Cravos e cravinas

Foto: Rosa Lía Barbieri

Cravos e cravinas

Elisabeth Regina Tempel Stumpf

A floricultura mundial vem crescendo continuamente nas últimas décadas, principalmente com relação à diversidade de espécies oferecidas, ao volume de negócios e de consumo e ao ingresso de novos investidores na busca de uma alternativa mais rentável aos cultivos tradicionais (GODOY, 2004). As flores de corte pertencem ao segmento da floricultura que envolve flores cultivadas com propósitos ornamentais, como para a confecção de buquês e arranjos florais, para presentear ou para decorações. Existem centenas de plantas que produzem flores de corte importantes, das quais os cravos estão entre as dez mais comercializadas em todo o mundo.

Sobre a família e o gênero

Os cravos pertencem à família Caryophyllaceae, que possui cerca de 80 gêneros e mais de 2 mil espécies (BARROSO et al., 2002) distribuídas em todo o mundo, em especial nas zonas temperadas e semitemperadas do Hemisfério Norte (JOLY, 1998; DEQUAN et al., 2001; HICKEY; KING, 2003; OFFICE..., 2005). Os principais centros de origem são a região do Mediterrâneo e o oeste da Ásia (até o oeste da China e Himalaia), com a ocorrência de algumas espécies também na África, na América e na Oceania (DEQUAN et al., 2001). A família compreende plantas anuais ou perenes, em sua maioria herbáceas, raramente arbustivas ou subarbustivas. As cariofiláceas, em geral, apresentam o caule entumescido nos nós, com ramificação frequentemente dicotômica (BARROSO et al., 2002). Apresenta espécies com uso medicinal e ornamental, com destaque, no último caso, para o gênero Dianthus L., dos cravos e das cravinas (JOLY, 1998; DEQUAN et al., 2001).

Como a maior parte das espécies de Diathus hibridizam entre si, não se sabe, ao certo, o número de espécies existentes. Autores indicam a existência de 300 (LINDGREN, 1995; GALBALLY; GALBALLY, 1997; TRINKLEIN, 2004) a 600 espécies (DEQUAN; TURLAND, 2001). As plantas pertencentes ao gênero são em geral perenes e herbáceas, em cujas hastes, articuladas, inserem-se as folhas opostas, lineares ou lanceoladas. As flores, solitárias ou em grupos (DEQUAN; TURLAND, 2001), possuem epicálice, um conjunto de brácteas que envolve o cálice. Este último é composto por quatro ou cinco sépalas sem estrias, livres ou unidas na base. A corola, de prefloração torcida, apresenta quatro ou cinco pétalas (BARROSO et al., 2002; HICKEY; KING, 2003) com bordos frequentemente irregulares ou serrilhados (GALBALLY; GALBALLY, 1997; HICKEY; KING, 2003). As pétalas podem ter cores únicas, como vermelho, rosa, púrpura ou branco (DEQUAN; TURLAND, 2001), duas cores mescladas, ou somente a região central com coloração diferenciada (GALBALLY; GALBALLY, 1997). A floração ocorre, principalmente, na primavera e no verão (HARPER; MC GOURTY, 1982).

Cravos e cravinas: as principais espécies ornamentais do gênero

As espécies e híbridos de Dianthus são cultivados comercialmente para uso no paisagismo ou como flores de corte e incluem os cravos (D. caryophyllus L.) e as cravinas (D. barbatus L. e D. chinensis L.).

Existem várias interpretações para a origem do nome do cravo, todas relacionadas ao idioma grego. Dianthus viria de dios, Deus, e de anthus, flor (QUATTROCCHI, 1999; VANDAVEER, 2002), resultando na denominação “flor dos deuses” ou “flor divina” (INFOAGRO, 2006). Para o epíteto específico caryophyllus, uma das versões explica que a palavra teria vindo de karya (nogueira) e phyllon (folha), em virtude da semelhança entre seus aromas. Outra referência, no entanto, indica que, utilizado inicialmente para dar nome ao cravo-da-índia – Eugenia caryophyllus (Spreng.) Bullock e Harrison. sin. Syzygium aromaticum (L.) Merr. e Perry –, o nome específico foi posteriormente levado para denominar o cravo (CEPROBOL, 2006), já que o aroma de suas flores lembraria o daquela especiaria (LARSON, 1992).

Os cravos de corte utilizados pelos floristas pertencem à espécie D. caryophyllus, mas sua taxonomia e evolução não estão bem definidas. Basicamente, são híbridos que envolvem duas ou mais espécies de Dianthus, sendo uma delas D. caryophyllus (SNIF, 2006) e, em menor grau, D. arboreus L., D. chinensis L. ou D. knappii (Pant.) Asch. e Kanitz ex Borb. (LINDGREN, 1995).

