, outras distinções que independem de pontuação: JC (Judges Commendation), para híbridos promissores; CCM (Certificate of Cultural Merit), para plantas especialmente bem cultivadas; e CHM (Certificate of Horticultural Merit) para plantas que apresentem alto potencial horticultural. As siglas dessas distinções podem passar a acompanhar o nome das plantas em publicações ou em novas exposições. Assim, por exemplo: Stanhopea nigripes ‘Linda’ CHM/AOS.

Na verdade, o julgamento durante as exposições leva em consideração alguns outros pontos além da forma das flores, como fitossanidade, mas plantas com flores “perfeitas” possuem o potencial para serem premiadas e para transmitirem suas características positivas aos descendentes e, por isso, são valorizadas.

Produtores especializados sempre procuram trazer para as exposições novidades com base nesses critérios de perfeição, pois plantas premiadas agregam valor ao seu preço e ao de seus descendentes, de maneira semelhante ao que ocorre, por exemplo, com touros reprodutores.

Orquídeas para colecionadores especializados

Há alguma sobreposição deste item com o anterior, pois colecionadores podem especializar-se em plantas premiadas, mas aqui serão considerados aqueles casos de colecionadores de espécies naturais de orquídeas. Como regra geral, mas não absoluta, pode-se afirmar que as orquídeas nativas são sempre menos chamativas e produzem flores menores que suas equivalentes selecionadas. Isso faz que o mercado de plantas nativas seja mais restrito que o de plantas selecionadas, porque só alguns colecionadores comprarão certas orquídeas de flores pequenas e pouco vistosas. Algumas delas nem sequer podem ser consideradas como objetos de floricultura.

Colecionadores, independentemente da coleção que possuem, estão sempre procurando novidades, e os orquidófilos (colecionadores de orquídeas) não fogem à regra. Por isso, novas espécies vão sendo sempre adicionadas às listas de espécies comercializadas.

É importante destacar que, quando se fala em orquídeas nativas, o que se tem em mente são as espécies que ocorrem naturalmente, ou seja, as que se originaram sem interferência humana. Não estamos falando de orquídeas retiradas diretamente do ambiente natural, mesmo porque tal tipo de coleta constitui crime ambiental. Estamos tratando de espécies que ocorrem espontaneamente em ambiente natural, mas obtidas a partir de exemplares cultivados.

Orquídeas como plantas de jardim

Neste caso, a seleção privilegia plantas rústicas e, preferencialmente, terrestres, que sejam resistentes ao sol, cujas flores sejam suficientemente grandes, vistosas ou numerosas, para que sejam vistas de certa distância. Isso se obtém com a simples escolha das espécies ou híbridos adaptados a essas condições, não havendo seleção genética.

Há várias espécies que atendem aos requisitos citados acima. No Brasil, Arundina bambusifolia já é relativamente comum nos jardins, mas outras espécies aparecem com certa frequência, como Phajus tankervilliae, Vanda teres, Paphiopedilum insigne e Epidendrum secundum, além de alguns híbridos envolvendo uma destas duas últimas espécies. Menos comuns são algumas orquídeas epífitas, como Oncidium flexuosum e Dendrobium nobile, que são plantadas sobre árvores ou arbustos do jardim.

O uso de orquídeas em jardins públicos e praças ainda traz alguns problemas pelo fato de serem retiradas por frequentadores menos educados. No entanto, há locais como a cidade de Maripá, em Santa Catarina, onde várias árvores nas ruas trazem belos exemplares de Dendrobium nobile.

Referências

Arditti, J.; Clements, M. A.; Fast, G.; Hadley, G.; Nishimura, G.; Ernst, R. Orchid seed germination and seedling culture: a manual. In: ARDITTI, J. Orchid biology: reviews and perspectives, II. Ithaca: Cornell University Press, 1982. p. 243-370.

ARDITTI, J.; ERNST, R. Micropropagation of orchids. New York: J. Wiley, 1993. 682 p.

Arditti, J. Fundamentals of orchid biology. New York: J. Wiley, 1992. 691 p.