D. caryophyllus é uma planta compacta, que possui hastes pequenas e flores simples, com cinco pétalas (LINDGREN, 1995), o que, aliado ao curto período de florescimento, apenas no verão (LARSON, 1992), limita seu uso na arte floral. As flores podem ser de coloração branca, rosa ou púrpura (GALBALLY; GALBALLY, 1997) e apresentam maior potencial de uso no paisagismo, para conferir colorido aos jardins (MATHEWS, 2006).

Os cravos dos floristas, híbridos de D. caryophyllus, são cultivados especialmente para a comercialização das hastes florais (LORENZI; SOUZA, 2001) por suas características ornamentais, durabilidade após o corte e resistência ao manuseio e ao transporte (REMIGIO et al., 2002). São plantas perenes, que podem atingir até 80 cm de altura (CEPROBOL, 2006) e cujas folhas, lineares, planas e acuminadas, são de coloração cinza-azulada (GALBALLY; GALBALLY, 1997; INFOAGRO, 2006). Os caules são herbáceos, glabros e com 15 a 18 nós dilatados, de onde surgem as brotações. Os botões florais são produzidos somente nos seis ou sete primeiros nós (GODOY, 2004). O cálice é cilíndrico e as sépalas triangulares. As pétalas, contíguas, são denteadas e de formato irregular (CEPROBOL, 2006). Com base no número de pétalas, as flores podem variar de simples até dobradas. As primeiras têm apenas cinco pétalas e não possuem valor para o mercado da floricultura (SCOVEL et al., 1998), enquanto as dobradas podem ter até 40 pétalas (OFFICE..., 2005). Em consequência do aumento do número de pétalas, o acesso ao aparelho reprodutivo das flores ficou restrito a polinizadores com probóscides longos, como as borboletas (BARROSO et al., 2002; OFFICE..., 2005). As variedades modernas florescem o ano todo e possuem flores com maior número de cores, flores maiores e hastes mais resistentes do que as de seus ancestrais (LARSON, 1992). As flores apresentam as cores vermelha (nos seus mais diversos matizes), branca, rosa ou amarela (LORENZI; SOUZA, 2001), podendo ser também variegadas (MATHEWS, 2006).

Atualmente são comercializados dois tipos de cravos, o standard ou uniflora e o spray ou multiflora. No primeiro tipo, a flor, grande e única, é paralela à haste, enquanto, no segundo, existe um maior número de botões florais por haste (HORTICOM, 1997). Os cravos do tipo uniflora, em sua maioria derivados dos cravos americanos (SALINGER, 1991), são cada vez mais cultivados e possuem a vantagem de ser resistentes ao fungo Fusarium oxysporum (CEPROBOL, 2006), de ocorrência comum nos craveiros (GALLI et al., 1980). Nesses cravos, um aspecto importante é a escolha de variedades com a menor tendência possível de emitir brotações laterais (INFOAGRO, 2006), que precisam ser retiradas durante o cultivo. Os cravos do tipo multiflora, ao contrário do tipo uniflora, são cultivados para produzirem brotações em todos os quatro primeiros nós (GODOY, 2004), florescendo em um mesmo plano horizontal (HORTICOM, 1997). As flores podem ser de cor única, como rosa, vermelha ou laranja, ou ainda rajadas, nas cores vermelha e laranja (SALINGER, 1991).

D. barbatus (do latim, franja ou barba), a cravina-de-buquê, é uma espécie bienal, frequentemente cultivada como anual (HARPER; MC GOURTY, 1998; MATHEWS, 2006) e muito utilizada em jardins (LORENZI; SOUZA, 2001). Variedades modernas dessa espécie foram desenvolvidas para ser cultivadas também como flores de corte, com hastes que chegam a 90 cm de comprimento, e como plantas para vasos, com uma altura média de 50 cm (LINDGREN, 1995; PAN AMERICAN SEED, 2004). A espécie apresenta inflorescências terminais ramificadas, formadas por numerosas flores pequenas e pouco perfumadas, que surgem da primavera ao verão (HARPER; MC GOURTY, 1998; MATHEWS, 2006). As flores, de coloração vermelha, rosa, púrpura, salmão, branca ou bicolores (LINDGREN, 1995), podem ser simples ou duplas e apresentar a região central com coloração diferente do restante das pétalas (TRINKLEIN, 2004).

D. chinensis, a cravina ou cravo-dos-poetas, também é uma planta bienal, cultivada como anual e utilizada em jardins (LORENZI; SOUZA, 2001). Nativa da China, como o nome diz, a cravina alcança em média 30 cm de altura e no verão produz inflorescências terminais densas, formadas por pequenas flores lanceoladas perfumadas, com 6 cm a 7 cm de diâmetro, em geral simples, com cinco pétalas, mas algumas vezes duplas (TRINKLEIN, 2004; PAN AMERICAN SEED, 2004; MISSOURI, 2006). As pétalas possuem formatos e cores variadas (MATHEWS, 2006), como vermelha, rosa, roxa, branca ou com mais de uma cor (LORENZI; SOUZA, 2001).

Importância econômica

Os cravos e as cravinas estão entre as flores de corte mais importantes na floricultura mundial e, junto com as rosas, são responsáveis por cerca de 70% da demanda mundial (ANEFALOS, 2004). Em 1995, os cravos representaram 15% do mercado mundial, perdendo apenas para as rosas (LIEMT, 2006) e, em 2001, ocuparam a terceira posição entre as flores mais comercializadas em todo o mundo (ZUKER et al., 2001). Em países de clima temperado, como Holanda e Inglaterra, eles são produzidos em ambientes aquecidos, ao passo que, em regiões de clima ameno, como na Itália e na Califórnia (Estados Unidos), o cultivo pode ser feito em estufas não climatizadas (SALINGER, 1991).

A Holanda, a Colômbia e o Equador são os principais exportadores de cravos, enquanto a Alemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos são os principais compradores. Embora a Colômbia seja o maior fornecedor de cravos do tipo uniflora para os Estados Unidos, o Equador e a Guatemala também se destacam no abastecimento de cravos para o mercado norte-americano (CEPROBOL, 2006).

Os cravos com maior aceitação no mercado são os vermelhos, seguidos pelos de cor amarela, creme, branca e rosa (SALINGER, 1991). Existe também uma grande demanda por cravos variegados ou bicolores, com estrias ou bordas de cores diferentes do restante da flor (HORTICOM, 1997). Em geral, as variedades com flores amarelas são menos produtivas e mais suscetíveis a doenças do que as demais, enquanto algumas flores vermelhas ainda possuem o característico aroma dos cravos-da-índia (SALINGER, 1991).

As variedades comerciais mais importantes são estéreis e, em sua maioria, altamente heterozigotas; portanto, a fim de assegurar as características desejadas, devem ser propagadas vegetativamente (OFFICE..., 2005). Por essa razão, as mudas são obtidas, principalmente, de estacas retiradas de plantas cultivadas especialmente para esse fim (SALINGER, 1991), permanentemente podadas com o propósito de produzir um alto número de ramos vegetativos. Em meados dos anos de 1970, os principais produtores de mudas de cravos eram a Itália, a Alemanha, a Holanda e a França. Os países do norte mantinham então viveiros de plantas matrizes nos países do sul, próximos ao Mediterrâneo, a fim de obter estacas também no inverno e na primavera (D’HAESE, 1974). Ainda hoje, em decorrência da facilidade de multiplicação, o cravo é objeto de importante comércio internacional de estacas livres de vírus e enfermidades, produzidas principalmente pela Holanda, Itália, Alemanha e Israel (GODOY, 2004; RAMÍREZ, 2005; CEPROBOL, 2006). As variedades multiplicadas são protegidas por patentes homologadas por instituições oficiais, embora seja comum a falta de controle e de respeito às normas (HORTICOM, 1997).

O Brasil apresenta um consumo bastante tradicional com relação aos produtos da floricultura, o que coloca os cravos entre as dez flores de corte com maior volume de comercialização, e as cravinas entre as plantas mais consumidas para o paisagismo (MOTOS, 2000). Ambas apresentam oferta constante durante todo o ano, com picos no mês de maio e, no caso da cravina, também em dezembro (AKI, 2003). No Rio Grande do Sul, principal consumidor e tradicional produtor de flores de corte, os cravos estão igualmente entre as espécies mais cultivadas (CLARO, 1999). Em 2000, com apenas 25 produtores de cravos em todo o estado (DAUDT, 2000), o volume produzido era insuficiente para abastecer o mercado. Em 2002, a situação não parecia melhor. A maior parte das oito toneladas comercializadas na Ceasa/RS precisou ser importada de Santa Catarina (63,06%) e de São Paulo (36,05%), ao passo que a produção gaúcha colaborou com menos de 1% desse montante (informação pessoal1). As cravinas, por sua vez, começaram a se destacar no cenário da floricultura gaúcha no ano 2000, quando havia 105 produtores dessa espécie (DAUDT, 2000). Em 2002, perto de 20 mil pacotes de flores, 7 mil vasos e cerca de 600 mil mudas para jardim foram produzidos no Rio Grande Sul (DAUDT, 2002).