Benzing, D. H. The genesis of orchid diversity: emphasis on floral biology leads to misconceptions. Lindleyana, Delray Beach, v. 1, p. 73-89, 1986.

Benzing, D. H. Vascular epiphytes: general biology and related biota. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. 354 p.

Borba, E. L.; Semir, J. Pollinator specificity and convergence in fly-pollinated Pleurothallis (Orchidaceae) species:a multiple population approach. Annals of Botany, Oxford, v. 88, p. 75-88, 2001.

BORBA, E. L.; SHEPHERD, G. J.; SEMIR, J. Reproductive systems and crossing potential in three species of Bulbophyllum (Orchidaceae) occurring in Brazilian campo rupestre vegetation. Plant Systematics and Evolution, Vienna, v. 217, p. 205-214, 1999.

Carlsward, B. S.; Whitten, W. M.; Williams, N. H.; Bytebier, B. Molecular phylogenetics of Vandeae (Orchidaceae) and the evolution of leaflessness. American Journal of Botany, St. Louis, v. 93, p. 770-786, 2006.

Carson, H. L.; Templeton, A. R. Genetic revolutions in relation to speciation phenomena: the founding of new populations. Annual Review of Ecology and Systematics, Palo Alto, v. 15, p. 97-131, 1984.

Clements, M. A. Orchid mycorrhizal associations. Lindleyana, Delray Beach, v. 3, p. 73-86, 1988.

Cozzolino, S.; Noce, M. E.; Musacchio, A.; Widmer, A. Variation at a chloroplast minisatellite locus reveals the signature of habitat fragmentation and genetic bottlenecks in the rare orchid Anacamptis palustris (Orchidaceae). American Journal of Botany, Saint Louis, v. 90, p. 1.681-1.687, 2003.

Cozzolino, S.; Widmer, A. Orchid diversity: an evolutionary consequence of deception? Trends in Ecology and Evolution, Amsterdam, v. 20, p. 487-494, 2005.

DAHLGREN, R. M. T.; CLIFFORD, H. T. The monocotyledons: a comparative study. London: Academic Press, 1982. 378 p.

Darwin, C. R. The various contrivances by which orchids are fertilized by insects. London: Murray, 1877. 300 p.

Dressler, R. L. How many orchid species? Selbyana, Sarasota, v. 26, p. 155-158, 2005.

Dressler, R. L. The orchids: natural history and classification. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. 332 p.

Fay, M. F.; Krauss, S. L. Orchid conservation genetics in the molecular age. In: Dixon, K. W.; Kell, S. P.; Barrett, R. L.; Cribb, P. J. Orchid conservation. Sabah: Natural History Publications, 2003. p. 91-112.

Gentry, A. H.; Dodson, C. H. Diversity and biogeography of neotropical vascular epiphytes. Annals of the Missouri Botanical Garden, St. Louis, v. 74, p. 205-233, 1987.

González-Astorga, J.; Cruz-Angón, A.; Flores-Palacios, A.; Vovides, A. P. Diversity and genetic structure of the Mexican endemic epiphyte Tillandsia achyrostachys E. Morr. ex Baker var. achyrostachys (Bromeliaceae). Annals of Botany, Oxford, v. 94, p. 545-551, 2004.

Gravendeel, B.; Smithson, A.; Slik, F. J. W.; Schuiteman, A. Epiphytism and pollinator specialization: drivers for orchid diversity? Philosophical Transactions of the Royal Society of London, London, v. 359, p. 1.523-1.535, 2004.

Hoehne, F. C. Orchidaceas. In: Hoehne, F. C. Flora brasilica, São Paulo: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, 1953. v. 12. p. 1-397.

JUDD, W. S.; CAMPBELL, C. S.; KELLOGG, E. A.; STEVENS, P. F. Plant systematics: a phylogenetic approach. Sunderland: Sinauer, 1999. 464 p.

KERBAUY, G. Estágio atual do emprego de técnicas biotecnológicas para pesquisa em plantas orquidáceas. In: Barros, F.; Kerbauy, G. B. Orquidologia sul-americana: uma compilação científica. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2004. p. 51-58.