Citogenética e melhoramento

Os cravos, com número cromossômico x=15, são geralmente diploides (2n=30), existindo algumas espécies tetraploides (4n=60) e triploides (3n=45). Estas últimas são produzidas com propósitos comerciais (LINDGREN, 1995; GALBALLY; GALBALLY, 1997) e, em geral, produzem plantas aneuploides (OFFICE..., 2005). A maior parte das variedades disponíveis na Austrália e na Europa é diploide (GALBALLY; GALBALLY, 1997). D. barbatus, D. chinensis e D. caryophyllus são espécies diploides, com 2n=30 (JALAS; SUOMINEN, 1988; INDEX..., 2006). Depois de muitas hibridações e processos de seleção, os cravos silvestres deram origem às variedades modernas. A história conta que foi Linnaeus (1707–1778), botânico que instituiu o sistema de nomenclatura científica binomial, quem deu início ao melhoramento de cravos por meio da polinização cruzada (HAKANSSON, 1992).

D. caryophyllus foi intensamente utilizado por melhoristas durante séculos, basicamente em cruzamentos inter e intraespecíficos (OFFICE..., 2005) e, como resultado, foram desenvolvidas as inúmeras variedades e híbridos atualmente disponíveis (GALBALLY; GALBALLY, 1997). Embora o melhoramento de cravos tenha iniciado no século 16, as variedades com floração permanente foram desenvolvidas na França, em 1840 (LARSON, 1992), e os primeiros cravos adaptados para a produção de flores de corte, somente em 1845 (INFOAGRO, 2006). No século 19, a partir de cruzamentos entre cravos franceses, italianos e espanhóis, foi desenvolvida a variedade Niza. Levada para os Estados Unidos, em 1938, por William Sim, essa variedade passou por processos de melhoramento que deram origem aos híbridos bastante utilizados, conhecidos como cravos ‘Sim’ ou ‘Americanos’, com flor única, grande comprimento de haste e boa durabilidade após o corte (GODOY, 2004).

Os programas de melhoramento modernos estão focados na ampliação da oferta de cores e de formatos das flores, na redução dos custos de produção, na prevenção de pragas e moléstias e na maior resistência ao armazenamento e ao transporte (SPARNAAIJ; DEMMINK, 1983). As tendências atuais apontam ainda para outros objetivos além desses, como a introdução de resistência a vírus e fungos e a obtenção de novos híbridos para o cultivo em vasos e jardins (CEPROBOL, 2006). Recentemente, cravos com novas características agronômicas e ornamentais foram gerados com uso de técnicas de transformação genética (BAJAJ, 2001). Por meio dessas técnicas, foram obtidas variedades com maior resistência a fungos (principalmente, a Fusarium oxysporum), maior capacidade de enraizamento, maior produção de hastes e de flores por planta e cores com alto potencial de comercialização. Análises sensoriais demonstraram ainda que as flores apresentaram mais perfume do que as flores das plantas controle (ZUKER et al., 2001).

A engenharia genética pode também ser utilizada para produzir flores mais duráveis ou com cores inusitadas, como o azul. A identificação de marcadores moleculares ligados a características de durabilidade pós-colheita, por exemplo, é considerada importante ferramenta para o melhoramento dos cravos (DE BENEDETTI et al., 2005). O primeiro cravo geneticamente modificado para essa característica foi obtido em 1995. A nova variedade apresentou durabilidade pós-colheita duas vezes superior à variedade de origem, passando de cinco para nove dias após o corte. Apesar disso, essa variedade não foi lançada comercialmente, pois não havia sido comprovada a estabilidade da característica (BAJAJ, 2001). Quanto à cor dos cravos, essa é atribuída à presença de carotenoides, responsáveis pelas cores laranja e amarela, e de flavonoides, entre eles, as antocianinas. Não existem, naturalmente, cravos de cor azul ou lilás, pois falta parte da rota da biossíntese desses pigmentos (OFFICE..., 2005). O resultado mais próximo foi obtido em 1996, pela transferência dos genes responsáveis pela cor azul da petúnia (Petunia x hybrida), originando um cravo de cor violeta, a primeira flor geneticamente modificada comercializada em todo o mundo (STOYLES et al., 2003; AINSWORTH, 2006). Desde 1999, esses cravos modificados são produzidos e comercializados na Austrália, Equador e Colômbia (BAJAJ, 2001; SNIF, 2006). Para sua comercialização, no entanto, é exigido o uso de etiquetas com a informação de que são plantas geneticamente modificadas, para obtenção da cor, e de que só servem para propósitos ornamentais (SNIF, 2004). Posteriormente, outros cravos tiveram suas cores geneticamente modificadas pela mesma empresa australiana. Devidamente patenteados, estão atualmente disponíveis no mercado em vários matizes de violeta, desde o mais claro até próximo ao preto (FLORIGENE, 2006).