KERR, W. E.; LOPEZ, C. R. Biologia da reprodução de Trigona (Plebeia) droryana F. Smith. Revista Brasileira de Biologia, São Carlos, v. 22, p. 335-341, 1962.

KIYUNA, I. O mercado brasileiro de orquídeas e de outras flores. In: Barros, F.; Kerbauy, G. B. Orquidologia sul-americana: uma compilação científica. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2004. p. 165-173.

LENZ, L. W.; WIMBER, D. E. Hybridization and inheritance in orchids. In: Withner, C. L. The orchids: a scientific survey. New York: The Ronald, 1959. p. 261-314.

MOREL, G. Producing virus-free cymbidiuns. American Orchid Society Bulletin, West Palm Beach, v. 29, p. 495-497, 1960.

Nilsson, L. A. Orchid pollination biology. Trends in Ecology and Evolution, London, v. 7, p. 255-259, 1992.

ORCHID SOCIETY OF SOUTH EAST ASIA. Orchid growing in the tropics. Singapore, 1993. 207 p.

PINHEIRO, F.; BARROS, F.; LOURENÇO, R. A. O que é uma orquídea? In: BARROS, F. ; KERBAUY, G. B. Orquidologia sul-americana: uma compilação científica. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2004. p. 11-33.

PRIDGEON, A. The illustrated encyclopaedia of orchids. Portland: Timber, 1992. 304 p.

Pijl, L. van der; Dodson, C. H. Orchid flowers: their pollination and evolution. Coral Gables: University of Miami Press, 1966. 214 p.

RACH, N. Colors within the Cattleya alliance. Disponível em <http://autrevie.com/Articles/CattleyaColors.html>. 2000. Acesso em: 15 ago. 2006.

Ribeiro, R. A.; Ramos, A. C. S.; Lemos Filho, J. P.; Lovato, M. B. Genetic variation in remnant populations of Dalbergia nigra (Papilionoideae), na endangered tree from the Brazilian Atlantic Forest. Annals of Botany, Oxford, v. 95, p. 1.171-1.177, 2005.

Rieseberg, L. H. Hybrid origins of plant species. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics, Palo Alto, v. 28, p. 359-389, 1997.

SHEEHAN, T. J. Orchids. In: Larson, R. A. Introduction to floriculture. New York: Academic Press, 1980. p. 133-164.

Singer, R. B.; Flach, A.; Koehler, S.; Marsaioli, A. J.; Amaral, M. C. E. Sexual mimicry in Mormolyca ringens (Lindl.) Schltr. (Orchidaceae: Maxillariinae). Annals of Botany, Oxford, v. 93, p. 755-762, 2004.

SINGER, R. B. The pollination mechanism in Trigonidium obtusum Lindl. (Orchidaceae: Maxillariinae): sexual mimicry and trap-flowers. Annals of Botany, Oxford, v. 89, p. 157-163, 2002.

Singer, R. B.; Sazima, M. Abelhas Euglossini como polinizadoras de orquídeas na região de Picinguaba, São Paulo, Brasil. In: Barros, F., Kerbauy, G. B. Orquidologia sul-americana: uma compilação científica. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2004. p. 175-187.

Soliva, M.; Widmer, A. Gene flow across species boundaries in sympatric, sexually deceptive Ophrys (Orchidaceae) species. Evolution, Lancaster, v. 57, p. 2.252-2.261, 2003.

Squirrell, J.; Hollingsworth, P. M.; Bateman, R. M.; Tebbitt, M. C.; Hollingsworth, M. L. Taxonomic complexity and breeding system transitions: conservation genetics of the Epipactis leptochila complex (Orchidaceae). Molecular Ecology, Oxford, v. 11, p. 1.957-1.964, 2002.

Stoutamire, W. P. Seeds and seedlings of native orchids. The Michigan Botanist, Ann Arbor, v. 3, p. 107-119, 1964.

WITHNER, C. L. The Cattleyas and their relatives. The Cattleyas. Portland: Timber, 1988. v. 1. 147 p.

Withner, C. L. Orchid physiology. In: Withner, C.L. The orchids: a scientific survey. New York: The Ronald, 1959. p. 315-360.