Esforços também têm sido feitos no intuito de restabelecer o aroma dos cravos, perdido em detrimento dos atributos estéticos ao longo do processo de seleção artificial (HORTICOM, 1997) e da obtenção de variedades com flores dobradas e semidobradas. Esses dois tipos de flores, contudo, não são facilmente evidenciáveis, em virtude da influência que o ambiente exerce sobre o fenótipo. A herdabilidade desse atributo foi estudada em progênies segregantes para tipo de flor e, com base no número de flores simples obtidas, foi evidenciado que a característica é expressa somente em plantas homozigotas para o alelo recessivo e que uma mutação dominante nesse alelo causa o acréscimo no número de pétalas (SCOVEL et al., 1998).

Cravos: sua história, usos e simbologia

Apesar de figurar entre as flores com maior índice de comercialização, a história da origem dos cravos e de sua distribuição pelo mundo não se encontra devidamente registrada.

As espécies do gênero Dianthus são encontradas principalmente nas regiões temperadas da Ásia, da Europa e do Mediterrâneo, existindo algumas espécies nativas da África, do Ártico e da América do Norte (DEQUAN; TURLAND, 2001; OFFICE..., 2005).

D. caryophyllus é nativo exclusivamente da zona mediterrânea da Espanha, da França, da Grécia e da Sicília e Sardenha, na Itália (OFFICE..., 2005). D. barbatus é nativo da zona mediterrânea, da região dos Bálcãs (sudeste da Europa) e do sul da Rússia (LINDGREN, 1995; LEVY-YAMAMORI; TAAFFE, 2004) e D. chinensis, por sua vez, das montanhas do leste asiático (OFFICE..., 2005).

Várias espécies de Dianthus foram cultivadas com propósitos ornamentais por centenas de anos. Os cravos, por exemplo, são cultivados pelo homem há mais de 2 mil anos. Em 300 a.C., já era conhecido como a “flor divina ou dos deuses”. Na Grécia, eram feitas coroas com as flores, as quais eram entregues aos vencedores de competições atléticas (LARSON, 1992).

Relatos dão conta de que os cravos foram cultivados no passado, principalmente, por pessoas ricas e por monges, em jardins especiais, e de que existiam espécies silvestres na região da Grécia (HAKANSSON, 1992). Seu cultivo, de fato, parece ser muito antigo, datando da Grécia (776–323 a.C.) e de Roma (753–509 a.C.) antigas. Na Idade Média (476 a 1453 d.C.), foi intensamente cultivado por causa de seu perfume. No século 19, a França passou a produzir cravos comercialmente, tanto a céu aberto como em estufas (OFFICE..., 2005). Mais tarde, algumas espécies do gênero Dianthus foram levadas até a Inglaterra e, de lá, por intermédio dos colonizadores, chegaram até a América do Norte (GALBALLY; GALBALLY, 1997; TRINKLEIN, 2004), onde o cultivo e o melhoramento, voltados para o mercado de flores de corte, tiveram grande impulso (OFFICE..., 2005).

As referências europeias mais antigas do gênero datam do século 16, com relatos de que D. barbatus foi introduzida na Inglaterra no ano de 1573 e de que, em 1597, era comum nos jardins, com inúmeras variedades de flores simples ou duplas (GALBALLY; GALBALLY, 1997, GODOY, 2004). D. barbatus foi introduzido no Japão em 1887, igualmente, para cultivo em jardins (LEVY-YAMAMORI; TAAFFE, 2004).

A história do cultivo de cravos no Brasil limita-se ao registro de que o primeiro cultivo foi implantado no ano de 1912, em Garanhuns, PE, pelo engenheiro agrônomo italiano Afonso Notaro, que veio ao País para dirigir uma escola agrícola (IBRAFLOR, 2001).

Como visto, os cravos e as cravinas fazem parte do elenco de produtos da floricultura, podendo ser usados como flor de corte ou como planta para jardins, por seu aroma, colorido e porte. Mas, além disso, as flores podem ser usadas para fins culinários (TRINKLEIN, 2004). Para o preparo de receitas, no entanto, a parte basal das pétalas deve ser retirada, por ser muito amarga. As pétalas são então empregadas em saladas e tortas de frutas. Para rechear sanduíches, são picadas e misturadas com queijo cremoso. Servem ainda para aromatizar vinhos, açúcares, sorvetes, bolos e pudins, e das flores é extraído um corante usado na confeitaria. O cravo é amplamente empregado na culinária por conferir um leve gosto de cravo-da-índia às receitas, até mesmo em empanados à base de pétalas de cravo e suco de limão (FELIPPE, 2003). Um dos mais de 130 ingredientes secretos do ainda famoso licor Chartreuse, criado na França no século 17, como um “elixir da longa vida”, são as pétalas de cravos (MORSE, 1995). Já nos séculos 17 e 18, na Inglaterra e na França, elas aromatizavam manteigas, vinagres, xaropes e outros produtos da culinária e continuam sendo empregadas em receitas de geleias e de molhos frios para acompanhamento de carnes (BRINGLE, 1978). Cristalizadas, as pétalas de cravos e cravinas servem para decorar tortas e outros pratos (MORSE, 1995).

Na época da rainha Elisabeth (1533–1603), da Inglaterra, cravos eram colocados em quartos de doentes para fortalecer e dar energia. Eram ainda indicados para curar feitiços e para prevenir pesadelos. Cravos frescos vermelhos, depositados em altares, e o uso das flores secas em sachês e incensos, pretensamente, faziam o mesmo efeito (CUNNINGHAM, 2000). Atualmente, o conhecimento popular indica o chá, feito com as flores inteiras, para o combate da debilidade geral, de anginas e de dores no peito e como fortificante para o coração e o sistema nervoso. A fricção com o óleo extraído das flores seria também eficaz para o alívio de dores (CEPROBOL, 2006), enquanto o decocto teria efeito sobre doenças urinárias e amenorreias (TIERRA, 1997).

As flores dos cravos são também conhecidas pela fragrância, derivada de sua composição, em particular, do eugenol e de derivados do ácido benzoico (ZUKER et al., 2001). Na destilação é extraído um óleo espesso, claro e translúcido, com muita fragrância, que lembra o das madeiras orientais (CRAVO, 1996). Desde o século 4, na Índia, os cravos fazem parte de bálsamos utilizados em rituais de banho e de óleos para massagem. Na França, figuras históricas, como Madame Pompadour (1721–1764) e Napoleão Bonaparte (1769–1821), utilizavam perfumes, de cujas fórmulas, invariavelmente, os cravos faziam parte. No Brasil, o perfume mais conhecido que possui cravos em sua composição é uma lavanda para uso infantil, criada no início dos anos de 1950 e utilizada até hoje (ASHCAR, 2001).

Na expressão de sentimentos e na simbologia, os cravos também marcaram seu lugar ao longo dos tempos. Dizem que Maria Antonieta (1755–1793), esposa do rei Luís XVI, da França, recebia mensagens escondidas em ramalhetes de cravos enquanto esteve aprisionada durante a Revolução Francesa. Uma dessas mensagens, que continha um plano de fuga, teria sido interceptada por guardas, dando fim a seus objetivos (WARD, 1999).

Em 1907, a americana Anna Jarvis escolheu o cravo como o símbolo do Dia das Mães, instituído por ela para fortalecer os laços familiares e o respeito pelos pais. Durante a primeira missa das mães, ela enviou 500 cravos brancos para serem distribuídos aos presentes, como demonstração de pureza, fidelidade, amor, caridade e beleza (SCHMIDT, 1997). Serviram igualmente como símbolo, no levante militar que ocorreu em Portugal, no dia 25 de abril de 1974, que pôs fim ao regime autoritarista vigente. Na ocasião, militares do exército ocuparam pacificamente as ruas usando cravos vermelhos nas fardas ou nos fuzis como sinal de protesto, o que deu, ao movimento, o nome de Revolução dos Cravos (SECCO, 2004).

Desconhecidos pela maior parte das pessoas, há vários costumes, lendas e tradições envolvendo os cravos. A etiqueta convencional, por exemplo, somente considera completo o traje de casamento masculino, especialmente o fraque, se ele apresentar um cravo branco na lapela. Apesar dos esforços em banir qualquer tipo de preconceito relacionado ao consumo e ao uso de flores, até pouco tempo dizia-se que apenas os cravos, sejam brancos ou vermelhos, eram as flores apropriadas para presentear homens. No Brasil, prova disso é que eles ainda são as flores com maior volume de vendas no Dia dos Pais (AKI, 2003).

Referências

AINSWORTH, C. C. Flowering and its manipulation: annual plant reviews. Oxford: Blackwell, 2006. 320 p.

AKI, A. Você já pensou em abrir uma floricultura? Holambra: Heliza, 2003. 80 p.

ANEFALOS, L. C. Modelo insumo-produto como instrumento de avaliação econômica da cadeia de suprimentos: o caso da exportação de flores de corte. 2004. 210 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba.

ASHCAR, R. Brasilessência: a cultura do perfume. São Paulo: Nova Cultural, 2001. 203 p.

BAJAJ, Y. P. S. Transgenic crops III: biotechnology in agriculture and forestry. New York: Springer, 2001. 370 p.

BARROSO, G. M.; PEIXOTO, A. L.; ICHASO, C. L. F.; GUIMARÃES, E. F.; COSTA, C. G. Sistemática de angiospermas do Brasil. Viçosa: UFV, 2002. 309 p.

BRINGLE, C. Edible and useful plants of California. Berkeley: Clarke University of California Press, 1978. 280 p.

CEPROBOL. Sistema de información y asesoramiento en comercialización para productores agrícolas. Disponível em: <http://www.ceprobol.gov.bo/perfilesMercado/perfilClaveles.htm>. Acesso em: 30 mar. 2006.

CLARO, D. P.; SANTOS, A. C.; ALENCAR, E.; ANTONIALLI, L. M.; LIMA, J. B. O complexo agroindustrial das flores do Brasil e suas peculiaridades. Revista de Administração da UFLA, Lavras, v. 1, n. 2, p. 17-31, 1999.

CLAVELL. Disponível em: <http://www.clavell.com/etimo.html#flower>. Acesso em: 29 mar. 2006.

CRAVO, A. B. Plantas & perfumes: as essências mais usadas. Sâo Paulo: Helmus, 1996. 150 p.

CUNNINGHAM, S. Cunningham’s encyclopedia of magical herbs. St. Paul: Llewellyn, 2000. 318 p.

D’HAESE, L. The organization of the market for carnation flowers. Acta Horticulturae, Wageningen, v. 40, p. 481-486, 1974.

DAUDT, R. H. S. Cadastro eletrônico dos produtores de flores e plantas ornamentais do RS. Porto Alegre: UFRGS, 2000. 1 CD-ROM.

DAUDT, R. H. S. Censo da produção de flores e plantas ornamentais no RS na virada do milênio. Porto Alegre, 2002. 107 f. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia) – Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

DE BENEDETTI, L.; BRAGLIA, L.; BRUNA, S.; BURCHI, G.; MERCURI, A.; SCHIVA T. Pcr-based markers and cut flower longevity in carnation. Acta Horticulturae, Leuven, v. 683, p. 437-444, 2005.

DEQUAN, L.; TURLAND, N. J. Dianthus. Flora of China, St. Louis, v. 6, p. 102, 2001.

DEQUAN, L.; WU, Z.; ZHOU, L ; CHEN, S.; GILBERT, M. G.; LIDÉN, M.; MCNEILL, J.; MORTON, J. K.; OXELMAN, B.; RABELER, R. K.; THULIN, M.; TURLAND, N. J.; WAGNER, W.L. Caryophyllaceae. Flora of China, St. Louis, v.6, p. 1, 2001.

FELIPPE, G. Entre o jardim e a horta: as flores que vão para a mesa. São Paulo: Senac, 2003. 286 p.

FLORIGENE. Florigene: the world’s first molecular breeder. Disponível em: <http://www.florigene.com/about/whoweare.php>. Acesso em: 15 abr. 2006.

GALBALLY, J.; GALBALLY, E. Carnations and pinks for garden and greenhouse: their true history and complete cultivation. Portland: Timber, 1997. 310 p.

GALLI, F. (Coord.). Manual de fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. 2. ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 1980. v. 2. 587 p.

GODOY, P. A. O. Evaluación productiva de ocho variedades de clavel (Dianthus caryophyllus) en la comuna de Nueva Imperial, IX Región. 2004. 56 f. (Monografia de Conclusão de Curso) – Universidad Católica de Temuco, Temuco.

HAKANSSON, L. The type of the carnation flower during the time of commercialisation. Acta Horticulturae, Santa Fe de Bogotá, v. 307, p. 167-172, 1992.

HARPER, P.; MC GOURTY, F. Perennials. Los Angeles: HP Books, 1982. 160 p.

HICKEY, M.; KING, C. Common families of flowering plants. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 212 p.

HORTICOM. Juego varietal: el tamanõ, el color y el olor ... en claveles. Revista Horticultura, Tarragona, n. 118, p 103-106, 1997.

IBRAFLOR. Pernambuco em flores. Informativo Ibraflor, Holambra, n. 25, p. 3-4, 2001.

INFOAGRO. El cultivo del clavel. Disponível em: <http://www.infoagro.com/flores/flores/clavel.htm>. Acesso em: 26 mar. 2006.

INDEX TO PLANT CHROMOSOME NUMBERS. Disponível em: <http://mobot.mobot.org/cgi-bin/search_vast>. Acesso em: 24 abr. 2006.

JALAS, J.; SUOMINEN, J. Atlas Florae Europaeae: distribution of vascular plants in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1988. 416 p.

JOLY, A. B. Botânica: introdução à taxonomia vegetal. São Paulo: Ed. Nacional, 1998. 777 p.

LARSON, R. Introduction to floriculture. New York: Academic Press, 1992. 636 p.

LEVY-YAMAMORI, R.; TAAFFE, G. Garden plants of Japan. Portland: Timber, 2004. 440 p.

LIEMT, G. van. The world cut flower industry: trends and prospects. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/dialogue/sector/papers/ctflower/index.htm>. Acesso em: 3 abr. 2006.

LINDGREN, D. T. Dianthus caryophyllus. In : ESTADOS UNIDOS. Department of Agriculture; Germplasm Resources Information Network; National Plant Germplasm System. Herbaceous Ornamental Crop Germplasm Committee. 1995. Disponível em: <http://www.ars-grin.gov/npgs/cgc_reports/herbscgc1995.htm>. Acesso em: 15 abr. 2006.

LORENZI, H.; SOUZA, H. M. Plantas ornamentais no Brasil: arbustivas, herbáceas e trepadeiras. Nova Odessa: Plantarum, 2001. 1100 p.

MATHEWS, N. Carnations, pinks, sweet Williams: wich is wich?. Disponível em: <http://www.gardenguides.com/articles/carnations.htm>. Acesso em: 26 mar. 2006.

MISSOURI FLORA WEB. Disponível em: <http://www.missouriplants.com/Redopp/Dianthus_barbatus_page.html>. Acesso em: 26 mar. 2006.

MORSE, K. Edible flowers: a kitchen companion with recipes. Berkeley: Ten Speed, 1995. 80 p.

MOTOS, J. R. Flores de corte, 2000. 15 p. Apostila do curso sobre produção de flores, promovido pela Flortec Consultoria, Treinamento e Promoção com sede em Holambra, SP.

OFFICE OF THE GENE TECHNOLOGY REGULATOR. The biology and ecology of Dianthus caryophyllus L. (carnation). Australia: Australian Government, 2005. 18 p.

PAN AMERICAN SEED. Variedades nuevas para el 2004-2005. West Chicago, 2004. 96 p.

QUATTROCCHI, U. CRC world dictionary of plant names: common names, scientific names, eponyms, synonyms, and etymology. London: CRC, 1999. 864 p.

RAMÍREZ, S. Belleza de exportación. Revista Istmo, México, v. 2, n. 6, p. 1-4, 2005.

REMIGIO, M. H.; ARREBATO, M. A. R.; ZENÉN, G. R. Efecto de la aplicación de quitosana en la germinación y crecimiento del clavel (Dianthus caryophyllus L.). Avances, Pinar Del Río, v. 4, n. 2, 2002.

SALINGER, J. P. Commercial flower growing. Zaragoza: Acribia, 1991. 371 p.

SCHMIDT, L. E. Consumer rites: the buying and selling of American holidays. Princeton: Princeton University Press, 1997. 379 p.

SCOVEL, G.; BEN-MEIR, H.; OVADIS, M.; ITZHAKI, H.; VAINSTEIN, A. RAPD and RFLD markers tightly linked to the locus controlling carnation (Dianthus caryophyllus) flower type. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 96, n. 1, p. 117-122, 1998.

SECCO, L. Trinta anos da Revolução dos Cravos. Revista Adusp, São Paulo, p. 6-12. 2004.

SNIF. Summary Notification Information Format. Modified version of the SNIF for application C/NL/04/02: submittted by Florigene concerning the carnation with modified colour. Disponível em: <http://gmoinfo.jrc.it/csnifs/C-NL-04-02_revised.pdf>. acesso em: 15 abril de 2006.

SPARNAAIJ, L. D.; DEMMINK, J.F. Carnations of the future. Acta Horticulturae, San Diego, v. 141, p. 17-24. 1983.

STOYLES, P.; DEMANT, D.; PENTLAND, P. Genetic engineering. Minnesotta: Smart Apple Media, 2003. 32 p.

TIERRA, L. G. Healing with Chinese herbs. Freedom: Crossing Press, 1997. 206 p.

TRINKLEIN, D. Dianthus: new acclaim for an old favorite. Missouri Environment and Garden, Columbia, v. 10, n. 7, 2004.

VANDAVEER, C. What color became the name of a flower? 2002. Disponível em: <http://www.killerplants.com/whats-in-a-name/20020524.asp#read>. Acesso em: 26 mar. 2006.

WARD, B. J. A contemplation upon flowers: garden plants in myth and literature. Portland: Timber, 1999. 446 p.

ZUKER, A.; SHKLARMAN, E.; SCOVEL, G.; BEN-MEIR, H.; OVADIS, M.; NETA-SHARIR, I.; BEN-YEPHET, Y.; WEISS, D.; WATAD, A.; VAINSTEIN A. Genetic engineering of agronomic and ornamental traits in carnation. Acta Horticulturae, Tampere, v. 560, p. 91-94, 2001.